Dia oito de janeiro de 2012
Os grandes amigos também morrem
Acabo de chegar do cemitério.
Ontem mesmo, eu soube do falecimento. Estava almoçando na estrada e a
participação fúnebre foi realizada pelo Homero Cavalcanti e Ronaldo de Andrade
em um posto de gasolina na área de Messias, antigamente chamada de Curralinho,
coisa que o povo detestava. Os dois foram comprar picolé e disseram. Pesou! Mas
continuei rindo, na companhia de duas amigas, com as quais fui visitar um
assentamento.
Cheguei sorumbático em
casa. Afinal de contas, Anilda Leão era uma referência de carinho em
minha vida e eu acredito piamente que ela morreu. São 88 anos que se
passaram naquele sorriso bonito.
Deles, fomos ligados pelo menos uns 40, até
mesmo pela amizade que eu tinha com o Carlos Moliterno, seu esposo, e que
foi inaugurada pelo Theo Brandão em sua casa, ao tempo uma construção solitária
em um pedaço de praia que o próprio Theo batizou de Jatiúca, palavra indígena
que significa carrapato.
Fomos confidentes: Anilda e
eu. Pouca gente sabia da profunda intimidade que tínhamos; talvez seus filhos e
alguns poucos amigos. Sabíamos particularidades, dessas que a gente diz: Nunca contei a alguém.
Conversávamos pouco e raramente, mas quando a gente se via, abria a torneira do
tempo.
Não vou falar de sua
presença no movimento feminista, nem sobre seus dotes literários, sua
importância na vida de Alagoas. Quero somente mencionar o tradicional
cumprimento ao pé de ouvido, para ninguém ouvir. Eu a abraçava com
força e falava: “Diga, sua doida!”. A resposta era infalível: “Diga, seu
maluco!”. E precisava mais do que isso para celebrar um amor de amigo,
cantigas de persistência medieval nas duas cucas alagoanas? Depois,
quando havia espaço, a gente se afastava: “Você tá bem, amor?”. Era um sim ou
era um não; se era um não, vinha uma carícia na cabeça; se era um sim, o
sorriso se abria em duas bandas de abacate sem caroço.
Eu nunca esqueci Anilda,
tenho uma foto dela em meu escritório. Foi o Isaac, aquele que tirou a foto,
bateu a chapa como se dizia. Assim que recebi o instantâneo, fui comprar um
porta-retrato, dos baratinhos, para não estourar o cheque especial pois
professor não pode comprar qualquer porta cara, especialmente quando porta um
retrato.
Estou partilhando a foto
com vocês; gostaria que notassem quanto a protejo e quanto ela se aninha, uma
Sinhá Aninha, uma sianinha em minha vida.
Não fui vê-la no caixão. Fiquei de longe. Sentei numa
cadeira, dentre muitas cansadas de bundas que veloriorizaram
naquelas capelas. Egoisticamente, pensei na minha própria morte e no quanto
deve ser chato a gente ser enterrado. No meio do assuntamento, procurei
pela música que eu gostaria de cantar, um defunto alegre e ao mesmo tempo
resistente. Lembrei de um frevo que eu costumava sair pulando no carnaval com
uma garrafa de cachaça pendurada na cintura e uma chupeta furada no gargalo.
Veio à cena, o velho bloco Barril de Óleo em Palmares, Pernambuco. O frevo
dizia assim – e te juro sua doida, que cantei para você ao ver
passar aquela caixa de madeira onde lhe guardaram –:
Eu não vou, vão me levando
Vão me empurrando
E desse jeito, eu tenho
que ir,
Vocês vão me desculpando
Mas eu não vou,
Vão me levando!
Eu quero ser enterrado na folia. A Zana Vilela tem todas as instruções;
ela sabe tintim por tintim como quero meu enterro; passei uma tarde de cerveja
dizendo a ela e ela rindo do protomoribundo. Mas, não havia razões para estar de
gargalhada, não havia mesmo! Espero que mesmo rindo, ela tenha tomado nota.
Faltou assentar uma coisa no papel. Assim que eu desencarnar (expressão que você
gosta, Anildinha) ou desossar como prefiro, quero ser recebido por você devidamente
pastorizada mas de azul. Azul é o céu, azul é o mar, azul é a Anilda que nós
vamos coroar. E por falar a verdade, nem sei se você é do encarnado. É melhor
ir de Diana mesmo!
Um recorte fotográfico da partida de minha amiga
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