domingo, 11 de dezembro de 2011

[HISTÓRIA E FUTEBOL] PERDIGÃO, Lautheney. Cláudio Pacheco: um depoimento para a história




Esta matéria foi publicada no tablóide Contexto, jornal Tribuna Independente, Maceió, 11/12/2011


Um pequeno bilhete sobre futebol


Passado o mês de novembro, Lau e seu Museu voltam às páginas deste suplemento,  que  tem a finalidade de construir um  painel de visões sobre a sociedade alagoana.  Contexto precisa e muito do  Lau,  jornalista a quem admira de longa data  – bote tempo nisso, né Setton? –,  mesmo ele sendo  azulino de corpo e alma. Felizmente,  neste número, ele lembrou que CRB existe,  e assim Contexto se encontra em seu estado puro, devidamente dezazulizado.   

Ainda hoje, eu não sei, objetivamente, a razão de justificar-me como  CRB. Acho que tudo decorreu de uma graça conduzida pelo destino, tão angélica e sagrada quanto é ser tocado pela chama mágica  do rubro-negro, aquilo que identifica o meu amado e decantado  Clube de Regatas Flamengo, a aurora mundial do futebol, o por do sol da glória a renovar-se  pudica e simples, a noite inspirada do esporte, o dia da justiça final dos adversários vítimas dos mais fortes e inteligentes  pelotaços.

Amigo Lautheney, é pena, contudo, que a beleza das rivalidades tenha se tornado em coisa  feia,  pela violência do que ainda é, talvez erroneamente, chamado de torcida. Meu bom Lautheney, quando isso vai parar?   Amigo, pode escrever sobre o CSA novamente, quantas vezes desejar; aqui é livre, como deve ser livre a amizade.  Vamos nos encontrar e misturar as cores das bandeiras numa comemoração pela paz, cerimônia que bem poderia ser puxada pela Federação Alagoana de Futebol e, quem sabe, o exemplo partir de uma solenidade pública comandada pelas diretorias de nossos clubes. Seria um belo exemplo para nosso futebol.

Um abraço amigo para todos os legítimos torcedores azulinos. Eu prefiro um torcedor azulino decente, a um baderneiro que se possa dizer  CRB. Será que a Federação Alagoana promoveria o Dia da Paz?  Não importa se já fez algo neste sentido; o fundamental é água mole bata tanto em pedra dura até que fure.

Contexto pede humildemente, que a Federação Alagoana de Futebol pense no assunto.  Nossa! Seria uma belíssima cerimônia pela paz, contra qualquer indicação de violência. Lautheney, você que conhece mais de perto os homens, fala com eles.

Sávio de Almeida


Uma homenagem ao CRB


Professor Jaymeihgal.al.org.br
Contexto deseja homenagear a grande torcida regatiana.  E volta ao passado, buscando uma música composta por Tavares de Figueiredo, com letra do saudoso Professor Jayme d’Altavilla. É um  tango carnavalesco intitulado  Os Batutas do Cerrêbê.  Faz muito tempo que a música surgiu  e a sinalizo por volta dos anos vinte do século passado. Ninguém esqueça o que escreveu o Professor Jayme: o turuna é o cerrêbê! Fui procurar no pai dos burros, o que significa turuna:  valente, destemido, segundo o Houaiss.


 Não discuta, seu gabola, 
Que o turuna é o cerrêbê.
Depois do jogo da bola,
Meu nêgo, cadê você?  
                      
Melindrosa torcedora,
Tu me amarras,  perdição.
Fizestes um goal, vencedora,
Shootando em meu coração

Estribilho
Ai! Que bom” Ai!
O cateretê!
Ai! Que bom” Ai!
Dançar com você


 Me deixa seu pé de anjo,
Que no treno eu tiro a linha.
Eu com você não me arranjo,
Seu cara de almofadinha.

Futebol é coisa boa.
É mais doce que bangüê.
As moças das Alagoas
Torcem pelo cerrêbê.





Cláudio Pacheco: um depoimento para a 

história

Lautheney Perdigão




Lauttheney Perdigão
A Enciclopédia do Futebol Alagoano
http://cadaminuto.com.br



A estrada da vida


           Cláudio Moreira Pacheco é filho de Lafaiete Pacheco, o principal fundador do Clube de Regatas Brasil.  Nasceu em Maceió, no dia 19 de setembro de 1931. E como não poderia deixar de ser, Claudinho começou jogando no clube da Pajuçara. Com a camisa do CRB, ele começou a mostrar suas qualidades de um futuro craque. Não demorou muito e logo chegou ao time titular se consagrando bi campeão alagoano nos anos de 1950/1951. Era um jogador inteligente dentro e fora do campo. Seus movimentos eram rápidos e objetivos. Com o passar dos anos, seu futebol foi amadurecendo, ganhando mais cadência, habilidade e técnica refinada.

Em 1952, foi contratado pelo Esporte Clube Bahia e formou o chamado “esquadrão de aço” dos tricolores da Boa Terra. Foi campeão, destaque do time e convocado para a Seleção Baiana. Ainda defendeu o Sport Recife, Ferroviário do Ceará, Botafogo da Paraíba e encerrou sua carreira no Capelense em 1962, onde ajudou o clube do Dr. Horácio Gomes a ser Campeão Alagoano naquele ano. Quando ainda estava atuando pelo CRB, Claudinho jogou voleibol pelo Flamengo de Maceió.

           Depois de viver fortes emoções no esporte, deixou os gramados e continuou o mesmo moço simples e amigos de seus amigos. Hoje, aos 80 anos, vive na lembrança de todos aqueles que o viram jogar um futebol cadenciado e no melhor estilo. Seu depoimento está bem vivo nos arquivos do Museu dos Esportes.


Cláudio Pacheco
Museu dos Esportes

Os filhos de Lafayete Pacheco

          Três filhos de Lafaiete Pacheco jogaram futebol. Nos anos trinta, o zagueiro Bacurau participou do tetra campeonato conquistado pelo CRB. Nos anos cinqüenta, foi a vez de Claudinho que também foi campeão pelo clube da Pajuçara. Vetinho também foi campeão, mas pelo Ferroviário em 1954. Claudinho tinha orgulho do seu pai. Afinal, Lafaiete Pacheco foi o grande incentivador para a fundação do CRB, clube que ele defendeu com um amor acima do normal. O interessante é que mesmo quando Claudinho defendia o clube da Pajuçara, ninguém sabia desse detalhe. Somente depois um depoimento de Lafaiete ao Arquivos Implacáveis do Jornal Gazeta de Alagoas é que a história começou a ter um melhor colorido nas páginas dos nossos jornais e a torcida ficou sabendo a verda deira história do Clube de Regatas Brasil.

           Claudinho começou jogando nas peladas de ruas. Muitas vezes deixava de ir à aula para jogar futebol. Na Praça da Cadeia, havia jogos memoráveis entre o Águia Negra do Colégio Diocesano e o Monte Castelo que era o time local. Como morava no Poço, Claudinho jogava pelo Treze de Maio. Em 1948, já estava disputando o campeonato alagoano pelo juvenil do CRB. No ano seguinte, integrava o time principal dos alvirrubros. O bi campeonato foi conquistado por um time maravilhoso. Claudinho lembra com saudade: Bandeira. Cacau. Miguel Rosas. Walfrido Vieira. Cacará. Divaldo. Macedo. Laxinha. Dario. Carlos Santa Rita e ele mesmo, Claudinho. Os treinamentos eram realizados às seis horas da manhã, porque a grande maioria dos atletas trabalhava. A diretoria comparecia e Zequito Porto era o técnico que, ao logo dos anos, transformou-se no maior nome da história do clube. O Zé de Barros tomava conta do Estádio e era muito querido por todos os atletas. Depois do treino, lá estava Zé de Barros com o seu munguzá e pão com manteiga para os jogadores. Esses jogadores tinham amor pelo clube e a amizade dos dirigentes.


Seleção Alagoana de 1952
Museu dos Esportes

A devoção ao esporte

           Claudinho jogava de graça e ainda era sócio do clube. Isso lhe garantia certo privilégio, dando condições de entrar nas festas do CRB que eram realizadas nos salões do Clube Fênix Alagoano. Além da alegria em defender o clube do coração, ele tinha o reconhecimento de ser convocado para a Seleção Alagoana várias vezes. Ele viveu uma época em que os torcedores presenteavam seus ídolos com chapéus, guarda-chuvas, sapatos, camisas etc. Um tempo que, mesmo no dia de clássico, Claudinho e Dida, no domingo pela manhã, iam bater bola no campo da Faculdade até onze horas. Depois iam a pé até a praia do Sobral, tomavam banho e iam para casa. À tarde, no Mutange ou na Pajuçara, lá estavam Dida com a camisa do CSA e Claudinho com a do CRB. Também acontec ia que jogadores participavam da preliminar atuando pelo aspirante e, quando faltava um  titular, o atleta era escalado do time principal.

           Foi defendendo a Seleção Alagoana em 1952, que Jorge Gazar o enviou para o Esporte Clube Bahia. Claudinho foi, fez teste e ficou. O CRB recebeu apenas uma taxa de transferência, já que o atleta era amador. O primeiro contrato com o Bahia valeu para Claudinho doze contos de réis de luvas e um conto e quinhentos por mês mais o pagamento da pensão onde o atleta passou a residir em Salvador. Os dirigentes prometeram muita coisa e cumpriram tudo. Sua passagem pelo Bahia foi uma das coisas boas de sua vida. Fez amizades, ganhou títulos, foi ídolo e participou de um dos maiores times da história do clube que tinha uma excelente diretoria e uma fanática torcida.

A fase do supercampeonato baiano foi uma loucura. Claudinho levou o amigo Bandeira para o Bahia. O goleiro se transformou em uma barreira no gol do clube tricolor. Na decisão com o Vitória, foi o melhor jogador em campo e garantiu o título defendendo até pênalti. Claudinho e Bandeira foram convocados para a Seleção Baiana.  Eles eram como irmãos. Quando Bandeira foi entrar por um portão que não devia, um diretor não teve bons modos e puxou o goleiro de maneira grosseira. Houve uma discussão e Claudinho comprou a briga. Depois o Bahia não quis renovar o contrato com Bandeira e o companheiro resolveu reincidir o seu e retornar a Maceió.

            Voltando a Alagoas, Claudinho foi passar alguns dias em Recife na casa de uma tia. Dida queria levá-lo para o Flamengo. Estava tudo certo. Dida telegrafou para o amigo viajar e treinar na Gávea. Lafaiete Pacheco, ao invés de mandar o telegrama para a casa de sua irmã, enviou para o Sport Recife onde Claudinho estava, treinava e tentava acertar um contrato. Um diretor do Sport ficou com o telegrama. Somente depois de assinar com o clube pernambucano é que o craque alagoano soube da existência do telegrama de Dida. Ele nunca perdoou o diretor Galvão. O contrato com o Sport valeu para Claudinho trinta contos de luvas e quatro mil por mês e mais o pagamento do hotel onde passou a mora com outros alagoanos: Hélio Miranda, Carijó e Itamar Dengoso. Ele ficou três anos em Recife. Depois, foi para o Ferroviário do Ceará e para o Campinense.

Jogo contra o Velez em 1951
Museu dos Esportes

Um retorno a Maceió

           Já casado, resolveu retornar a sua terra. Estava com trinta e um anos de idade, tinha uma propriedade na cidade de Capela para tomar contar e ficar perto da sua família. Nessas alturas, o Capelense entrou na sua vida. Assinou contrato com Dr. Horário e ficou como técnico e jogador. A diretoria não interferia no seu departamento de futebol. Os jogadores eram amigos e ajudavam ao técnico. Logo depois da sua contratação, Dr. Horário chamou Claudinho e lhe entregou um pacote cheio de dinheiro para ele ir a Recife comprar todo material novo para o clube. O Presidente guardava o dinheiro em casa e deu liberdade para o treinador contratar os melhores jogadores do interior. Apenas Aguiar que tinha jogado no CRB  e Zé de Gemi que defendeu a seleção sergipana não eram do interior. A grande maioria era das Usinas de Alagoas e Pernambuco.

       A estreia de Claudinho no Capelense foi contra o CRB e uma decepção: CRB 6x1. Uma goleada. Ninguém reclamou de ninguém. Os treinos continuavam, o time foi se arrumando e, no final do campeonato, o Capelense foi campeão de 1962 vencendo a decisão contra os Estivadores. O trabalho foi tão bom que Claudinho foi convidado para ser o técnico da Seleção Alagoana que disputaria o Campeonato Brasileiro daquele mesmo ano. A Seleção era a base do Capelense. Conseguimos passar por Sergipe e, depois de empatar em Maceió, perdemos para os cearenses em Fortaleza. Para esse jogo, houve muitos problemas. A viagem para o Ceará atrasou. Em Recife, o avião somente saiu para Fortaleza no mesmo dia do jogo. A delegação alagoana chegou a tarde para jogar a noite. Os dirigentes da Federação Alagoana não tentaram adiar o jogo e nos sos atletas estavam sem condições ideais para enfrentar a Seleção Cearense.

           Claudinho foi convocado para a Seleção pela primeira vez em 1952, quando os alagoanos disputaram um Campeonato Brasileiro amador. Depois, ele foi convocado para a Seleção principal. Contra os sergipanos, aconteceu um jogo memorável. O jogo dos 163 minutos. Alagoas havia perdido em Aracaju. Precisava vencer no Mutange o jogo e a prorrogação. Claudinho lembra com certa emoção. Alagoas venceu o jogo por 2x1. Veio a primeira prorrogação e 0x0. Veio a segunda e novamente 0x0. Somente aos treze minutos da terceira prorrogação é que Laxinha assinalou o gol que garantiu vitória de Alagoas. Os jogadores estavam cansados, mesmo assim, festejaram no gramado uma das maiores vitórias do Futebol Alagoano. Um triunfo da garra e da vontade de vencer. E nada teria sid o possível se não fosse a ajuda da torcida. Depois perdemos para Pernambuco.


Esporte Clube Bahia 1952
Museu dos Esportes

As fortes emoções

           Todos nós sentimos fortes emoções ao longo de nossas vidas. No bi campeonato alagoano de 1951, o CRB conquistou o título vencendo o CSA na decisão. O futebol começava a lhe oferecer as primeiras emoções. Nesse mesmo ano, o CSA enfrentou o Vélez Sasfield da Argentina no Mutange e convidou alguns jogadores do CRB e, entre eles, estava Claudinho, que vestiu a camisa do clube azulino pela primeira vez. O jogo foi na véspera do Natal e o empate de 1x1 lhe rendeu uma gratificação de cinco mil réis. Claudinho lembra o jogo da Seleção Baiana contra o Botafogo do Rio.

          Foi uma das suas grandes atuações. Jogando de ponta direita, deu um show no grande Nilton Santos e ainda fez o gol da vitória baiana. Entre suas decepções, que foram poucas, ele cita quando t entou ser treinador do seu querido CRB. Em 1966, deixou Capela e voltou para Maceió. Tinha feito um grande trabalho no Capelense e poderia repetir no clube da Pajuçara. Logo que começou, sentiu que as coisas não eram como no seu tempo de jogador. Havia muitas dificuldades. O clube foi campeão em 1964 e aquela equipe estava se desfazendo.

        Os jogadores que ficaram, não tinham muito interesse em jogar. Certa vez, Aguiar, Paulo Nylon e Canhoto procuraram Claudinho e disseram que não podiam jogar. Cada um tinha um problema: dor de cabeça, contusão no pé e desenteria. Foram substituídos por Ademir, Beba e Silva que logo se tornaram titulares e grandes figuras do nosso futebol. O clube não tinha dinheiro para contratar e seu trabalho tinha de ser com os juvenis. Os dirigentes queriam aparecer, reclamavam contra os juvenis e não lhes davam apoio. Quando o time está mal, eles desaparecem. Então, Cláudio resolveu parar com o futebol e cuidar da sua vida fora dos gramados.

           Para Claudinho, o maior jogador que viu atuar foi o zagueiro Miguel Rosas. Era um espetáculo. Não dava pancada. Era inteligente e tirava a bola do adversário sem ele sentir. Claudinho se sentiu privilegiado em jogar ao seu lado. O melhor time foi o Esporte Clube Bahia de 1952. Um time que jogava por música. Cada um sabia o que fazer dentro de campo. O treinador era Gentil Cardoso que tinha tudo ensaiado. Ele sabia de tudo e dizia aos jogadores que não era da Seleção Brasileira porque era preto e não tinha olhos azuis. Jogando em Maceió, Claudinho nunca se concentrou.  Já no Bahia e no Sport, havia concentração. Com Gentil Cardoso, o pessoal somente ia para casa na segunda-feira. Concentração longa não é uma boa.


Dida, Cao, Larinha, Claudinho, Milton
Museu dos Esportes


Passos de vida

         A partir da sexta-feira a noite até q ue é bom. Ele acredita que o treinador tem muita influência no rendimento de uma equipe. Gentil Cardoso era realmente maravilhoso. Muitos jogos eram ganhos no intervalo quando ele conversava com seus atletas, consertando os erros e mostrando sua visão e como aproveitar as falhas do adversário. Com relação à arbitragem, ele destaca Waldomiro Breda, Cláudio Regis e Agustim Farrapeira. Em dezesseis anos de carreira como jogador de futebol foi expulso apenas duas vezes.

           No seu tempo de jogador no CRB, os dirigentes tinham os atletas como filhos. Chegavam a ir a suas casas para visitar seus familiares. Havia bastante afinidade entre dirigente e jogador. Hoje está tudo diferente. Tudo é profissional. Futebol virou comércio. Quando o time ganha, querem aparecer no rádio e na televisão. Quando o time perde, eles têm sempre um culpado: o técnico. No submundo do futebol, escondem-se muitos interesses e nisso, tudo pode acontecer. Sobre a rivalidade entre CSA e CRB, sempre existiu, mas somente dentro do campo. Fora dos gramados, todos eram amigos.

          Muitos estudavam no mesmo Colégio. Quando o CSA ganhava, Claudinho não aparecia na Praça Deodoro, porque a turma era azulina e caia em cima dele. Quando o CRB ganhava, a gozação era d ele e do Bandeira em cima da turma do CSA. Era uma época de diversos craques e pouco dinheiro. Diferente dos dias de hoje, muito dinheiro e poucos craques. Os jogos eram realizados no Mutange e na Pajuçara. No campo do CSA quando chovia, o gramado virava lama. Quando fazia sol, a grama ficava dura. No campo do CRB, nos intervalos dos jogos, os jogadores tinham que tirar as chuteiras e jogar a areia fora. Apesar disso, era gostoso jogar naquele tempo. Na imprensa, havia Luiz Alves, Aldo Ivo, Osvaldo Braga e outros que sabiam criticar. Faziam críticas construtivas. Existia uma crônica completa de todo o jogo. Hoje mudou. Existe mais espaço no jornal, no rádio e na televisão. Infelizmente, esses espaços são ocupados mais com o noticiário do futebol do Rio e de São Paulo.

           E Claudinho contou um detalhe de sua vida esportiva que poucos sabem. Ele participou ativamente do esporte amador, atuando pelo Flamengo de Maceió como jogador de vôlei e basquete. Com ele, jogavam outros craques do futebol: Carijó, goleiro do CSA; Dudu, goleiro do CSA; Arroxelas, do CRB; Geraldo, do América; Vetinho, do Ferroviário. As partidas eram disputadas na quadra de cimento da Polícia Militar. Para ele, o negócio era jogar. No gramado, na quadra, na praia ou em qualquer lugar. Tendo uma bola e um pedaço de chão, já era suficiente. Voltando ao futebol de campo, Claudinho sente saudade de jogadores com Bandeira, Miguel Rosas, Cacau, Divaldo, Castelar, Nezinho, Cão, Dida, Laxinha, Dario, Santa Rita e Miltom Mongôlo. Nunca ouviu falar em suborno no se u tempo de jogador. Talvez, porque a divulgação não tinha a mesma dimensão dos dias atuais.

           Claudinho afirma que valeu a pena ser jogador de futebol. Se pudesse, começava tudo de novo. Foram dezesseis anos de muitas emoções e poucas decepções. Fez diversas amizades douradoras e soube ser um profissional responsável. Ganhou algum dinheiro, gastou outro tanto, contudo ficou com alguma coisa. Aposentou-se como funcionário do Estado e, apesar de seus oitenta anos de idade, vive a vida que Deus reservou para ele.


Claudinho, Hélio Miranda, Dengoso, Carijó
Museu dos Esportes







[HISTÓRIA E MEMÓRIA] Totonho, carro de boi e mudanças no sertões


Este material foi publicado no tablóide Contexto, jornal Tribuna Independente, Maceió, 28/08/2011


Um bilhete sobre o homem do Olho 

d’Água do Amaro


Foi com satisfação que conheci seu Totonho, na cata diuturna que faço da gente do povo. É uma atividade que me traz o aconchego da vida. Ao conversar com ele, vieram  lembranças do  meu pai e capelense Manoel de Almeida, do Tio Júlio que vivia nas  bandas da Palmeira dos Índios e do meu sogro Propício Rocha Cavalcante  – dos lados da Boca da Mata –, todos os três com muitas histórias sobre carro de boi e por sinal, todos na paz de Deus. O depoimento de Totonho é fundamental para entender-se a mudança e a conformação do espaço no sertão. 

Totonho no tempo do Exército e da guerra.


As recordações de Totonho lançam luzes  sobre a mudança social no sertão. A sua fala é para ser lida em detalhe, com a cabeça compondo um espetáculo sobre a vida sertaneja.




Carro do boi no Olho d'Água do Amaro





Totonho, carro de boi e os sertões 

Luiz Sávio de Almeida


O começo de uma viagem



1 - A velha Chã Preta
Divulgação
           


    
     

     Não é preciso dizer que o sertão  molhado rivaliza com a ideia de terra da promissão. Sou mais acostumado com mata, mas o verde dos canaviais  às vezes torna monótono o nosso encontro com a paisagem, embora a solidão da cor nunca aconteça quando venta e tudo fica de um lado para o outro, ressaltado pelo brilho das canas flechadas. O sertão quando chove, perde o amarronzado e ganha em verde e,  de uma hora para outra, o que era áspero fica macio e doce. Alegoricamente, o verde sempre rebrota no sertão, ilustrando a tarefa da esperança.  Os meus olhos não largam o horizonte quando estou sertanejo. E era assim que eu estava na estrada; os olhos na procura das serras como o Serrote dos Almeida, ponto que, em altura, rivaliza com a Serra do Cavaleiro na transição entre Chã Preta e Correntes.

2 - Lula
Divulgação
Eu não ando pelo sertão, sem que Luiz Gonzaga esteja comigo. Toda vez que sinto a verdessência do sertão, entro na poética da esperança que está na letra de A Volta da Asa Branca. Há um povo que espera a chuva, para ele mesmo, para  o gado e as plantas fartarem-se de água. Nessas horas, sinto falta do Ivan Fernandes Lima; poderia estar conosco na viagem e fizemos muitas juntos.  Ele sabia o nome de todas as árvores e de todas as serras. Viajar com o Ivan era aprender muito sobre a geografia de Alagoas. Márcio Pinto, 2-com quem sempre  viajo para aqueles mundos, sabe de muita coisa, mas não é farto em nomes de serras; tenho aulas com ele sobre a vida e sobre a economia e a política  do sertão. O pai dele sim conhecia aqueles mundos todos.

3 - O centro de Santana do Ipanema
http://www.adalagoas.com.br/licoesBibli


Márcio tem sido companheiro de viagens pelo sertão, e estamos indo para Santana em busca de um antigo carreiro e de uma antiga parteira.  O asfalto parece um fitilho espichado, com começo e sem fim, com a faixa amarela funcionando como se fosse pesponto. Parei neste momento, numa churrascaria, onde estou fazendo estas anotações e ordenando as informações sobre a viagem.
4 - Santana: começos dos XX do XX
Blog do Sérgio Campos

Agora já estou em Santana.  Impossível chegar à parteira; as chuvas atrapalharam o caminho, mas é hora de irmos ao Olho d’Água do Amaro, conhecer o velho carreiro. A paisagem não é estranha e estamos em uma chã, cerca de umas duas léguas de Santana. Como seria o povoado? No caminho, um carreiro vinha com fardos, sinal de que o carro de boi não perdeu seu lugar pelo sertão. Faltava o cachorro, o mais das vezes o melhor companheiro dos carreiros. O carro mudou o que vou chamar de carreto de longo curso, para ter o uso doméstico mormente nas pequenas propriedades, e continua na ativa, aqui e ali na raridade de rodas substituídas por pneus, espécies de carroças puxadas por boi, que vez em quando mas raramente,  alguma pinta.

As interferências do tempo 

Tudo isto, estava sendo modificado no correr do tempo das estradas. Hoje, um carro de boi dificilmente seria feito à mão e as madeiras nobres não estão mais sendo utilizadas, protegidas que são. Ninguém mais vive, propriamente, de fazer carro de boi, pois tudo se deve atualmente  às pequenas marcenarias que, dentre outros misteres talvez bem mais lucrativos, fabricam o carro ou se destinam a concertá-lo. Cadê madeira de bom trato para o carro? Com toda a razão, as madeiras nobres são protegidas. Tomazela (1978) fala sobre a questão da madeira nobre quanto à região de Sorocaba. Sumiu também; não é um fato apenas do sertão das Alagoas.

Certa feita fomos, Márcio Pinto e eu, à procura de um homem indicado como dos poucos, atualmente, a fazer carro de boi à mão. Pegamos a estrada em direção ao Povoado de Santo Antônio, quebramos à esquerda e andamos a légua de beiço. Ele nos recebeu com a família, mas estava variando, no começo de caduquice, embora moço, regulando pelos 70. Fazia tempo que havia deixado de trabalhar.  O carro de boi estava parado, na serventia apenas da casa: não mais fabricava. E pegamos a estrada e fomos em direção à Canafístula dos Moreira, quando chegamos perto da Palmeira, naquela meia volta que demos entre o passado e o presente. Desisti de carro de boi. Fiquei desconfiado de que era chegar e não existir, como se os carros que eu visse pelas fazendas estivessem sendo reproduzidos do nada: voltei murcho para casa, apesar de ter desfrutado da força do agreste no rumo da Canafístula dos Moreira.




6 - Um tempo que ainda alcancei
http://www.formaecor.com.br















No entanto, engana-se quem pense que o carro de boi sumiu e tornou-se uma raridade. Ele mudou. Como disse, o longo curso havia acabado, mormente quando as grandes estradas rasparam o mundo e findando,  inclusive, naquela região, com o papel do bento Rio São Francisco e, com ele, tragando o velho porto de Pão de Açúcar, aonde outrora chegou a existir copioso número de escravos de ganho, sinal da sua expressão como ligação entre o sertão e o mar. Era o carro de boi articulado à canoa de tolda. Ela realmente sumiu e o rio não a vê;  dominava a paisagem com suas velas e seu porões fartos, uma espécie de FNM das águas do São Francisco. 

Aquele acocho de leito de rio  no começo do Baixo São Francisco levava ao alto sertão, à pedaços de agreste, talvez menos no empedrado em direção à Piranhas, leito ainda hoje tido como perigoso, tanto que pouco mestre lá de baixo, tem coragem de se aventurar para cima.

Acho mesmo que a canoa de tolda não se intimidou com o vapor que passou a andar no São Francisco, e que vou representar pelo Comendador Peixoto que se acha deitado no porto do Penedo, com seu lastro cheio de areia e voltado para o lado da Passagem, todo comido, bronzes desaparecidos, mas imenso quando se pensa no rio. Eram muitas no rio, mastros de oito metros expondo a vela imensa aos ventos, aproveitando da mansidão da brisa às refregas.

A belíssima canoa, hoje apenas pó no transporte
revistacaninde.blogspot.com

O rio era cheio, existindo na década de 50 do século passado, umas cem canoas, numa das quais viajei para as bandas do Piaçabuçu, a ver plantação de arroz com meu pai. A maior de todas as canoas era a Canindé. Foi do site mencionado, que tiramos a foto da tolda que publicamos nesta edição, tal como se fosse amiga do carro de boi. Uma canoa desse porte pegava enorme quantidade de fardos.

O passado está plantado

Foi por estar em  busca de ver um filme sobre o passado, que eu estava lá no Olho d’Água do Amaro. Quem sabe, os carros – em grande parte -  foram os responsáveis por transformarem trilhas nas carroçáveis, na procura, inclusive, da melhor chegada de um ponto a outro, montando as retas, dando as voltas das curvas, vencendo o empinado da ladeira em pé, ou melhor, dizendo, das rampas que tem estrada cheia de pinguruto e em que o ladeirame vadeia. O termo carroçável tem tudo a ver com carro.

Existiam estradas estreitas com poucos tantos palmos craveiros, necessitando constantemente concerto pelos, inclusive, sulcos deixados pelos carros de boi, pedaços de vida, sulcos lembrados por Graça Aranha (2002) em Canaã na paisagem que descreve. Ao falar do vale do Açu no Rio Grande do Norte,  Manoel Rodrigues de Melo (1979) refere-se ao cortar da Várzea, às exigências que os carros impunham às estradas e às relações de destino que carregavam. Por aqui, carro de boi onerava o custo do açúcar, na região das lagoas, pelas voltas da década de trinta do século XIX, sendo preferível o descer das águas do São Miguel, as águas-estradas que tanto significaram para a economia agroexportadora.

Fazer estradas, modernizar corria correlato ao fato de que novos transportes deveriam aparecer, e a notoriedade pública do carro de boi foi sendo substituída pela sua vida doméstica, intra-cerca, intra-cercado. Ele se arrasta, mas vai sendo integrado ao rumo da produção, no serviço de cargas em pequenas distâncias, com um compasso de espera rotineiro nas propriedades sertanejas.  Talvez – mas nem tanto - o carro de boi  tenha sumido da zona da mata, como sumiu um antigo transporte chamado, caso não haja engano,  zorra. Eu vi uma única vez pelos lados da  Chã Preta. Era uma espécie de plataforma que deslizava pelo chão, tracionada, mas sem roda. Existem antiqüíssimos registros sobre a zorra,  mas não cabe ser comentados nesta pequena introdução ao que Totonho pensa e argumenta.

O mundo e a Curva do U

As estradas retiraram o carro de boi da paisagem, no longo curso das mercadorias; elas remarcaram o mundo das Alagoas, fincaram novos pontos, partiram para a grande tirada de retas cortando os volteios,  mas tentavam andar pelos velhos caminhos, numa lógica onde, também, era ponderado o custo das desapropriações, dos cortes, dos aterros. Nisto apagavam e acentuavam novos pontos. O velho Pau do Descanso perdeu sentido nos caminhos  de São Miguel, mas por aqueles lados, a estrada introduziu um marco fantástico: a Curva do U. Conheci uma senhora que me disse: “Meu fio, conheço pouco do mundo; nunca fui pra lá da Curva do U”! Eu mesmo ficava esperando fascinado por ela, para depois entrar em São Miguel, na parada que era dada no Bar do Manuí, tomar um Guaraná Caçula, que a distância era grande, tornando perigoso um copão de refrigerante.

  A Curva do U sumiu e a estrada verdadeira está escondida pelo asfalto. A Tia Júlia – irmã da Zezinha e da Morena, todas três da Bananeira  de Baixo da Boca da Mata – quando vinha de São Miguel para Maceió, toda curva que aparecia perguntava se era a do U!. Hoje, nem fiu. O Compadre Propício da Vitória do  Periperi conversava sobre a curva, o perigo, a rampa, o tamanho. As estradas tinham pontos notáveis, parecendo que a pressa aboliu a necessidade do Pau do Descanso, já não se escuta o caminhão chorar na rampa, o esforço do Mark nas artes da primeira a puxar a carga.


Foi assim com o carro de boi, refeito pela tecnologia, pela velocidade, pelo começo da construção mais enfática e densa de uma espécie de protótipo de glocal. O carro de boi persiste como espécie de unidade de tempo, ligando-se ao vagaroso, como se liga também ao bucólico da fantasia poética das recordações saudosas. Há uma lógica maior, que muda a oportunidade para o carro de boi.

O trem e o boi

Tudo começa a se romper com a estrada de ferro, com a possibilidade do vapor e, posteriormente, pela rede de estradas que refaz o entrelaçamento dos locais no sertão. Isso vai encurtar o espaço  para o  carro de boi, mudando os hábitos, tudo sendo refeito na base de muitos e muitos cavalos, desta feita a vapor e foi sendo comum ver o caminhão, e ver a sopa (ainda alcancei) e depois o ônibus, o para todos pingando gente por aqui e por ali. É interessante como Viotti,  com razão,  consegue estabelecer dois marcos em nossa história: o carro de boi e a ferrovia.   A modernização quando acontece, afeta as redes de negócios, especialmente quando a mudança mexe no tempo com as distâncias, pelo suceder de velocidades pensadas em segundos. É como se estivéssemos a viver um rompimento com o métrico das distâncias para pensarmos o tempo, como se ele suplantasse o métrico em importância. O tempo que se leva é mais perguntado do que a distância entre uma posição e outra no plano, os segundo mais habilitados para informar do que os centímetros.

O som do carro de boi ficou menor; o seu sinal à distância. Ele se anunciava como aquela espécie de cigarra navegante que foi sumindo, mas, quem sabe,  nem  tudo aquilo que muda fora, muda com a mesma velocidade dentro. Se a pessoa der um bordo pelas estradas sertanejas, será impossível vê-los rodando pelo asfalto, mas quem sabe e com sorte, é possível ver nas carroçáveis e as carroças – pegado a dica –  bem que são concorrentes, pelo menor custo na compra e na manutenção. Um eixo bem rodado e rodado com peso, não sendo de madeira boa, num instante  vai embora no cantar do carro de boi.

O boi e a canga

            E o boi vai aprendendo a obedecer ao carreiro: a junta de coice, a junta da canga da frente, dando-se o sacrifício de capar os bichos, cujos machinhos não funcionam e no que se evita muita encrenca pelos caminhos. Mas isso não significa que o boi seja obrigatoriamente dócil, existindo arengueiros e fazedores de confusão. A canga prende e controla. O Padre Raphael Blateau  na edição de seu dicionário em 1712 assim anotava o significado da canga: “É um pau grosso com faces, com o qual puxam os bois, para levarem o carro, com os pescoços numa travessa, a que chamam Cangalhos”. Por extensão, cangalho seria chamado no Brasil “os tristes negros, quando chegam de Angola doentes, e esfaimados”. Era no cangalho, segundo o Reverendo, que se colocava a brocha presa nos dentes.

Eram as chamadas brochas de boi, correia de couro torcida e tinha azelhas nas pontas para serem amarradas à canga. Ficamos com a  palavra cangalha, habilitante da vida rural brasileira e de extrema importância na integração do tipo feita, por exemplo, pelos tropeiros.  A cangalha fica em cima de uma esteira bem grossa feita com periperi para proteção ao lombo do animal, extremada por dois cabeçotes que servem para fixação de apetrechos.

Meu Compadre Propício contava uma notável história e vale o devolteio para contar. Uma ciganinha moça pediu para dar uma volta em cima de uma cangalha na jumenta. A cigana velha deixou e ela foi serelepe; mas vai que a jumenta se viu na frente de uma cobra e era popa para todo lado. A ciganinha moça começou a rezar: “Valei-me Nossa Senhora”. A cigana velha vendo o espetáculo gritava: “Reza minha filha! Reza, mas não esquece de segurar no cabeçote da cangalha!”.

O carro de boi chegou e aliou aos poucos, mas a sua engenharia e a sua mecânica são ibéricas e sem dúvida passa herança oriental. Ele se entranhou e fez a colônia e boa parte do império; seria difícil pensar a colonização sem a sua atividade de transporte levando, por exemplo, a cana do eito, a caixa do açúcar para embarque, a família para as festas. As mudanças que vão acontecendo, vão dando novos significados, novos usos, novos roteiros cotidianos e quem rompe com o carro de boi é o motor. O carro foi  modificando de uso, de posição nos laços cotidianos e em alguns pontos, adotando uma indicação de raiz.  Por exemplo,  eles são proibidos de entrarem em Santana do Ipanema. As rodas danificariam o asfalto e o andar lento poderia atrapalhar o trânsito, mas existe uma festa em que o carro de boi é praticamente entronizado, embora não mais rode pelas ruas da cidade. Ele não encontra a rua de barro.



A conversa sensata de Totonho

Entrevista




Começando pelo começo

Tudo mudou depois que apareceu estrada, caminhão, trator;  hoje até para se plantar é na máquina. Para colher, só feijão é que é na mão. De quarenta para trás,  elas não existiam. Em 45 para cá abriu as portas; aí chegou toda qualidade de maquinária. A máquina ficou no lugar da enxada e a produção dobrou.

O arado hoje está pouco: muitos ainda usam, mas a população que pode já tem seu tratorzinho para  recortar as terras e plantar. Hoje é quase só milho, feijão e milho. Antes era mandioca, feijão, milho, algodão, de 45 para trás. O povo se segurou nisso: criar gado, plantar milho para fazer silo, ração e daí por diante. Quando apareceu de todo mundo criar mais gado, aumentou mais gado. Foi encostando a mandioca lá para fora e algodão, porque de lá de fora vem tudo para aqui, e daqui não chega mais em Santana, nem farinha feita daqui, nem algodão dessa terra.

Para mim foram muitas as mudanças que aconteceram no sertão,  [...] todo mundo foi melhorando, aumentou o criamento de gado, a plantação com trator fazia mais trabalho e mais alguma coisa, o trabalhador tá muito caro e o feijão tá de graça, o milho tá barato e a farinha não compensa plantar mais.

Desde que me entendo de gente,  estou na agricultura.  Agora minha renda de ter não foi da agricultura; fui muito experiente, quando vim do Exército tinha uma vacariazinha; aumentei, fiz uma fábrica de queijo, disso vivi muito tempo. Até para me educar me facilitei, porque tinha uma rendazinha maior e pude ensinar os meninos, pude ter minhas coisinhas mais tranquilo. Não preciso mais dizer assim: “vou trabalhar na enxada bem cedo, para trabalhar até meio dia não”; ela ficou encostada num canto que até esqueci. 

 Com essa renda criei os filhos e hoje tenho alguma coisa. Antes tudo era na enxada. Quem me levantou do chão foi Deus, mas uma roça de mandioca! Plantei quatro tarefas de mandioca quando tinha dezoito; quando completei vinte anos fomos desmanchar e deu novecentas e vinte cuias.  Essa cuia pesa sete quilos, repara  quanto deu de farinha. Eu comprei terra, comprei gado, comprei tudo e pude me levantar ligeiro.

A terra valorizou muito de lá para cá.  Antes era de graça, agora já tá meia cara. Naquele tempo - era mil réis ainda -, acho que eram cinco mil réis, de graça. Querem mil e duzentos cruzeiros por tarefa.  Porque teve produção, o povo pôde melhorar,  arranjar mais coisa e o dinheiro cresceu. Quem tirava leite de dez vacas, hoje tá tirando de trinta, quarenta e cresceu, não foi? A renda do gado é pouca porque a ração é cara, mas ainda é o ramo que está sustentando a pessoa do campo aqui nessa terra. Até o caminhão do meu menino - por sinal faleceu que tá com três meses – com meu neto teve aqui com três mil e seiscentos litros de leite, o caminhão passa carregado todo dia dessa região, tem outro carro de outro vizinho pega também. Do que se está vivendo? Só do leite.


A igreja que Totonho construiu

O leite e o queijo

Quando  eu estava com a fábrica de queijo ali,  comecei a botar o primeiro tijolo naquela igreja, mais a minha esposa que já faleceu. Em 1958 eu tinha a fábrica, de 60 para cá os meninos do caminhão passaram aqui na porta comprando, aí pagava o leite no preço da fábrica, mas achava melhor vender e receber o dinheiro do que fazer o queijo. Todo mundo foi viver do leite.

 Não tem muita fabricação de queijo por aqui; havia na Batalha;  aqui era pouco. Aqui na vizinhança fábrica de queijo só tinha a minha. Depois que abri para vender o leite, todo mundo ficou vendendo, fechou a fábrica e ficou só naquela região de Batalha. 

O que era importante trabalhar na década de quarenta, já disse: mandioca, feijão e milho; criação de animais soltos: ovelha, gado. A roça era pequenininha, tudo era campo de se criar, todo mundo tinha sua vida mais tranquila. Papai tinha umas trezentas cabeças de ovelha ali, tudo solta. Eu mesmo passei a ter duzentas cabeças só minha.

O fim das ovelhas

As ovelhas se acabaram, porque passou a colônia a fazer só roça e todo mundo teve que prender os  animais para ir viver de roça, aí o pequeno criador de ovelhas acabou-se, e se não tinha terra foi um desmantelo para quem criava, mas quem tinha terra continuou. Para o mais pobre foi pesado. Aí tinha uma família com duzentas e tantas cabras e foi obrigada a vender tudinho, terminou esse povo, como se diz, sem nada os coitados.

Tinha mais ovelhas. Era fácil de vender, o comprador vinha para a porta da gente, comprava e levava o comboio tangendo para Santana. Vendia para Santana, vendia para todo canto. Vendia para corte e para criar também.

          A carne de sol

Eu não posso  dizer como era Santana, por que gosto só de falar a verdade; sei que era pequenininha. Eu sei por que ali onde é aquela praça,  onde tinha seu Mário Oliveira ali e voltava ali e tinha um velho chamado Pedro Chocho que era enjoado. Eu vendia as coisas para a feira em Santana, ia no carro de boi para o mercado vender sacos de farinha, sacos de feijão.

A carne de sol era “apregada” no pau lá e outro cá, esticada. Matava quinta-feira, salgava na sexta e sábado ia vender. A carne de sol era muito fácil, tinha uma mesa assim de quatro pés, bota a banda da criação ali... Com a faca vai tirando a capa das costelas, tira as carnes todinha e deixa só a ossadinha, aquela carne espalha e salga, no outro dia tira do sal, e bota numa cordinha, com dois dias tá sequinha.

Eu não vendia carne de sol, vendia tudo vivo, os marchantes preparavam. Eles preparavam a carne na casa deles em Santana. Aqui o pessoal salgava para comer em casa. A carne dormiu na salmoura, bem cedo passou uma aguinha para tirar metade do sal, botou na cordinha para enxugar no sol. De noite já tinha um lugarzinho para guardar, se dormisse no sereno não ia prestar; de noite os bichos comiam.



Mexendo com carro de boi

Isso eu comecei cedo, primeiro só estudava, já sabia ler e escrever, tirar as contas e já tava bom. Naquele tempo, quem possuía quatro bois no carro arrumado... Eu só queria desse de mamilo, grande e bonito. E o galo cantava e daqui para Pão de Açúcar... Eu digo uma coisa... Toda sexta-feira nós íamos para Santana carregar os carros de lã que já tinha, chegava lã em Santana que não tinha quem vencesse.

Nós colocávamos aqueles fardos e íamos para Pão de Açúcar; viajávamos sábado, domingo descansávamos, madrugada da segunda-feira derrubava lá; já tinha as canoas cheias de sal, açúcar, querosene, bacalhau, tudo para vir para Santana, mas não existia carro de boi suficiente para... Tinha cinquenta, oitenta carros de bois por feira em Pão de Açúcar. Nós saímos às vezes quinze, vinte carros só da região daqui, na estrada tudo carregadinho, tudo era daqui de Santana. De Águas Belas para Ibateguara, tudo de carro de boi vindo de onde? De Pão de Açúcar.

O caminho do São Francisco

Só chegava em Pão de Açúcar e tinha de voltar. Só ia para Pão de Açúcar,  para Piranhas nunca. Esse centro de caatinga nossa, de 15 léguas para cá, de Águas Belas para cá tudo ia para Pão de Açúcar. Era tanto carro que na hora de carregar era preciso ter paciência; fila, o lugar de dormir já tinha. Onde o boi ia comer faziam rancho;  era onde a gente ficava,  o boi ia comer de quem plantava pertinho; quem ia com o carro carregado não podia levar carga de palma, levava um saco de caroço. Era como se fosse posto de gasolina, a mesma coisa para abastecer. Agora existia um negócio que ninguém acredita: o caroço de algodão era dado, porque era tão barato que ninguém vendia. Meu pai dizia que antigamente tirava a lã e queimava, acredita nisso?

Aonde tinha as palmas, cada qual armava a rede embaixo do carro. No carro só ia uma pessoa; a fila podia ser como daqui para Santana, mas era um atrás do outro. A gente tinha uns amigos bons; o rancho da gente era um, aqueles que gostavam de tomar uma pituzinha, gostavam de carregar uma mulherzinha no carro, esse povo que dá briga,  era em outro canto.

A música do carro

O carro canta para o boi se alegrar e trabalhar; é o entretimento, e os donos dos bois têm aquela alegria de ter aquela música. Essas coisas foram feitas por Deus, não foi pelo homem. O carro de boi do jeito que é pesado e dormente para andar por lama, por tudo, não tivesse o entretimento de cantar não dava nem prazer. Ai quando juntava dois, um cantava na corda fina e outro na corda grossa; era bonito demais. Terça-feira de noite, quarta de manhãzinha naquela região começava acolá, a gente ouvia daqui trinta, quarenta carros cantando de madrugada até chegar em Santana. E chegando no armazém só descarregava quando descarregasse o de fulano, você tinha que aguardar sua vez.

Sempre ia ter uma malinha de couro, levava a roupa, uma moringa de sola cheinha d’água que não esquenta, a rede de dormir, uns dormiam no chão da esteira. Tinha gente que gostava de uma cachacinha e só ficavam os tortos, os certos passavam... Levava rapadura, queijo, café para tomar e fazer onde quisesse, levava tudo. Eram cargas daqui para Mata Grande, era algodão da Mata Grande, da Maravilha... Carregava para Pão de Açúcar.


A vida e o amor

Comecei com quatorze anos, quando saí da escola, com dezoito já tinha quatro meus e aí fiquei até vinte e dois anos, fui para o Exército, passei três anos. Deixei um primo com quatro bois quando cheguei ele já tinha um caminhão. O carro de boi foi tudo, ainda é. Quando vim do Exército cheguei com umas condições  e comecei a trabalhar mais. Deus me deu uma mulher com quem vivi sessenta e um anos e três meses; no mundo não teve uma mulher mais educada, mais trabalhadora, mais... Comprei um  carro como um desse aí que comprei quando ela adoeceu, peguei dois carros e dei nesse e ainda dei mais vinte contos a mais só para ela não sofrer.

Ela sofria porque era o jeito, foi um erro. Ela gastou oito meses para sarar. Quando sarou que ficou boa, cadê andar? A outra perna não aguentava mais o corpo; eu botava ela nesse carro e eu ia para onde ela queria, na casa de um vizinho, na casa de um amigo em Santana. Eu fazia os gostos dela, até que foi, foi, foi... Morreu. Não quis mais casar, já tava com oitenta e poucos anos, peguei o que tinha aqui e dei aos filhos, cada um tá com o seu e eu já sou morador deles. Fui soldado, fui fiscal da prefeitura, fui vereador, fui essas coisas, mas não quis ser político. Também não perdi um amigo na política não; ao adversário eu dizia: vai fazer seu palanque, só tem uma coisa, não fale do outro, se falar apago a luz. Quem botou essa luz aqui fui eu.

 Um retorno ao carro de boi

Trazia o que tivesse pronto por lá em Pão de Açúcar; carga de arroz é uma carga boa porque é enxutinha, se pegasse de açúcar no inverno era uma melação dos diabos. Eu já sabia, minha carradinha já estava certa lá, dizia: de hoje a oito guarde tanto para mim. A gente chegava lá de manhãzinha, descarregava, depois carregava e ia dormir no riacho Farias. Os comerciantes de Santana iam comprar em Pão de Açúcar a cavalo e a gente em carro de boi. Acredita que os homens carregavam um saco embaixo do braço, outro na cabeça e outro assim? Tiravam da canoa três sacos e iam levar onde o carro de boi estava. Hoje carregam sessenta quilos se acabando.  Tudo era descarregado no berço da água do rio, descarregava a lã no armazém e do armazém ia para a canoa.

Para mim foi bom porque ganhava alguma coisa. Em todo canto fui bem na minha vida, até no Exército me dei bem. Cheguei como recruta no meio de cinqüenta, com três dias já era um dos melhores, por sinal fiz o curso de telemetrista que marca um tiro de um quilômetro daqui a três mil quilômetros dentro do mar, fiz por causa de que? Tinha um caminhão que chegou carregado de lenha para rachar; o capitão escolheu três homens e botou lá, era umas oito e pouca, quando foi dez e meia chegou lá. Eu estava de calção, tinha feito um monte de lenha danado e os outros um tiquinho; perguntou: “o que foi isso Damaceno?”.Eu experiente do campo pegava a madeira que tem o linho certo, sabe o que é linho certo? É a madeira que racha, olhava na cabeça do pau, escolhendo. Os outros que não tinham experiência do campo iam se bater com qualquer alinheiro, mas era acochado. Fiz o curso de telemetrista, passei e fiquei ganhando bem, nunca mais peguei num revólver.

O tabelião recebeu a ordem do chefão que mandava convocar o povo. Quem nasceu em 1921? Ele catava assim e só era botar a carta no Correio que entregava a gente. A gente lia e dentro de oito dias tinha que se apresentar lá, se não fosse ia preso. Fui de caminhão que veio pegar, em Mata Grande saíram uns dez, de Santana saíram uns vinte. Quando chegamos em Maceió já estava o quartel esperando a gente. Nós passamos vinte e tantos dias dormindo no cimento. Vinte e três homens dormindo num cimento desse... Dormimos quase um mês com a roupa que levamos, a forra era o cimento e quem cobria o rosto era o chapéu. Tanto tinha que o quartel não cabia, tinha a lotação do Exército toda, os recrutas que tinha recebido farda e tinha os paisanos que chegavam e ficava esperando que chegasse farda. Com esses dias todinho foi que chegou um pedido para ir para Recife e formos. Como eu já tinha um estudo melhorzinho me tiravam para uma coisa e outra, depois fiz o curso de telemetrista e quando passei fiquei só sendo especialista naquele trabalho. Fiquei onze meses em Fernando de Noronha.




Santana do Ipanema e Lampião

Depois que a guerra acabou e que fizeram pista, aí todo mundo foi para Santana. Santana estava crescendo com o homem do campo que com medo de Lampião ia morar em Santana, cada qual procurava seu ramo de negócio. Seu Marinho Oliveira, pai de doutor Rodolfo, plantava mandioca daqui a oito quilômetros, vivia de roça mais o Seu Zé Oliveira, mas com medo de Lampião correram para Santana. Vendeu as coisas e começou um mercadozinho, naquele tempo era um bodeguinha que se chamava, depois foi chegando esse povo mais novo, o pai desses meninos. Começaram a repartir aquela feira, Santana foi crescendo, depois chegou o caminhão e as estradas para todo canto. O meu queijo ia para Garanhuns, o rapaz vinha me comprar. Santana tinha mercado, mas todo mundo fazia, era muito fácil. Eu ia para Santana e pegava o caminhão do queijo e ia bater em Garanhuns.

Os velhos carreiros

Era gente de todo canto; a Aldeia é daqui a cinco quilômetros, Cabaceira a três, Batatau é perto do Campo da Aviação, Olho D’água da Cruz é aqui entre Olho D’água das Flores e Riacho Grande; Sucupira já é igual ao meio da estrada das Flores para Santana, Salobro é daqui a cinco quilômetros. Plínio Rita, Afonso Novo, Zé Novo, Pedro Novo Filho. Plínio Rita era noivo da filha dele e eu também. Nós saiamos juntinhos e chegávamos juntinhos. Era uma turma, a gente já tinha o lugar certo de dormir, nunca deu briga. Os cachaceiros brigavam, os bois deles sofriam, passavam da hora de comer, ficavam encangados, não soltavam os bichinhos para botar para caminharem. Os patrões quando sabiam tiravam aquele carreiro e botavam outro. Enquanto os bois comiam, o fogo já estava aceso e a carne de sol já estava assando de manhã, com um queijo de manteiga bom nós enchíamos  a barriguinha e tocávamos para frente.