PERDIGÃO, Lautheney. Depoimento para a história: César, goleiro do CRB. Tribuna Independente. Maceió, 19 fev. 2012. Contexto.
Um
pequeno bilhete sobre futebol
Mais uma vez, o futebol aparece em Contexto sob a batuta do
maestro Lautheney Perdigão e agora balanceando o que é do CSA e o que é do CRB.
Houve uma grande transformação no futebol de Alagoas, com o deslocamento do papel
de Maceió; antes o interior não estava
consolidado, apesar do que acontecia em Penedo, mas atualmente, ninguém pode
negar a importância de posições como a de Arapiraca a partir de uma brilhante
reestruturação do ASA. Isto significa, que há massa de capital suficiente para
sustentar a profissionalização, redistribuída territorialmente. Alguns locais
parecem ter fracassado nesta sustentação, como é o caso de Palmeira dos Índios
e a minha querida Capela.
A relação entre capital e
futebol é estreita: poder de sustentação de profissionais, pagamento de massa
salarial e outras despesas de monta. Os clubes não conseguem mais viver sem o
merchandising. A camisa está alugada. É
interessante ver a transformação do símbolo e a própria resignificação de
termos no mundo do futebol. Perdeu em
densidade expressões como amar a camisa, suar a camisa, dar a alma pelo time e
por aí vai. É que o universo do futebol cada vez mais se dilui em mercado.
Bom, Contexto tem se
beneficiado e muito da participação de Lautheney Perdigão que se prepara para
um blog do Museu, que merece ser acessado por todos nós. Hoje ele nos traz a história de César,
goleiro que marcou época. Ser goleiro é algo dificílimo e requer, a meu ver, um
enorme senso de ângulos. O goleiro é um geômetra, um calculador de ângulos. Foi
uma posição em que nunca pisei. Fui ruim em outra, eu era péssimo em tudo mas
especialmente onde eu teimava em jogar: center-half. Não sei como se chama hoje. A bola era quem jogava e não eu.
Apesar de tudo, continuo
amando o futebol e vendo sentido em declarar minha ligação com o CRB e com o Flamengo, coisa bem semelhante ao
Toroca. Acho que foi por conta do Toroca que me deram um título de Sócio
Honorário do CRB. É isso, Toroca?
Sávio de Almeida
DEPOIMENTO PARA A HISTÓRIA: César –
Goleiro do CRB
Lautheney Perdigão
1979 - Tetra campeão |
Defender uma bola que vem alta, rebater de soco ou fazer uma
ponte, são coisas que um bom goleiro deve saber fazer para não errar. Socar uma
bola no ar não é tão fácil quanto pode parecer. Exige uma coordenação de
movimentos muito grande, principalmente se o goleiro usar apenas os punhos. E
todo bom goleiro precisa ser tranquilo, elástico e voador, quando necessário.
Carlos César tinha tudo isso e mais alguma coisa. Seguro, correto, profissional
compenetrado de seus deveres, primando sempre pela disciplina, César sempre foi
querido pelos companheiros e respeitado por dirigentes e torcedores. Nasceu no
dia 22 de setembro de 1954. Estudou no Colégio Guido. Sempre gostou de uma boa
música e é fã de Roberto Carlos.
Começou nos juvenis do CSA em 1971. A oportunidade surgiu através
de um convite do amigo Capeta. No clube do Mutange se deu bem e logo era
titular da equipe. O técnico era Gerson que o incentivava bastante. César
ganhava vinte cruzeiros por semana. No momento da reforma do compromisso dos
dirigentes azulinos, prometeram um aumento e não cumpriram. O tempo foi
passando, surgiu um convite do CRB que lhe garantiu uma boa gratificação e
César se transferiu para Pajuçara.
1980 |
No clube alvirrubro, assinou um contrato de gaveta que deram
entrada na Federação em março de 1973. Durante dois anos atuou pelo juvenil do
clube. Formou ao lado de Jeová, Ailton, Marcus, Jorge Siri, Roberval Davino,
Capeta, Everaldo e outros, um dos melhores times da categoria. Graças as suas boas
atuações no gol do time juvenil o treinador Jorge Vasconcelos começou a colocar
César no banco de reservas nos jogos do time principal. Sua estreia se deu contra o ABC de
Natal no jogo de entrega das faixas aos Campeões Alagoanos de 1972. Jorge
Vasconcelos foi o técnico que acreditou em seu futebol. Ofereceu a César as
grandes oportunidades que ele soube aproveitar. Quando era escalado como
titular, sentia-se muito bem.
Fisicamente estava excelente. Tecnicamente lhe faltava
experiência. Isso ele foi conquistando com os jogos. E a partir do jogo contra
o Bahia no Campeonato Brasileiro de 1973, César se tornou titular absoluto do
CRB. Honesto e aplicado nos treinamentos, o jovem goleiro começava a ter o
gostinho de ser ídolo de uma grande equipe.
Houve um período que César poderia ser transferido para o Flamengo
do Rio de Janeiro. Seria uma grande chance para o jovem goleiro. Acontece que
os dirigentes do CRB acharam que era muito cedo para sua saída da Pajuçara. Sua
inexperiência poderia lhe prejudicar no futebol carioca, porém prometeram que
no futuro poderiam facilitar sua transferência. No começo, César ficou
chateado. Jogando no futebol carioca, ao lado de grandes craques, ele poderia
aprender bastante. Mas, como bom profissional, acatou as ordens de seus
superiores.
Asa de Arapiraca |
Continuou defendendo a meta do CRB com uma frieza que, às vezes,
amedrontava seus torcedores. Quando o perigo rondava sua área, ele se mantinha
calmo, procurando se colocar de acordo com o rumo da bola. Uma de suas
qualidades era a de não ficar nervoso. Por isso, inspirava confiança a todos os
seus companheiros. A chegada do novo goleiro Jonas serviu de incentivo para
César. Ele era o titular. Tinha confiança em si mesmo e para Jonas tomar seu
lugar tinha que provar em campo que era melhor do que ele. A sombra de Jonas
fazia com que ele treinasse mais, cuidasse-se mais. E César se tornou amigo de
Jonas. A rivalidade era apenas no campo.
Nem sempre os chutes contra seu gol são motivos para fazer pontes
sensacionais ou voos espetaculares. César preferia as defesas mais simples e
sem complicações. Para impedir que a bola ultrapassasse sua meta era necessário
muito treino, muito preparado físico, muito talento. Para César, o chamado gol
frango era normal. É como se um atacante perdesse um gol feito. Todos falham e
o goleiro também. O gol perdido é sempre esquecido e o frango passa a ser uma
triste lembrança para o goleiro que falhou. Na história do futebol, até os
grandes goleiros falharam. Ele era favorável à concentração, porque nem todos
os atletas eram responsáveis. No CRB, foi tetracampeão nos anos de 1976. 1977.
1978. 1979.
No ano seguinte, o clube da
Pajuçara poderia ser pentacampeão. Na penúltima rodada, em jogo realizado na
cidade de Arapiraca, o CRB enfrentou o ASA. Quando o marcador era de 2x2,
aconteceu um pênalti a favor do clube da Pajuçara. César foi para a cobrança e
perdeu. Se o CRB vencesse, jogaria pelo empate na rodada final contra o CSA.
Com o empate, quem jogou com a vantagem foi o clube azulino. Para César, o
pênalti perdido contra o ASA não teve muita repercussão depois da partida.
Afinal, o clube ainda tinha um último jogo. Depois do clássico com o CSA, o qual
ganhou o campeonato com o empate, e o CRB perdeu o tão sonhado título, foi que
começaram os comentários. “Quem devia ter cobrando o pênalti era o Joãozinho
Paulista”, “Se César tivesse feito o gol o CRB teria sido penta”. Coisas assim
ele ouviu muito.
Suas grandes atuações no Brasileiro de 1980, principalmente depois
do jogo contra o Paysandu, quando César fechou o gol, chamou a atenção do
treinador João Avelino, que indicou seu nome para Osvaldo Brandão que estava
reformulando o plantel do Corinthians. Veio a Maceió um empresário que tomou
informações sobre César junto a torcedores, cronistas e dirigentes. Nem
precisou observar César jogando. O goleiro alagoano estava contratado pelo
Corinthians. No início, financeiramente não foi muito bom. No CRB, ganhava
quarenta mil e tinha casa, comida, a família e os amigos. Assinou com o
Corinthians sem luvas e cem mil por mês, contudo pagava apartamento, comida,
não tinha a família ao seu lado e os amigos estavam longe. Tudo era compensado
pelas gratificações que recebia por vitórias . Muitas vezes as gratificações
mensais eram maiores do que o salário.
No Corinthians teve bons e maus momentos. Treinava muito, pois
tinha que mostrar serviço. A imprensa paulista e a torcida corinthiana achava
que César era um goleiro baixinho. Mesmo sem ligar para algumas críticas, ele
treinava mais que os outros. Entre 1981 e 1983, César vestiu a camisa do
Corinthians com muito profissionalismo. Seu grande momento no futebol aconteceu
no dia 14 de março de 1982, quando o Corinthians enfrentou o Internacional de
Porto Alegre no Morumbi. Os paulistas venceram por 1x0 e César fechou o gol. A
torcida gritava seu nome e ele ganhou todos os prêmios de maior jogador da
partida. Na segunda-feira, os jornais só falavam em César:
“A César o que é de César” – “ As mãos de Ouro” – “O pequeno
grande César” – “O Dia em que César foi herói corinthiano” – “Corinthians
supera Inter em tarde de César” – “Nunca vi coisa Igual”.
Essas foram algumas manchetes de jornais de São Paulo depois do
jogo contra o Internacional. César foi uma muralha. Era reconhecido na rua,
dava autógrafos, chegou a fazer parte da lista de 40 jogadores pré-inscritos
para a convocação de Telê Santana para a Copa de l982. Era uma felicidade que
parecia não ter fim. Dias depois, um chute sem maiores pretensões do lateral do
Grêmio de Porto Alegre foi exatamente em cima de César que falhou e o gol foi
marcado. O goleiro jura que a bola não entrou. Foi um jogo noturno e o juiz
somente marcou o gol porque o bandeirinha apontou para o centro do campo. Se no
domingo tinha sido herói, naquela noite passou a ser o vilão da fiel torcida. A
derrota tirou o Corinthians do campeonato e, desclassificado, César foi
dispensado. Depois do jogo contra n o Grêmio, César ficou conhecendo como é o
tratamento de dirigentes com os jogadores.
O diretor de futebol do
clube era Adilson Monteiro que depois dos jogos sempre lhe procurava para os
tradicionais tapinhas nas costas e a promessa de boas gratificações. Depois do
jogo com o Internacional, Adilson só faltou colocar César nas costas e sair
correndo pelo gramado. Quando o jogo do Grêmio terminou, o diretor fez que não
viu o goleiro. Logo depois, César era emprestado ao Juventus.
A posição de goleiro é difícil e ingrata. Quando toma um gol
defensável é o bandido, o estraga festa ou simplesmente o frangueiro. Na
alegria das vitórias nem sempre são lembrados pelas belas defesas. As atenções
são voltadas para os artilheiros. Dificilmente acontecem casos como aquele de
César contra o Internacional, já que no jogo seguinte o melhor pode virar o
pior. As mãos que aplaudem são as mesmas que jogam pedras. César foi emprestado
ao Juventus de São Paulo onde teve grandes atuações. O clube da rua Javari
estava pronto para comprar seu passe que pertencia ao Corinthians.
César não teve paciência de jogar em um time considerado pequeno
como o Juventus e isso atrapalhou seu trabalho em São Paulo. Poderia continuar
jogando e depois conseguir um clube de maior torcida. M agoado com as críticas
de certa parte da imprensa e da torcida do Corinthians, preferiu retornar a
Alagoas e assinar contrato com o ASA de Arapiraca. Foi uma boa passagem pelo
clube alvinegro, afinal estava perto da família e dos amigos. Não foi melhor,
porque o ASA tinha problemas que eram passados para o plantel. Depois, foi
jogar no Flamengo do Piauí. Foram dois anos e meio de muito sucesso. Foi
campeão e sempre como o melhor goleiro do campeonato. Criou grandes amizades e
tinha o crédito de todos daquela cidade. Retornou para Maceió e lembra com
muita saudade o período quem vestiu a camisa do Flamengo.
Para César, o melhor treinador foi Jorge Vasconcelos. Com ele
aprendeu muito. Jorge era um técnico exigente, mas justo. Seus jogadores eram
seus amigos. Por isso, o time foi muitas vezes campeão com ele. Quando César
chegou no Corinthians, encontrou Osvaldo Brandão. Um bom técnico, entretanto na
hora do aperto sempre procurava colocar a culpa nos jogadores mais humildes.
Tecnicamente, o melhor foi Candinho. Ainda no Corinthians, encontrou um goleiro
que não era flor que se cheirasse. Chamava-se Rafael. Tinha jogado no Coritiba
e achou que seria o titular.
Na reserva, não falava com César e procurava, de todas as maneiras,
criar problemas para o goleiro alagoano. Por ser um atleta disciplinado e que
não discutia com arbitragem, César nunca foi expulso de campo em mais de dez
nos de profissà £o. Ele pretende receber o prêmio Belfort Duarte que foi
instituído para os atletas mais disciplinados do nosso futebol. Outro episódio
que tira César do sério, é quando se comenta sobre a Máfia da Loteria. No
início dos anos oitenta, o radialista Flávio Moreira o denunciou como
integrante da Máfia da Loteria.
Apesar de logo depois seu nome ter sido retirado da lista, o boato
se espalhou e muita gente olhava atravessado para ele. Foram momentos difíceis
de sua vida. Quando se fala sobre o assunto, César duvida que alguém possa
acusá-lo novamente. Para aqueles que o conhecem, sabem do comportamento de
César dentro e fora dos gramados. Todavia, a injustiça serviu para realçar sua
grande virtude: a personalidade. Lutando calado em meio à tempestade, sem
lamentar ou lançar acusações precipitadas, ele continuou dando duro nos
treinamentos.
Apesar de tudo, valeu a pena passar mais de dez anos jogando
futebol. Fez muitas viagens, conheceu países lindos e desfilou seu grande
futebol em estádios normalmente lotados. Um rapaz que saiu de Maceió para jogar
no Corinthians, um clube que tem uma das maiores e fanática torcida do mundo e
começar a viajar de Jumbo para conhecer países com costumes e tratamentos
diferentes. O México foi aquele que mais o impressionou. Um povo que ama o
futebol e sempre lota seus estádios. César conta que foi na cidade do México
que fez sua maior defesa como goleiro.
Um chute forte, um pulo para o lado, a bola desviada para o outro
e ele teve que voltar e fazer sua grande defesa. Como todo mundo, César também
teve suas grandes emoções. Conquistar o tetracampeonato pelo CRB jogando nos
quatro anos consecutivos foi bom demais. No ano do tetra, o clube tinha como
base jogadores da nossa terra. Eram sete os nossos jogadores. Apenas Deco,
Mundinho e Flávio vieram de outros Estados. O CRB passou um sufoco nas três
últimas rodadas, mas valeu a pena. E o título chegou no clássico contra o CSA,
quando o CRB venceu por 2x0. Conquista de título derrotando o tradicional rival
tem um gosto mais especial.
Nos dias de hoje Cesar vive na Barra de São Miguel onde atende com muito carinho turistas que visitam aquela hospitaleira cidade.
Nos dias de hoje Cesar vive na Barra de São Miguel onde atende com muito carinho turistas que visitam aquela hospitaleira cidade.
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