ALMEIDA, Luiz Sávio de. O primeiro livro sobre a história do futebol em Alagoas. Tribuna Independente. Maceió, 12 fev. 2012. Contexto.
Luiz Sávio
de Almeida
Um
tema escorraçado
Renato
Araújo Sampaio é um nome desconhecido pela nova geração, que se interessa pelo
futebol nas Alagoas; mas seu nome é muito mencionado pelos companheiros da
época em que andou por Maceió, trabalhando na imprensa. Renato foi quem
produziu o primeiro livro sobre o futebol em Alagoas e, sem dúvida, um dos
primeiros do Brasil. Neste sentido, tanto pela época e quanto pela qualidade, pode ser considerado um
clássico da literatura brasileira especializada. Seu grande pecado, foi ter
sido escrito em idioma caeté e, aí, sumiu no Brasil e sumiu nas Alagoas.
Trata-se de livro simples, sem revoada
teórica, mas honesto na tentativa de produzir sobre documentos e história oral
e de uma coragem temática inusitada para a época provinciana, quem sabe
desafiando o tempo em que foi escrito e publicado.
É um
trabalho de natureza expositiva e paga um preço: o futebol se faz
abstratamente, desvinculado das raízes estruturais, como se estivesse em
qualquer tempo e em qualquer espaço, pouco ou nada indicando sobre o modo como
ele se fez alagoano. Poderia ser nas
Alagoas, como poderia ser em qualquer outro ponto, pois não possuía amarras.
Ali estava o futebol posto na solta do tempo, não havendo uma ponte clara para
que se entrasse na terra das Alagoas e a pelota corria em um campo também sem
tempo e quem sabe era uma bola ahistórica. Seria querer demais, que naquela
altura da vida e naquela motivação pessoal, Renato fosse além do que
produziu. A ideia era brilhante e capaz
de gerar uma visão do que se havia
passado em Maceió, após o que se pode considerar como o ano inicial do pé na
bola alagoano: 1908.
O futebol
estava contundentemente posto na vida do povão. Esta a grande vantagem do livro.
Por outro lado, o que poderia ser cobrado de um rapaz que se infernizava
história adentro? Um rapaz que desejava
inovar numa Maceió daquele tempo e ainda por cima nos cueiros de sua carreira
jornalística? Nada mesmo a cobrar e apenas um bom sorriso aliado ao elogio; ele
teve foi uma atitude louvável, ao romper com o vai-vem da intelectualidade
alagoana, abandonando o que poderia ser um tema consagrador em termos de
prestígio e status, para dedicar-se ao prosaico do povão, trocando espadas e
canhões reais ou de oratória, por bolas, pés descalços e algumas chuteiras. E
rompeu em boa companhia, pois Ledo Ivo teve a boa vontade e inteligência para
escrever o prefácio. Renato colocou o lápis debaixo do braço e saiu por aí,
entrevistando mundo de gente, lendo velhos documentos, conversando com
jogadores e dirigentes, agarrado com o tema meses a fio.
Se ainda hoje (note-se o ano deste
texto, LSA), o futebol não é um tema que desperte suspiros intelectuais,
naquele tempo deveria ser pior. Quem iria transformar em tema de livro, a correria
atrás de uma bola? Graciliano Ramos meteu o pé no futebol quando ele andou
pintando em Palmeira dos Índios. Tá lá, nas páginas de O Índio. Imagine-se que
Alagoas vivia a construção de sua historiografia guardiã de um enfoque moral
classista, escrita pelos homens bons, para os homens também bons e ter-se-á
quanto o futebol seria um tema escorraçado, especialmente quando a elite abandonou
os grounds, preferindo financiar pobres para darem o espetáculo que, quanto
mais comprado, mais interessante seria.
Uma pequena virada de mesa
Renato deu
uma guinada de muitos graus no que seria uma carreira intelectual esperável em
Alagoas. Fugiu do que seria idealizável no compasso da música provinciana. Ele
teve à sua frente, todo um beletrismo a vencer, pois era de bom tom participar
de cultos heróicos, dos encontros lítero-musicias e continuar abonando as
excelências da jamais extinta Guarda Nacional, que gerou coronéis em
substituição aos barões. Na verdade,
poucos se recusariam à facilidade da consagração e, neste contexto, o livro não
deixa de ser uma virada de mesa, mas sem qualquer efeito no panorama
intelectual, que jamais poderia considerá-lo como um igual.
Aparece um livro que pensava em goals
e isto dessacralizava o universo histórico, buscando o humilde de times que
treinavam em vacarias, expectativas que se faziam em ambições de pequenos
funcionários. Era diferente. Uma espécie de fora de propósito, coisa meio
amalucada e não fosse o gracioso que poderia gerar, seria difícil de ser
digerida. Renato inovava, mas isto não quer dizer que se processava qualquer
maior mudança no panorama. Até mesmo deve ser considerado, que a elite se
encontrava consagradamente rural, preservando a teia ideológica ruralesca. Renato Sampaio ensaia seus andares pelo manto
urbano, que se insinuava nos contrafortes desta mui querida Maceió.
Quase nascia em Viçosa
Quem era este audacioso? Afinal de contas, era um pioneiro. E lá vai
conversa e chega Zequito Porto e chega Floriano Ivo Júnior. Conversa vai e
conversa vem e disseram que ela havia sido do Conselho Nacional de Economia. E
vai que vai, de andança em andança, descobri que era pai de um amigo, o físico
Renelson Sampaio, com quem eu havia trabalhado no levantamento ecológico
cultural do que era chamado de complexo lagunar-estuarino das lagoas
Manguaba-Mundaú. Após toda uma caminhada
de adivinhação, fomos encontrá-lo em sua casa, tranquilamente tomando a sua
insulina.
Era um homem vindo de família pobre;
seu pai chamava-se Manoel Correia Sampaio e sua mãe, Júlia Araújo Sampaio. Ele
nasceu em Major Izidoro, no dia 20 de maio de 1921, nasceu e foi levado
imediatamente para Viçosa, onde seu pai foi trabalhar no beneficiamento do
algodão. Ele fica em Viçosa, faz o curso primário no Grupo Escolar Treze de
Outubro, de onde guardaria a figura da professora Ivone Torres. Viçosa seria o
padrão mas o capital agrega o campo de futebol a este complexo de padrão
urbano. Obrigatoriamente, Viçosa teria futebol.
A meninada do interior sempre viveu
inventando divertimentos e eram criados os tempos de brincadeira. Tempo de
pião, tempo de papagaio... O futebol resistia a isto, mesmo em tempo
invernoso. E foi em Viçosa que Renato se
aproximou do futebol. O seu tempo de infância parece não ter sido agradável. Renato – ao conversar – sempre passava raspando por ele, e dava um
salto para Maceió. Num de repente, nascia e estava em Maceió, onde ele
continuou pobre e morando na Rua Formosa, parte do complexo urbano da Levada.
Aqui, com a dificuldade da roupa cochicada e do dinheiro faltando – vez em quando
o professor Guedes Lins ajudava – ele fez o exame de admissão para o Liceu
Alagoano e no ano de 1936 começa a trabalhar como jornalista.
Jornalista e história de vida
Começou a
trabalhar na Gazeta de Alagoas, como aprendiz de revisor em 1935; seu aprendizado
como revisor foi realizado em O Semeador, em trabalho conseguido por Manoel
Valente de Lima. Posteriormente, ele passa a fazer matéria sobre futebol e
polícia. O salário dava para ir suprindo suas necessidades: 150 mil réis por
mês, além de faturar comissões; quando o assunto era carnaval, tinha como certa
a propaganda de J. Barros; quando era economia, entravam em cena Flávio Luz e
Morgado Pinto.
Chamado por Afrânio Melo, vai ser
revisor do Jornal de Alagoas, fazendo o turno da tarde; apesar do dinheiro que
entrava, a dificuldade era grande. Tanto
que eu uma de caderneta de aula, ele anotou cuidadosamente: “Comprei meu
sapato, no dia de 20 de dezembro de 1937.” Era o famoso sapato da festa, quem
sabe o calçado a ser guardado com cuidado e parte do conjunto de peças que se
conhecia como a roupa de ir pros cantos, a roupa da missa no domingo e por aí
vai. A temporada no Jornal de Alagoas foi curta. Na mesma caderneta está
anotado: “Entrei no Jornal de Alagoas no dia 31 de janeiro de 1938; saí no dia
8 de maio de 1938”.
O grande incentivador de sua carreira
em Maceió foi Sílvio Almeida, que era responsável pela área comercial da
Gazeta. Foi a partir de Sílvio, que
passou a manter contato com as empresas de Maceió, angariando propaganda,
fazendo corretagem e aumentando o salário. Pelo mesmo Sílvio vai ingressar na
crônica esportiva, escrevendo seus primeiros artigos e passando a manter
coluna, incentivado sempre por Zequito Porto que o orientava na redação das
matérias.
Quando sai de Maceió, o aprendizado
realizado em nossas pequenas redações vai ser de extrema valia, mesmo quando
passa a revisor do Jornal do Brasil e redator de O Meio Dia. Ele vai ter toda
uma carreira ligada aos grandes jornais: Diário Carioca, Diário de Notícias,
Observador Econômico. Nesse seu caminho, deve ser dado especial destaque á sua
participação na revista Desenvolvimento e Conjuntura. Ele foi fundador e diretor. Fora
Desenvolvimento e Conjuntura, Renato fundou um pequeno jornal em Maceió, tendo
circulado alguns poucos números: Democracia.
Desenvolvimento e Conjuntura era
porta voz, no campo técnico, da Confederação Nacional das Indústrias e, como o
próprio título revela, analisava a conjuntura do ponto de vista do
desenvolvimento. Renato dirigia o corpo redatorial e era membro do Conselho
Técnico Consultivo, com o primeiro número tendo aparecido em 1957, com sua apresentação
trazendo um texto de norte para a revista. Isso gerará polêmica acirrada com o
grupo de Eugênio Gudin, especialmente quando se tem a famosa Instrução 113 da
SUMOC.
A vida de Renato vai se misturar à
defesa da industrialização, montagem de um parque nacional que sustentasse a
tese da substituição das importações. É nisso que se dá o choque com a visão do
grupo de Eugênio Gudin e que acaba, inclusive, por franco debate na imprensa. A
vida de Renato, portanto, ao fazer-se no Rio de Janeiro, deixava uma imensa
distância da crônica esportiva, mas restou-lhe a prudência de continuar
torcendo pelo Clube de Regatas Brasil.
Ao sair, encontra um novo caminho e
vai para uma série de trabalhos ligados à história do Brasil; prepara prefácio
para a reedição do livro clássico de Simonsen; pronuncia conferência sobre
Simonsen na Confederação Nacional da Indústria. Torna-se, também, um dos
fundadores e membro do Conselho Técnico do Instituto Roberto Simonsen para o
Desenvolvimento Econômico, Conselho do qual faziam parte D. Helder Câmara,
Josué de Castro e outros. Participa de curso patrocinado pela Cepal, ministrando
aulas sobre a evolução do processo industrial brasileiro, quando a temática
histórica fica em evidência, posta sob a ótica do desenvolvimento.
A saída de Maceió
Renato teve
que sair de Maceió para enfrentar a vida, antes que Maceió enfrentasse a dele.
É na economia que vai fazer sua carreira culminando por uma cátedra e pela
participação, a convite de Juscelino, no Conselho Nacional de Economia e ali
funciona como representante da vertente industrial, que argumenta com a
necessidade de se fundar e firmar um setor secundário nacional. É por tal motivação
que entra em debate com o grupo de Gudin, conhecido como pai do monetarismo
brasileiro. Na verdade, na medida em que entrou na implicação entre conjuntura
e desenvolvimento, fatalmente seria levado a uma posição contrária a de Gudin.
Na medida em que a problemática do desenvolvimento nacional entrasse em
discussão face à substituição de importação, iria contra qualquer
privilegiamento do setor internacional.
Esta sua preocupação, leva a que seja
professor de Evolução e Conjuntura da Faculdade de Ciências Econômicas da
Universidade do Rio de Janeiro; será conferencista da ESG, ISEB, CEPAL. Esta sua atividade conduz em 1957, a que seja
nomeado membro do Conselho Nacional de Economia. Na realidade, toda a sua
carreira é ligada às representações patronais e isso acontece primeiramente na
Bahia, de onde vai assentar-se no Rio de Janeiro e em Brasília. A carreira
baiana começa com cargo na Comissão de Planejamento Econômico do Estado da
Bahia, ano de 1953, posição em que permanece até 1956. Contudo, a vida baiana é iniciada em 1948,
quando ingressa na Suerdick como Assessor Técnico, passando a Sub-Diretor e a
Superintendente.
É através da vinculação com a
Suerdick que fará parte do Conselho de Representantes da Federação das
Indústrias do Estado da Bahia e do Serviço Social da Indústria. Torna-se
Vice-Presidente da federação e seu representante junto à CNI, terminando por
dirigir o Departamento Técnico daquela entidade. Ainda ligado à vertente
industrial, vai ser Superintendente Adjunto e Chefe da Assessoria de Programação
e Orçamento do Centro Industrial de Aratu. Por último, dirigiu o Banco Regional
de Brasília, parecendo-nos que foi, também, Presidente da Companhia de
Desenvolvimento de Alagoas. Renato foi membro do Conselho Técnico do Instituto
do Fumo da Bahia, Diretor do Departamento Nacional de Mão de Obra e Salário,
além de outras participações em menor escala.
Chegando ao livro
A lista do que andou
fazendo, depois que saiu de Maceió, é grande.
E vamos cada vez mais nos afastando de seu livro, curiosamente chamado
de À Margem do Futebol. O próprio título merece explicação; ele o considerava
como se fosse um ponto de partida para poder escrever outros tantos. É daí que
o futebol está à margem.
Ele tinha era vontade
de ampliar para casos, contos, fazer do futebol uma espécie de abertura para
uma intensa atividade literária. Os casos faziam com que vibrasse. É assim que
ele relembra Segismundo Serqueira que tinha a mania de ir a campo carregando um
guarda-sol ou guarda-chuva a depender do tempo.
O engraçado é que Segismundo ir andando atrás da bola como se fosse
bandeirinha e ai de quem ficasse na frente. Quando terminava o jogo, deveria
ter perdido alguns quilos.
Lembro de uma história
que o Renato me contou sobre um jogador que fechava os olhos quando ia chutar.
Era uma mania da qual não se livrava. Um dia mandam que ele vá cobrar um
pênalti. Ele se prepara, fecha os olhos, corre e a ola ficou lá, quieta. Ele
passou por ela.
Tanto Renato era amigo
do pessoal do futebol, quanto do grupo de rapazes intelectualizados, tanto que
Ledo Ivo vai escrever o Prefácio. Renato fez uma tiragem de 2000 exemplares e
ele hoje é uma raridade; foram penosamente impressos de cem a cem, na velha e
antiga tipografia Machado. A imensa
bóia, Renato saiu distribuindo com o pessoal de futebol, jogadores e
dirigentes. É que ele pensava o livro, como extraordinário sucesso de mercado
e, daí, os dois mil exemplares. Pensava, também, que falando de tanta gente,
iria vender fácil. Todo mundo se interessaria na compra. A impressão custou a
bagatela de quase três contos de réis. Praticamente, passou uns seis meses sem
trabalhar, apenas cuidado da edição. Além disso, esperou uns oito meses, para
que Elói Paulírio entregasse o clichê da capa, todo esculpido na ponta de
canivete com a figura do Renato sentado e em manga de camisa.
Dizia-me Renato, que
recebeu uma corda imensa para escrever o livro. Quando viu o primeiro exemplar,
saiu emocionado, julgando ter escrito uma obra prima e sentindo-se inteiramente
consagrado. Levou correndo para vender no Enéias, no Ramalho. Colocou na
vitrine de A Brasileira, levou para a Casa Normande, Loja do Povo, Bilhar do
Comércio, Sapataria do Ferreira. Conseguiu vender e entre tudo saíram uns 250
exemplares. Mas algumas pessoa e empresas adquiriram em quantidade: Flávio Luz,
José Dionísio Sobrinho, Mauro Paiva, Paulo e Pedro Pedrosa.
Zequito Porto foi o
grande mentor. Deu a mão, ajudou na
elaboração, apresentou a diversas pessoas; finalmente, colocou Renato em
contato com o grande mundo do futebol da época. Renato foi a Penedo e Palmeira
dos Índios à procura de informações. Paulo e Pedro Pedrosa ajudaram; consultou
a documentação que estava disponível por parte do CRB e do CSA. Um grande
auxílio foi dado por Pai Manu e também pelo célebre engraxate: Rás Gonguila.
Renato leu durante um ano e meio; debruçou nos
jornais do Instituto Histórico. Foi desta forma que apareceu “À Margem, do
Futebol”. Hoje, uma raridade. Se não foi a primeira tentativa para compreender
o nosso futebol, foi a primeira apresentação sistemática do eu se havia
plantado até década de trinta do século
XX.
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