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ALMEIDA, Luiz Sávio de. Os grandes amigos também morrem. Tribuna Independente, Maceió, 22 jan. 2012, Contexto.
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Um
pequeno bilhete sobre saudade e Padre Cícero
Hoje Contexto está de luto pelo falecimento de Anilda Leão e é por isto
que está cheio de saudade. Nós que o fazemos, gostaríamos que a edição desta
semana fosse tomada como homenagem a ela e ao Carlos Moliterno, seu esposo.
O outro texto é uma pequena anotação que dormia em arquivo, realizada em
agosto de 2010, numa das andanças pelo sertão com Márcio Pinto, que, aliás, é
autor da maioria das fotos que tiramos naquele lugar conhecido como a Pedra do Padre Cícero. O depoimento do
Cícero é também importante para discutir o que vem acontecendo com os
famosos pés de serra sertanejos. Será
que ele ainda diria a mesma coisa?
Contexto espera que a memória de Anilda seja sempre reverenciada. E que a
anotação sobre a Pedra do Padre Cícero seja de bom proveito.
Sávio de Almeida
Observação: A matéria está no blog como Crônica da Semana. A nova publicação é para manter a apresentação de tudo o que sai em Contexto.
Os grandes amigos também morrem
Luiz Sávio de Almeida
Acabo de chegar do cemitério. Ontem mesmo, eu soube do
falecimento. Estava almoçando na estrada e a participação fúnebre foi realizada
pelo Homero Cavalcanti e Ronaldo de Andrade em um posto de gasolina na área de
Messias, antigamente chamada de Curralinho, coisa que o povo detestava. Os dois
foram comprar picolé e me encontraram. Pesou! Mas continuei rindo, na companhia
de duas amigas, com as quais fui visitar um assentamento.
Cheguei sorumbático em casa. Afinal de contas, Anilda Leão
era uma referência de carinho em minha vida e eu acredito piamente que ela
morreu. São 88 anos que se passaram naquele sorriso bonito.
Deles, fomos ligados pelo menos uns 40, até mesmo pela amizade que
eu tinha com o Carlos Moliterno, seu esposo, e que foi inaugurada pelo
Theo Brandão em sua casa, ao tempo uma construção solitária em um pedaço de
praia que o próprio Theo batizou de Jatiúca, palavra indígena que significa
carrapato.
Fomos confidentes: Anilda e eu. Pouca gente sabia da profunda intimidade que tínhamos;
talvez seus filhos e alguns poucos amigos. Sabíamos particularidades, dessas
que a gente diz: Nunca contei
a alguém. Conversávamos pouco e raramente, mas quando a gente se via, abria-se
a torneira do tempo.
Não vou falar de sua presença no movimento feminista, nem sobre
seus dotes literários, sua importância na vida de Alagoas. Quero somente falar
do tradicional cumprimento dito – pé de ouvido – para ninguém ouvir. Eu a
abraçava com força e soltava: “Diga, sua doida!”. A resposta era
infalível: “Diga, seu maluco!”. E precisava mais do que isso para celebrar um
amor de amigo, cantigas de persistência medieval nas duas cucas
alagoanas? Depois, quando havia espaço, a gente se afastava: “Você tá bem,
amor?”. Era um sim ou era um não; se era um não, vinha uma carícia na
cabeça; se era um sim, o sorriso se abria em duas bandas de abacate sem caroço.
Eu nunca esqueci Anilda, tenho uma foto dela em meu escritório.
Foi o Isaac, aquele que tirou a foto, bateu a chapa como se dizia. Assim que
recebi o instantâneo, fui comprar um porta-retrato, dos baratinhos, para não
estourar o cheque especial pois professor não pode comprar qualquer porta cara,
especialmente quando porta um retrato.
Não fui vê-la no caixão. Fiquei de longe. Sentei numa
cadeira, dentre muitas cansadas de bundas que veloriorizaram
naquelas capelas. Egoisticamente, pensei na minha própria morte e no quanto
deve ser chato a gente ser enterrado. No meio do assuntamento, procurei
pela música que eu gostaria de cantar, um defunto alegre e ao mesmo tempo
resistente. Lembrei de um frevo que eu costumava sair pulando no carnaval, com uma garrafa de cachaça pendurada na
cintura e uma chupeta furada no gargalo. Veio à cena, o velho bloco Barril de
Óleo em Palmares, Pernambuco. O frevo dizia assim – e te juro sua doida,
que cantei para você ao ver passar aquela caixa de madeira onde lhe
guardaram –:
Eu não vou, vão me levando
Vão me empurrando
E desse jeito, eu tenho que ir,
Vocês vão me desculpando
Mas eu não vou,
Vão me levando!
Eu quero ser enterrado na folia. A Zana Vilela tem todas as
instruções; ela sabe tintim por tintim como quero meu enterro; passei uma tarde
de cerveja dizendo a ela e ela rindo do protomoribundo. Mas, não havia razões
para estar de gargalhada, não havia mesmo! Espero que mesmo rindo, ela tenha
tomado nota. Faltou assentar uma coisa no papel. Assim que eu desencarnar
(expressão que você gosta, Anildinha) ou desossar como prefiro, quero ser
recebido por você devidamente pastorizada mas de azul. Azul é o céu, azul é o
mar, azul é a Anilda que nós vamos coroar. E por falar a verdade, nem sei se
você é do encarnado. É melhor ir de Diana mesmo!
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