sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

[URBANISMO: PERIFERIA: ARQUITETURA: MACEIÓ (Al)] Vanine Borges Amaral. Iluminação Natural e Componentes Arquitetônicos: nas janelas da pobreza





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AMARAL, Vanine Borges. Iluminação Natural e Componentes Arquitetônicos: nas janelas da pobreza. O Jornal,  Maceió, 28 Set. 2008.
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[URBANISMO: periferia: arquitetura: Maceió (Al)]



Umas poucas palavras
Luiz Sávio de Almeida

Vanine é jovem pesquisadora em formação. Ela aceitou um desafio que fiz: discutir uma aparente dualidade na arquitetura, no que diz respeito à carência e à abundância. Foi ao Feitosa, conversou com o povo, sentiu que se elaborava uma estética e uma prática associada à carência e explorou o assunto nesta matéria. É uma aproximação do saber  acadêmico à realidade da pobreza de um país que Octávio Ianni considerava inacabado. Não deixa de ser um ajuste de contas do saber com o poder. Para a publicação deste texto, ela contou com observações críticas do Professor Dr. Leonardo Salazar Bittencourt.

Um dos ponto altos do texto é a incorporação da fala do povo, o que é um sinal de modernização da pesquisa. É necessário reforçar que  Espaço trabalha uma linha que soma os cacoetes acadêmicos e a divulgação. O assunto é sobejamente importante e lida com a possibilidade de se discutir a existência de uma arquitetura de carência e uma arquitetura de abundância ou, em linguagem popular, construir e se virar.




Vanine Borges Amaral, graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Alagoas. FAU/UFAL(2007). Durante a graduação participou do Programa de Educação Tutorial de Arquitetura e Urbanismo,  PETARQ e do Grupo de Pesquisa em Iluminação. GRILU. Atualmente é mestranda do Programa de Pós-Graduação Dinâmicas do Espaço Habitado - DEHA/UFAL e participa do Grupo de Estudos Representações do Lugar, RELU, atuando na linha de Percepção e Conceituação do Espaço Habitado. Escreveu este artigo para a disciplina intitulada Formação do Espaço Alagoano, ministrada pelo Professor Luiz Sávio de Almeida e sob sua orientação.





Iluminação Natural e Componentes Arquitetônicos: nas Janelas da Pobreza

Vanine Borges Amaral



O presente artigo discute a utilização dos recursos arquitetônicos para o aproveitamento de luz natural pela população de baixa renda. Longe de chegar a uma conclusão, almeja traçar apontamentos sobre a questão, a partir do exame de uma área da cidade de Maceió. Tomou-se como área de estudo uma pequena extensão do bairro do Feitosa, em que se verificou o uso da janela nas autoconstruções, a partir de visitas, registros fotográficos e entrevistas com os residentes, levantando- se a hipótese de que este universo iria repetir-se nas diversas áreas urbanas do mesmo nível de renda.

A maneira pela qual a luz penetra nos ambientes, a orientação do edifício, a tipologia das aberturas, localização e dimensão, a existência ou não de elementos de proteção e de transição para o ambiente interno, interferem na interação entre o espaço e o homem, e no modo pelo qual o primeiro é sentido, apreendido e percebido pelo segundo. Esses elementos também determinam as relações entre o meio interior e exterior à construção e entre o meio natural e o construído.

O uso de janelas tem sido bastante empregado nas edificações por atender, além das exigências de iluminação, às necessidades de ventilação e de visão do exterior. Sua tipologia foi se modificando ao longo da história de acordo com as necessidades humanas, bem como das técnicas construtivas disponíveis em cada época. O tamanho e a disposição das janelas variam de acordo com as condições locais. Por exemplo, enquanto em climas frios as janelas são projetadas a fim de admitir uma maior quantidade de radiação solar, garantindo ganho térmico no interior da edificação, nos climas áridos as janelas servem para eliminar calor, acolhendo uma menor quantidade de luz.


O que todas essas possibilidades significam para a classe pobre? No Feitosa, assim como nos demais bairros de periferia de Maceió, a população de baixa renda adquire ou se apropria e ocupa um pequeno lote, sem infra-estrutura, e inicia um extenso processo de autoconstrução de casa, geralmente no tempo livre entre as jornadas de trabalho. Devido à carência de recursos, modelos construtivos, participantes da experiência comum, são repetidos. Deste modo, por exemplo, as casas geminadas provenientes da herança colonial portuguesa são as formas mais comuns nas áreas periféricas da cidade.

O modelo conhecido como casa de meia-morada ou casa de porta e janela organiza a residência unifamiliar em uma sala de estar ladeada por corredor que dá acesso aos quartos de dormir . também chamados de alcovas, na literatura especializada, por não possuírem janelas . e leva à cozinha e ao banheiro, na parte posterior da casa. Um pequeno quintal aos fundos completa a ocupação do lote.



Diante desse padrão residencial se apresentam muitas questões acerca do conforto ambiental, já analisadas por diversos pesquisadores como Reis Filho e Philips Derek. O fato de as casas serem geminadas impede a disposição de janelas laterais, exigindo instalação de grandes janelas verticais na fachada, a fim de iluminar ao máximo a extensão longitudinal da edificação. A escuridão nas alcovas é minimizada com o uso de domos e paredes  descoladas do teto, artifícios que além de proverem alguma iluminação, proporcionam a circulação do ar entre os ambientes. A ausência de forro sob a coberta em estrutura de madeira e telha do tipo canal também influencia no movimento de ar interno.

Ao observarmos os modos de construir no bairro do Feitosa, percebemos a extensa utilização da casa de meia-morada, independentemente da orientação do terreno ou das condições ambientais de uma maneira geral. A
aparente similitude entre as residências é desfeita a partir de uma maneira mais atenta de olhar o lugar, que expõe as adaptações realizadas pelos moradores, adequando o modelo construtivo conhecido às realidades individuais, onde se somam necessidade e estética. Durante as entrevistas, não houve relato de uso das janelas para observar o exterior. Tal fato é compreensível, já que esta parcela da população da cidade ainda tem o hábito de conversar nas portas de casa, ficar nos quintais, ir às casas dos vizinhos, enquanto as crianças brincam soltas na rua.

O ventorzinho na casa de baixo

Na casa de Cristina, havia a possibilidade de abrir uma janela lateral, pois, situada no topo de uma encosta, a casa é geminada em apenas uma das laterais. Isso permitiria a ilumina ção de outros ambientes da casa. No entanto, neste caso, foi dado prioridade ao caráter plástico-espacial, a fim de concretizar a idéia que se tem de casa:

Porque essa janela assim, a gente pensou pela questão da frente da casa, né? Como geralmente é usado nas casas, geralmente tem a janela em vista e a porta, pra identificar que é uma casa. A gente queria que a janela fosse no corredor, mas ele achou melhor que a janela ficasse na frente da casa. (grifo nosso)

Nesta casa, só há uma janela horizontal, em ferro e vidro, na sala de estar. A porta de acesso, feita com os mesmos materiais da janela, funciona também para iluminar o interior da residência. Os dois quartos possuem as paredes descoladas do teto e não apresentam janelas, mas este fato não chega a ser um incômodo aos moradores. Ao final do corredor, tem-se a cozinha, também sem janelas. Para permitir iluminação ou ventilação em seu interior, é preciso abrir a porta dos fundos. A segunda abertura encontra-se no banheiro, preenchida por cobogós, tipo de elemento vazado bastante utilizado nas aberturas das casas visitadas. Além de possuir baixo custo, o cobogó funciona como protetor solar, amenizando a radiação direta do sol no interior do ambiente e permitindo a ventilação natural.

O emprego de um modelo de edificação pela baixa renda, como é o caso da meia-morada, denota a existência de uma teoria subjacente a este processo de repetição. Além de as estratégias utilizadas proporcionarem uma satisfação mínima aos usuários, seja do ponto de vista do conforto ambiental, seja do plástico-espacial da residência, é fundamental destacar a inteligência existente no processo de autoconstrução. Mesmo diante da reprodução de um modelo  que associado à escassa renda diminui as possibilidades construtivas, ao observar um pouco mais de perto tais moradias percebe-se a variedade de soluções encontradas para responder às situações cotidianas no que vamos chamar de arquitetura da carência, fundada na ausência de meios e de recursos em geral. Deste modo, a população ajusta a arquitetura ao seu próprio modo de vida, construindo a sua própria ordem de conhecimento e de construção, havendo, sem dúvida, uma engenharia e uma arquitetura absolutamente diferenciadas da versão acadêmica e fundadas na necessidade angustiante de sobreviver. A carência e a sobrevivência fundam um modo de perceber a vida e, nele, aparecem formas específicas de estar na construção do espaço.



Na casa de D. Carmela, que está em fase de construção há algum tempo, o menor comprimento do lote levou a locar um dos quartos na frente da casa. Deste modo, a janela que seria da sala de estar, passou a ser do quarto. Todas as aberturas ainda estão fechadas com tábuas ou panos, mas D. Carmela já define os horários que acredita serem os ideais para abrir as janelas:

Quando é no quarto eu sempre num abro ela, só vez em quando, agora quando taí numa sala, a sala assim, tem que abrir, né, um pouco, né?, assim, pra num ficar...mas quando é pro quarto,né?, eu sempre deixo fechado. Só abro assim um momento que eu vou fazer limpeza.

Atualmente, têm-se definido os níveis de iluminação adequados para os espaços construídos conforme a atividade desempenhada no recinto. De acordo com a atividade desenvolvida, são exigidas diferentes iluminâncias, que aumentam em função dos requisitos da visão. No entanto, estas normas baseiam-se apenas em condições de iluminação artificial, desconsiderando as variações inerentes à iluminação natural, bem como à subjetividade do ato de percepção por parte dos usuários.


Mais do que normas estabelecidas, é o cotidiano que orienta a  quantidade de iluminação necessária no interior da residência. Sendo a moradia um contínuo processo de construção, a população vale-se das experiências adquiridas no dia-a-dia para intervir no espaço. A influência do cotidiano é percebida na casa de D. Branca. Para ela, que é aposentada e tem o hábito de cochilar durante um período da tarde, o ideal é que não houvesse janela em seu quarto, contrariando qualquer normalização ou padrão construtivo ensinado nos cursos de arquitetura. Já acima do fogão, em sua sala-cozinha, há urgente precisão de uma abertura, a fim de permitir, com a entrada de mais luz, a perfeita visualização do conteúdo das panelas.

Abrir uma janela na parede onde se encontra o fogão de D. Branca é possível devido à existência de uma passagem externa entre esta e a casa vizinha, que permite o acesso às edificações situadas na encosta, abaixo do nível da rua. Uma janela semelhante a esta foi aberta no pavimento inferior da casa de D. Branca e Seu Joaquim, que o alugam para outra família. A janela serve para iluminar a cozinha e fica na base da parede lateral, ao lado do caminho de acesso. No entanto, seu Joaquim discorda da esposa sobre a instalação do ventorzinho, priorizando a segurança do casal e sugerindo a instalação de uma telha transparente. A discussão entre o casal continua, e D. Branca afirma ser muito melhor um .ventorzinho., pois a telha .enloda. e  nenhum dos dois tem condições de realizar a limpeza periódica.






REFERÊNCIAS
BITTENCOURT, Leonardo Salazar. Uso das Cartas Solares:
Diretrizes para arquitetos. 4ª ed. rev. e ampl. Maceió: EDUFAL,
2004
DEREK, Philips. Lighting Historic Buildings. Oxford:
Architectural Press, 1997.
REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da Arquitetura no Brasil.
10ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2004























quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

[HISTÓRIA: MULHER: VIOLÊNCIA: ALAGOAS] Maria Aparecida Batista de Oliveira.A mulher e a história de violência: a fenomenologia da dor


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OLIVEIRA,  Maria Aparecida Batista de. A mulher e a história: a fenomenologia da dor. O Jornal, Maceió,
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[POLÍTICA: MULHER: VIOLÊNCIA: ALAGOAS]








Umas poucas palavras
Luiz Sávio de Almeida


Espaço traz um texto da Professora Maria Aparecida Batista de Oliveira. O artigo toma por base um capítulo de sua dissertação orientada pela Professora Doutora Heliane de Almeida Lins Leitão, aprovada com elogio pela banca examinadora. O título da dissertação é: Mulher e violência em Maceió: um pensar sobre sua história.

Este não é um trabalho apenas acadêmico.

A Professora Cida - como é conhecida por seus amigos - é expressiva no movimento dos professores da Universidade Federal de Alagoas, no movimento negro e no de mulheres, onde ocupa posição de relevo.

Seu trabalho argumenta uma relação íntima entre a formação da sociedade patriarcal e os marcos da dominação das mulheres na sociedade brasileira e alagoana em particular. O texto é construído com fundamentos no cotidiano e, densamente, na expressão da violência na vida doméstica, com repercussões no espaço público. Demonstra, sobretudo, a esperança em que este processo de dominação termine e, para tanto, busca níveis de consciência que estabeleçam novas determinações de vida.

É impossível ler o texto sem sentir as vidas, os momentos de dor, sofrimento, alienação que nutrem todo um quadro social perverso, em que as mulheres sofrem os cometimentos de gênero e da circunstanciação de uma sociedade que precisa ser superada pela construção de um universo de liberdade. Há no texto, inclusive, um chamamento à dignidade.

Espaço sente-se muito bem por estar em sua companhia. Uma bela e respeitada pessoa humana está à disposição de nossos leitores. A democracia brasileira para finalizar-se, deve revisar seus pontos de desencontros e, entre eles, sem dúvida, avulta o da situação da mulher.


O que Cida faz



Maria Aparecida Batista de Oliveira é natural de União dos Palmares, onde concluíu o Curso Pedagógico no Colégio Normal Santa Maria Madalena tendo sido professora no mesmo estabelecimento escolar. Formou-se em Filosofia pelo antigo Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), do qual foi Diretora. É Mestra em História e professora de Filosofia e Ética do Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Artes. No momento, ocupa a presidência da Associação dos Docentes da Universidade Federal de Alagoas e é, também, Coordenadora do Núcleo Temático Mulher e Cidadania da UFAL. Ocupa a presidência do Conselho Estadual de Defesa dos  Direitos da Mulher.









A mulher e a história de violência: a fenomenologia da dor

Maria Aparecida Batista de Oliveira



FALA DE PANDORA




 .Apanho muito de meu marido, ele me trata muito mal, me chuta, me belisca, me chama de p[...], de vagabunda, diz que eu olho para os outros homens, que eu não dou para nada, que eu sou uma parasita, que ele já está cheio, não me suporta mais. Eu não trabalho, me bate até nas vistas do filho- tenho três, dois homens e uma menina -, eles choram e gritam muito pedindo para ele parar; às vezes ele bate nos meninos e xinga a menina de tudo. Mais ele só faz isso quando bebe; quando não está bêbado, ele é um santo. Eu gosto muito dele; minha mãe sempre diz: " Tenha paciência, depois ele muda; homem é assim mesmo [...]". Ás vezes tenho muito raiva. chego até a ter ódio... Me usa quando quer, não posso dizer que não quero se não vou apanhar. Também não posso me separar dele... Tenho muito medo de ficar só com três filhos nas costas para criar e sem meios de sustentar. Eu me casei com 17 anos; ele foi meu primeiro namorado. Eu sofro muito, me sinto só e desamparada.
Minha vida é um inferno.



A FALA DE HERA

Estou com 6 (seis) meses de separada; fui casada por 16 anos. Ultimamente resolvi ter a minha carta de alforria e denunciei ele na Delegacia; passei por muita violência com ele. Quando chegava em casa, tinha dia que nada prestava, e ai eu ia apanhar. Levei murros, beliscões, ponta pés, chute na barriga até quando estava grávida; quantas vezes apanhei por causa do arroz que ele dizia não estava prestando, por causa da camisa que ele dizia está muito mal passada, e, aí, eu era surrada, ele me chamava de burra, de vagabunda. Eu me afastei de todo mundo, das amigas, de minha família. Escondi meu sofrimento  durante muito tempo da minha família; vivia em uma grande solidão.



No principio eu não trabalhava, depois eu comecei a vender roupas que pegava da minha mãe, fui crescendo e hoje tenho uma lojinha; estou bem, aos poucos fui construindo minha independência, fui fazendo minha vida, né. Foi por isso que me separei; tomei a decisão quando um dia ao chegar em casa muito cansada do trabalho - um pouco mais tarde, nesse dia teve muito movimento, muitas clientes - ele estava bêbedo, teve crise de ciúme.





Quando fui entrando em casa, já vi foi os gritos: sua quenga, sua
perdida, onde andava até uma hora dessas! E já recebi foi o murro, não sei como não perdi o olho, ele gritava ainda: "Vou lhe matar sua p[...]". Eu não agüentava mais tanta humilhação, pois viver com ele
me dava dor no coração, nervoso, dor de cabeça direto, pressão alta, eu vivia tomando remédio direto para pressão e também para ficar calma. Tomava lexotan...

Esse dia foi a gota de água; tomei a decisão, fui direto pra
Delegacia e dei queixa dele; sai de casa com meus filhos, fui morar com minha mãe. Sai sem nada desse casamento.
O processo da separação tá andando; eu disse pra o advogado que não quero nada dele, só ver longe de mim, quero paz, estou des pe da ça da, eu estou me curando dessa dor aos poucos. Hoje eu sou livre, não quero saber mais de depender de homem nenhum; já estou
morando com meus filhos em nossa casa. É alugada, mais meus filhos são traumatizados e nervosos; tenho duas moças, uma de 22 outra de 23 e um menino de treze anos. Elas já estão fazendo Universidade”.


A FALA DE MEDÈIA




Este é meu terceiro relacionamento, o mais difícil de todos. Agora estou me separando novamente, estou com muita dor que atravessa o meu corpo inteiro; não sei o que acontece comigo aonde errei. Investi muito nessa relação, fiz de tudo para dar certo, mas não deu. Ele me bateu várias vezes, a última me deu um ponta pé, que pensei que ia perder os rins. Aí resolvi com muito sofrimento dar um basta nessa situação. Passei a dormir no quarto de minha filha.



Não tenho coragem de denunciá-lo, tenho muita vergonha de ir à Delegacia; eu sou muito conhecida por conta de minha posição social, não tenho mesmo coragem, ainda sou muito apaixonada por ele, vou tentando resolver minha vida por aqui mesmo.

Pedi para ele sair de casa, ele chora muito pede desculpas mas eu não acredito mais em suas promessas; ele fica um doce um anjo, até me ajuda nas minhas tarefas. Depois tem crise de ciúme e o terror





Na Cidade de Maceió, a história tem registrado altos e diversos níveis de violência contra mulheres: física, sexual, psicológica, moral, patrimonial e ou econômica. Esta violência pode ser entendida como um tipo de ação que provoca dano ou sofrimento físico, sexual, psicológico, econômico, podendo acontecer no ambiente privado e no público. A física. como seria de esperar - é definida como a que resulta em danos físicos. A mulher sofre violência psicológica quando é objeto de insultos, gritos, xingamentos e redundando em perturbações de ordem emocional. 

A violência sexual é aquela em que a mulher é obrigada a fazer sexo. Abuso sexual infantil é levar a criança a participar de atividades sexuais. O abuso incestuoso é definido como um tipo de violência sexual praticada por pais ou outro parente próximo. Geralmente a ocorrência é  mantida em sigilo, em virtude do grau de reprovação social, pois, normalmente, a vítima é quem sofre os mecanismos de culpabilização. Na maioria dos casos registrados na Delegacia das Mulheres, o ato acontece com quem a vítima mantém relações afetivas, como pai, tio, avô, primo... Já assédio sexual é definido como toda ação de conotação sexual, praticada mediante constrangimento, reduzindo a capacidade de resistência da vítima. Violência  econômica/patrimonial é conceituada como ação que tem por finalidade atingir a bens materiais, afetando a sobrevivência da família ou causando transtorno emocional Ela é caracterizada por destruição de bens pessoais, roubo, recusa de pagamento de pensão alimentícia, uso de recursos econômicos de mulher idosa...


A violência avilta a dignidade da mulher, coisificando-a. Ela é, portanto, uma modo  extremamente cruel de controle por parte do poder masculino, que se apodera da liberdade e da dignidade do ser da mulher, transformando-a em objeto. Socialmente, a coisificação feminina é considerada natural e é, assim, que se impede a construção da sua alteridade. Na violência presente no cotidiano da mulher, ela é humilhada, maltratada, desqualificada, desautorizada, o que pode ocorrer em todas as classes sociais, e tudo geralmente passa despercebido, por conta do silêncio e porque os atos sempre tendem a acontecer a portas fechadas.

As denunciantes que prestaram queixa na Delegacia Especializada da Mulher no período por nós estudado - década de 1990 - estavam em maioria na faixa de 18 a 29 anos (43%). É possível que haja maior nível de conscientização desta faixa de idade da mulher que vence as barreiras da vergonha e submissão. E o percentual de 33% - correspondente à faixa etária de 29 a 40 anos - corrobora a hipótese de que as mais jovens estão rompendo o silêncio. Algumas têm ido ao Conselho da Mulher onde são escutadas e encaminhadas aos órgãos competentes. No entanto, a violência vivenciada no interior dos lares da família maceioense ainda permanece escondida na esfera do privado, protegida pela couraça do tabu do silêncio.

Segundo nossos dados, 51% das mulheres que prestaram queixa são de prendas domésticas. Isso significa vida econômica dependente de maridos ou companheiros, situação que pode  gerar, além da dependência econômica, uma grande submissão e, daí, a retirada da queixa que às vezes acontece, o que não mais ocorrerá, por conta da Lei Maria da Penha. Observasse, ainda, que 20% das denunciantes têm a ocupação de estudante; 16% são empregadas domésticas; 16%, comerciárias; 4% funcionárias; 2% comerciantes e 2%% estão na categoria de outras. Fica evidente, que um bom número de mulheres é estudante, o que nos leva a supor que o grupo tem procurado a Delegacia, sobretudo por ter adquirido maiores  esclarecimentos no que tange aos seus direitos.

O depoimento da senhora Pandora . nome fictício para proteção da depoente - com 25 anos, casada, dona de casa com instrução de nível fundamental completo, revela o sofrimento de dor e humilhação. Verifica-se o quanto essa mulher chega a ser tomada por sentimentos de  ambivalência, pois de um lado sofre e sente raiva por ter sido agredida de forma física, moral e sexual, e, por  outro, sente medo de ficar só e nutre amor pelo marido. Na maioria significativa dos casos observados, o medo prevalece e a violência é aceita de forma passiva, contribuindo para sua perpetuação a partir da justificativa da responsabilidade na criação dos filhos e na manutenção da família. Por isso, pessoas como Pandora se suportam às atitudes perversas do companheiro.





As expressões de raiva, de amor e de ódio traduzem um sentimento de impotência da  depoente, ligado a um grande sofrimento, visto não conseguir desatar os nós emaranhados na rede de violência. Desmanchá-los, provocaria uma reformulação da vida conjugal ou ainda de sua própria singularidade. Com isso, fica demonstrada a vulnerabilidade das mulheres diante da violência legitimada por costumes, hábitos que perpetuam a posição secundária e de inferioridade na família, no trabalho e na sociedade em geral



Essas atitudes são postas no ideário da sociedade alagoana pela estrutura patriarcal do casamento, que atribui papéis femininos inferiorizados no contexto familiar. Este fato facilita a dependência feminina em relação aos homens. No caso Pandora, a fala de sua mãe justifica a violência. As categorias da tolerância e da aceitação passiva do ato abusivo são evidenciadas na fala da mãe ao afirmar: "Tenha paciência, depois ele muda, homem é assim mesmo". É exatamente esse discurso que permeia o imaginário feminino e social, e que conseqüentemente vai produzindo, na estrutura mental da mulher, aceitação do ato abusivo.

Assim sendo, percebe-se que a mulher deve viver (conforme a tradição patriarcal) a condição de objeto, propriedade do parceiro, devendo satisfazer suas necessidades sexuais mesmo quando estiver sem desejo. Em nenhum momento, a mãe de Pandora questionou o dano físico e psíquico causado pela atitude do marido agressivo para com a esposa e filhos que presenciam cenas e sofrem a violência. Possivelmente, as seqüelas psíquicas marcarão a história dessas crianças e continuarão presentes na vida adulta.




O caso Pandora mostra como a mulher é toldada em sua liberdade, permanecendo dependente e submissa ao marido, sem conseguir, por conta dos condicionamentos sócio-culturais internalizados superar a relação dolorosa, e dar direcionamento à vida. Ela pode chegar ao ponto de culpabilizar-se, perdendo, diante do sofrimento, a força para comandar sua existência. A vergonha, o medo de ficar sozinha, o impacto doloroso da separação impede maior reação, principalmente pela responsabilidade de enfrentar a vida sem ter condições  financeiras para arcar com alimentação, moradia e educação dos filhos, vestuário e saúde. É fundamental observar o maltrato vivido pelos filhos no interior da intimidade familiar, pois as crianças também são vítimas de espancamentos, xingamentos e ainda de outras formas de abuso, uma vez, inclusive, que são obrigadas a presenciarem os fatos, o que possivelmente traz profundo sofrimento.

É importante considerar, que a experiência da mulher violentada se define pelos fatores sociais e individuais da situação e da forma como foi produzida a violência. Por essa razão, tem de se levar em conta que a mulher não está preparada para o enfrentamento dos atos abusivos e, quando se fortalece e ousa fazê-lo, às vezes passa por crises de arrependimento e daí acontecia, também, a retirada da queixa na Delegacia. Muitas vezes ela adota uma atitude silenciosa, de isolamento e de conformação em nome da manutenção da família. Obviamente, é notório e observável que a mulher que sofre rotina sistemática de violência tende ao isolamento e o foco principal está na impotência e no desamparo. Por tudo isso ela permanece subjugada aos desejos do outro, que governa seu querer e dirige sua vida. Na realidade, a violência c contra a mulher é constatada em todas as classes sociais; estudos têm apontado que mulheres pertencentes ao segmento mais favorecido economicamente tendem a escamotear a existência dos conflitos.

Os dados apontam que 37% das que deram queixa, foram agredidas por esposos e 29% por companheiros; 6% por namorados, 5% por ex-esposo, 12% ex - namorado, 3%  desconhecido, 4% pai; 1% filhos; 4% outros parentes. Os resultados mostram que a maior parte da violência cometida ocorre com quem a mulher estabelece vínculos afetivos, e o maior número é praticado por maridos e companheiros, perfazendo somatório de 66% dos registros. Vale salientar que, nesse panorama, o lar, que por sua representação social deveria significar o lugar do amor, da segurança, da tranqüilidade, do estabelecimento de laços de relações humanas profundas, da harmonia para a mulher e para toda a família, contraditoriamente, passa a ser o lugar onde as relações são extremamente conflituosas e perigosas, postas sem o estabelecimento do respeito às diferenças e sem o diálogo que poderia trazer resoluções dos conflitos. Perceba-se, ainda, que 47% dos atos de violência referem-se à lesão corporal; 34% à ameaça; 1% a estupro; 15% são de atentados violentos ao pudor e outros são menos de 1%.

A literatura produzida sobre a questão da violência doméstica tem demonstrado que a ideologia patriarcal continua forte no ideário social. A mulher, na vida conjugal, ainda "deve" manter-se obediente, dar conta de suas obrigações do lar e ainda atender às demandas do marido com esmero e perfeição, mesmo a que trabalha fora, o que a faz assumir múltiplas jornadas na vida: mãe, companheira, amante, dona de casa e profissional. O que se torna evidente, segundo os dados descritos, é a crueldade praticada pelo homem sobre elas. Hera, estado civil separada, idade 45 anos, nível médio de instrução, profissão comerciante, com seis meses de separada na oportunidade de nossa pesquisa, revela a angústia e o sofrimento quando dá seu depoimento ao mostrar como vai aos poucos se engajando, tomando consciência de si, da sua situação e paulatinamente vai fenomenologizando sua angústia, sua solidão, sua dor, quando pensa seu vivido, e toma consciência de seu sofrimento.Com efeito, a consciência de si é exatamente a que Hera tem diante da sua forma de estar no mundo e, sobretudo de tomar posição em face de sua situação existencial, consciência que emergiu a partir da compreensão de seu sofrimento e de sua auto-determinação no desvelamento de sua condição feminina. Ela se pôs na instância de sua vivência e nesse sentido ela é, sobretudo, uma escolha pela liberdade.

Notadamente, verifica-se que Hera conseguiu transcender a relação de violência, romper com seu laço conjugal-formal, empoderando-se e começando a superar sua situação existencial, dando novo significado à vida. No entanto, muitas mulheres continuam presas nas teias da violência, pois é muito difícil desamarrar os nós tecidos nas malhas da rede da subordinação, construída historicamente e culturalmente pelo mundo androcêntrico.

A Medéia - estado civil separada, idade 48 anos, grau de instrução nível superior, pós-graduação – mostra o peso das decisões. A fala de Medéia revela que a violência atravessa as fronteiras de classe social e nível intelectual. Seu discurso está revestido de sentimento de vergonha e culpa. O que é compreensível, pois a cultura da culpa e da vergonha está inscrita para o vir-a-ser da condição feminina. A mulher em situação de violência tem apreendido, através da pedagogia social de negação de sua identidade, que a desagregação familiar é de sua inteira responsabilidade.

Daí a sua angústia diante de sua facticidade. A cultura da vergonha e da culpa e do medo vão sendo aprendidas mediante o processo de socialização das mulheres. Essas categorias se potencializam na forma acentuada da tolerância, do perdão, da passividade, da obrigação doméstica que as mulheres têm de cumprir e, sobretudo, da crença de que só pode ser alguém, ser reconhecida e feliz ao lado de um homem, sem poder imaginar-se bem caso esteja sozinha.
















































































































































































quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

[URBANISMO: MACEIÓ: MIRANTE: PAISAGEM] Cynthia Nunes da Rocha Fortes. As casas-mirante da Ladeira da Catedral: o olhar e a paisagem







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ESTE FOI O PRIMEIRO ARTIGO PUBLICADO EM ESPAÇO


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FORTES,  Cynthia Nunes da Rocha. 
As casas-mirante da Ladeira da Catedral: o olhar e a paisagem. O Jornal, Maceió, 14 set. 2008.
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Umas poucas palavras

Luiz Sávio de Almeida

 Iniciamos Espaço com texto de jovem pesquisadora dedicada ao entendimento do  processo de urbanização de Maceió e, atualmente,  cursando o Mestrado Dinâmicas do Espaço Habitado da Ufal. A abordagem é interessante  e  pelas modificações acontecidas em determinado processo de construção do espaço.  
Trabalho de pesquisadora em forma
ção aborda temática sui generis no conjunto 

de estudos elaborados sobre Maceió. 
Aliás, a preocupação atual de Cynthia é 
com a condição das ladeiras associada ao 
desenho urbano de Maceió, à montagem 
da área especifica do bairro do Farol. 
tema da Ladeira da Catedral foi abordado 
em seu trabalho de conclusão de curso, 
orientado pela Professora Dra. Josemary 
Ferrare que fez a gentileza de ler e opinar 
sobre este texto que publicamos e 
que, também, recebeu nossa orientação 
ao ser apresentado à disciplina que ministro 
no mestrado mencionado.

Há muito trabalho importante produzido pelos estudantes em Alagoas e a grande maioria dorme nas prateleiras.  Espaço tentará recuperar alguns, trazendo a público material interessante e de bom nível, capaz de demonstrar como vai se modificando o perfil do intelectual e do cientista em nossa terra. No campo da formação de sua inteligência, Alagoas sem dúvida tem se modificado e para melhor.  Espaço tenta manter uma linguagem entre o acadêmico e a divulgação, o que não é fácil. Iremos aprendendo, mas jamais os textos desta espécie ficarão livres de cacoetes acadêmico o que, necessariamente, não é mau, mas, sem dúvida, o leitor deve estar atento ao fato.





O que Cynthia faz


      Arquiteta e Urbanista pela Ufal, mestranda do Programa de Pós-Graduação Dinâmicas do Espaço Habitado - DEHA/Ufal. Participou em 2007 da equipe executora do Inventário do Patrimônio Arquitetônico na Sede Urbana de Porto de Pedras. Atualmente é integrante do Grupo de Pesquisa Representações do Lugar (Relu) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Ufal, desenvolvendo projetos de pesquisa para compor um banco de projetos para o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - Iphan 17ªSR (Alagoas). Foi finalista regional do 20º Concurso Nacional de Trabalhos Finais de Graduação em Arquitetura e Urbanismo Ópera Prima 2008, com o trabalho orientado pela prof.ª Josemary Ferrare e intitulado O Registro da Memória e o Exercício do Olhar na Ladeira da Catedral e suas "Casas-mirante", que serviu de base fundamental para este texto, apresentado à disciplina Formação do Espaço Alagoano, ministrada pelo Professor Luiz Sávio de Almeida e sob sua orientação.


As casas-mirante da Ladeira da Catedral: o olhar e a paisagem

Cynthia Nunes da Rocha Fortes










Paisagem, sujeito e coletividade

Todos os sentidos são fundamentais e cada um cumpre uma determinada função. Considerando o olhar, Cullen (1983) afirma que a localização do observador desempenha papel fundamental na apreensão da paisagem. A partir dessas observações podemos desvendar a singularidade das paisagens e, em nosso caso, a que se refere à Ladeira da Catedral. A sua posição topográfica de intermediação entre dois planos produz espaços privados (casas) e públicos (mirantes), capazes de possibilitarem captação panorâmica da paisagem litorânea. Fosse no século XIX, seria lugar privilegiado para  ver a que o  missionário Kidder, de passagem por Maceió,  considerou como mais bela do que a visão dos mares do sul.

É na simultaneidade de estar ali e de estar além que se pode desfrutar da paisagem. É essa contemplação que revela a forma típica de ela ser para o sujeito, que, ao apreendê-la sob o aspecto visual, culturalizando-a, estabelece relações de posse e reconhecimento. Em função desse processo de culturalização,  a paisagem deve, também, ser compreendida a partir das experiências individuais e coletivas dos seus observadores. Como diz Sandevile Júnior (2004, p. 2), “[...] o melhor modo de começar o estudo de uma paisagem [...] está [...] no reconhecimento que a traz para  o   universo da cultura e concebe seu sentido dependente de experiências partilhadas”.

A Ladeira proporciona visão de parte da orla de Maceió e refere-se à estreita relação que as cidades litorâneas e seus habitantes têm com o mar. Esta relação varia historicamente. É o que se deu com a área onde se consolidará a idéia urbana de uma ladeira a chamar-se da Catedral; e neste movimento histórico, o antigo Farol foi elemento fundamental pela função econômica e pelo fato de ter nucleado população, dando-lhe unidade. A Ladeira vai se tornar um traço urbano de ligação entre uma região consolidada e uma área de expansão, o Alto do Jacutinga, que será posteriormente conhecido como bairro do Farol. A condição de eixo urbano começa a estruturar-se  a partir dos inícios do século XX.






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 A Ladeira da Catedral

Todos os sentidos são fundamentais e cada um cumpre uma determinada função. Considerando o olhar, Cullen (1983) afirma que a localização do observador desempenha papel fundamental na apreensão da paisagem. A partir dessas observações podemos desvendar a singularidade das paisagens e, em nosso caso, a que se refere à Ladeira da Catedral. A sua posição topográfica de intermediação entre dois planos produz espaços privados (casas) e públicos (mirantes), capazes de possibilitarem captação panorâmica da paisagem litorânea. Fosse no século XIX, seria lugar privilegiado para  ver a que o  missionário Kidder, de passagem por Maceió,  considerou como mais bela do que a visão dos mares do sul.

É na simultaneidade de estar ali e de estar além que se pode desfrutar da paisagem. É essa contemplação que revela a forma típica de ela ser para o sujeito, que, ao apreendê-la sob o aspecto visual, culturalizando-a, estabelece relações de posse e reconhecimento. Em função desse processo de culturalização,  a paisagem deve, também, ser compreendida a partir das experiências individuais e coletivas dos seus observadores. Como diz Sandevile Júnior (2004, p. 2), “[...] o melhor modo de começar o estudo de uma paisagem [...] está [...] no reconhecimento que a traz para  o   universo da cultura e concebe seu sentido dependente de experiências partilhadas”.

A Ladeira proporciona visão de parte da orla de Maceió e refere-se à estreita relação que as cidades litorâneas e seus habitantes têm com o mar. Esta relação varia historicamente. É o que se deu com a área onde se consolidará a idéia urbana de uma ladeira a chamar-se da Catedral; e neste movimento histórico, o antigo Farol foi elemento fundamental pela função econômica e pelo fato de ter nucleado população, dando-lhe unidade. A Ladeira vai se tornar um traço urbano de ligação entre uma região consolidada e uma área de expansão, o Alto do Jacutinga, que será posteriormente conhecido como bairro do Farol. A condição de eixo urbano começa a estruturar-se  a partir dos inícios do século XX.

Sabe-se que terras no Planalto do Jacutinga pertenceram a Bento Ferreira Guimarães e à sua esposa, com parte doada ao Governo Imperial em 1834 para construção do farol e fortificações necessárias à defesa da vila, segundo Lima Júnior em seu livro O Planalto do Jacutinga,  Publicado em 1974. Possivelmente não ocorria densidade de habitações no planalto e, ainda de acordo com o autor mencionado, não constavam ruas em relação dos logradouros da cidade datada de 30 de abril de 1869.

Adentrando o século XX, o Jacutinga ainda não havia densamente sido povoado na década inicial do século XX. As primeiras ruas abertas no planalto do Jacutinga . seguindo Lima Júnior na mesma obra . parecem ter sido a do Arame (Ângelo Neto), a das Vacas (Comendador Palmeira), a do Seeger (Aristeu de Andrade) e a São Gonçalo (Oswaldo Sarmento); ele Considerava que a primeira Ladeira foi a do Farol, por dá acesso a essas ruas. A ocupação da Ladeira que configurou o seu atual perfil ocorreu basicamente durante o século XX. No anterior, esta ocupação resumia-se a casebres, às casas dos faroleiros e ao antigo paiol.



A continuidade do processo de ocupação da área da Ladeira da Catedral levou a que o lado esquerdo de quem sobe fosse marcado por lotes pequenos e estreitos, enquanto o oposto, por lotes de grande testada e profundidade.

Através da análise do perfil atual do espaço edificado na Ladeira observa-se que a tipologia das casas do lado oposto à encosta corresponde, em sua maioria, a um pavimento, enquanto as do lado da encosta, com vista para o mar, encontram-se .soltas. nos lotes. A construção alinhada com a rua, sobre os limites laterais do lote, coladas com as vizinhas e no fundo do terreno, a presença de quintais são características do século XVIII e início do século XIX.

Reconhecidamente,de acordo com Reis Filho (2004) esta forma de implantação vem da tradição portuguesa, baseada no urbanismo medieval-renascentista. Com efeito, alguns elementos arquitetônicos nas fachadas de casas no lado oposto à encosta, construídas ou reformadas no século XX, são tipicamente do Segundo Império, embora apresentem partido de meia-morada, compatível com suas fachadas de porta e janela, produto de características de implantação no lote típica do legado da colonização portuguesa. É o caso do que era chamado .Vila Gerbásio. e da casa que existiu no lugar do prédio da Associação dos Servidores da  Secretaria Executiva da Fazenda (ASSEFAZ), antiga residência com entrada lateral e alpendre, características das habitações do Segundo Império. Outras, apesar de manterem a forma de implantação, parecem ter tido suas fachadas reformadas para se atualizarem aos novos tempos, apresentando composições geométricas em um estilo limpo em adornos.

Dá-se o contrário com as edificações que se situam do lado da encosta, que são em geral limpas e/ou muradas, sendo notadamente modernas, o que é comprovado pela implantação a partir da década de 1950, após o desmoronamento da barreira. Este fato é exemplificado pela presença de uma das obras de arquitetura moderna do desenhista José Nobre, de grande atuação e renome na cidade durante as décadas de 1950 e 1960, de acordo com Silva (1991), Estamos mencionando a antiga residência de JoséLoyola, datada de 1959.




A CATÁSTROFE DE 1949: um marco temporal para a Ladeira


Grosso modo, poder-se-ia dizer que existe uma Ladeira da Catedral antes e uma depois de 1949, especialmente falando no que toca ao espaço edificado, pois no dia 19 de maio deste mesmo ano, chuvas torrenciais caíram em Alagoas, levando Maceió a viver uma das suas mais marcantes tragédias. Resultado dessa catástrofe foi a transferência do antigo farol para o bairro do Jacintinho, sendo inaugurado em 1951.

Em documento por nós obtido na Capitania dos Portos de Maceió consta que, após a transferência do Farol, em 1953, o Ministro da Marinha foi a Maceió encontrar o Governador do Estado para tratar das questões referentes ao terreno da Marinha onde esteve o farol que, diante da tromba d´agua, perdeu sua função. Após o encontro ficou decidido que o terreno da Marinha deveria ser aplanado para a segurança dos moradores e fins urbanísticos.



Os Mirantes e a Ladeira

Os mirantes são um dos tipos de espaço urbano onde se processa a culturalização da paisagem e se ganha o sentido público. Notadamente, o São Gonçalo e a Praça Rosalvo Ribeiro foram . durante a segunda metade do século XIX . lugares da união do sagrado e profano, palco da tradicional festa de São Gonçalo do Amarante. As modificações acontecidas  a economia, cultura e sociedade maceioense mudaram o sentido dos mirantes e dos usos, pesando para isso, inclusive, a acentuada violência urbana e a falta de manutenção por parte da administração da cidade. O Mirante de São Gonçalo é o mais visitado por turistas que mobilizam pequenos comerciantes informais a se instalarem na Praça Rosalvo Ribeiro. Já o Mirante da Praça Dom Ranulpho tornou-se ocioso. São poucos os que o utilizam durante o dia, ficando o local, durante a noite, à mercê da violência.

Contrariamente, conta Dilma Fortes, ex-moradora da Ladeira na década de 1960, que o  Mirante D. Ranulpho foi um espaço .vivo. onde as crianças costumavam ir brincar, os adultos apreciarem  a paisagem e casais, namorar. É semelhante ao relato de Salete Santos Campos de Lima, também ex-moradora, ao afirmar que a praça D. Ranulpho era utilizada pelos estudantes dos colégios do Farol para namorar: Era, porque os estudantes desciam pra ir ali namorar. Era! Iam namorar... E ainda quando não tinha muito ladrão, muito cheira cola, muito assaltante, os carros paravam, ficavam namorando. Era o motel das estrelas (risos). Paravam ali e o casal de namorados ficava no carro. Hoje quem for ficar, já viu!





Relações entre espaço e a captação da paisagem


Antes da existência do Mirante D. Ranulpho, por servir como espaço público, o antigo Farol foi também local de lazer, quando observar a paisagem fazia parte do cotidiano; e em seguida à sua demolição, o espaço do mirante que surgiu após a tromba d.água de 1949 funcionou da mesma forma que o antigo farol, não deixando de ser um espaço público de captação da  paisagem, mesmo que por poucos e de forma esporádica. Entretanto, faltava-lhe o ícone.

Como o lado da encosta da ladeira propriamente dita somente foi ocupado após 1955, ano da demolição da base do Farol, as casas do lado contrário tinham, em parte, vista para o mar, devido à grande barreira em que se encontrava implantado o antigo farol. A captação da paisagem se fazia a partir das janelas do segundo pavimento ou então a partir do primeiro, pois ele se encontra em nível superior ao da Ladeira na maior parte das edificações.

Este perfil da ladeira foi alterado com a implantação de novas residências no lado da encosta, quando a barreira foi planada. Ainda assim, as casas do lado oposto à encosta continuaram tendo vista para o mar. Entretanto, em um outro momento, como algumas casas do lado da encosta ganharam mais um pavimento, a captação da paisagem foi comprometida para os moradores das casas do lado oposto à encosta. As casas do lado da encosta têm a seu favor a forma de implantação “solta”no lote, como recurso de captação da paisagem, graças ao tamanho dos terrenos, de grande testada, que geram espaços externos favorecedores de uma apreciação da paisagem sem obstáculos visuais, somando-se a vantagem de localização na borda do tabuleiro. O grande número de janelas e a presença de varandas e terraços que compõem as fachadas que ficam no fundo dos lotes são outros indícios de que os projetos dessas edificações levaram em consideração a paisagem, que poderia ser potencialmente captada.

A geomorfologia característica do sítio permitiu que grande parte dos quintais das casas do lado oposto à encosta estivesse num patamar mais alto que a casa, constituindo-se assim pequenas  barreiras. Esta posição foi aproveitada por alguns moradores ou familiares para apreciar a vista do mar no passado, mas hoje o quintal é pouco utilizado, pois boa parte se transformou na área de serviço da casa ou, mesmo, eliminou-se a declividade para a construção de edículas.

Dessas análises conclui-se que a casa é também lugar privilegiado de culturalização da paisagem litorânea, tanto no lado da encosta quanto no contrário, sendo a captação da paisagem nela privatizada. Há, inclusive, uma lógica de aproveitamento e um andamento histórico em todo este processo. Diz um morador, quando perguntado se usava o  mirante:

Não, não. Veja aqui, que ao lado da minha casa. Isso aqui tem um mirante. Aí o mirante da casa tem uma vista melhor do que o dali da praça. Então pra quê! Então quando eu quero, eu boto uma mesinha, numa  noite de lua cheia, fico conversando com minha esposa. Às vezes se toma um vinho, se toma uma cerveja, come-se um churrasco.[...] Fica-se namorando olhando pra praia, pro mar.