Um
bilhete sobre um missionário metodista nas Alagoas
Ainda
não chegamos diretamente em Kidder, mas chegaremos. Esperamos que as notas sejam
úteis para fomentar a necessidade de ser discutida uma história protestante nas
Alagoas. Das que publicamos, como já dissemos, constam textos de um diário que
mantemos e onde se encontram parágrafos esparsos sobre o protestantismo em
Alagoas.
Sávio
de Almeida
Luiz Sávio de Almeida
COMEÇANDO A CONVERSA
Jamais
a sagração de um homem deixa de conferir-lhe poder; tem poder o padre e tem a
sua contrapartida de beata; tem poder o pastor e todos os que o rodeiam e saem
da massa dos fieis. O senso do pastor é exatamente solenizado com sua estrutura
de acólitos, como tem o babalorixá, yalorixá ou pajé. É como se o chamado sacerdócio necessitasse
de uma espécie de entronização de corte, na medida em que se dá a situação do pastoreando, babalorixando,
padreando, freiolando, yalorixando, verbos especiais e ligados ao modo
religioso na estrutura cultural. Mal comparando, poder-se-ia pensar numa
espécie de sociedade de côrte ou pelo menos de seu mundo de cortejo.
É como
se o teatral litúrgico se projetasse numa eterna solenização com seus temas e
tramas ligados ao cotidiano das igrejas; claro que o missionário, aquele que
trazia notícias de um novo mundo, estava cercado e buscava a consolidação da vida de um grupo. Socialmente, ele era o homem
da grande pregação, aquele que conhecia os caminhos e veredas, evidência das sendas a levarem a
Deus, sempre certos de que faziam parte de uma verdade que lhes fora reservada,
na medida em que foi construída a ideia de suas próprias salvações. Na vinda protestante, como já frisamos
anteriormente, estava sendo pregado um novo modo de ir à salvação, de romper
com a velha ideia de uma igreja assentada nas marcas coloniais.
Deve
ter acontecido uma imensa amarração entre o poder e o missionário. E daí se
começa a institucionalização e um mando, que muitos não desejam ver. Não é uma
subordinação de mero cunho econômico, como se o dinheiro estivesse corrompendo
as consciências: o ajuste era bem mais largo e mais profundo pois ele era quem
sabia o modo de ser crente e deve ter havido um grande desconforto cultural
entre o que se encontravam no rumo do ser salvo e aqueles infernizados pelas
práticas anti-cristãs. A salvação católica era solenizada de uma forma
complexa, a salvação protestante de modo simples, mais direto.
A
SUBSTITUIÇÃO
No
pensamento popular, devemos recordar o poder dado ao sacerdote católico. Como
exemplo, não importa se era acreditado
ou não, mas se o padre não encontrasse a Aleluia, o mundo se acabava. Ouvi isso
muitas vezes, quando era menino, ao lado de um deboche que ultrapassava as
Trevas, com a malhação de Judas e de um
pequeno dito que ouvi repetido: Aleluia,
aleluia, a comida no prato e a farinha na cuia!. Era a Aleluia rompendo a
Treva, recompondo o ciclo litúrgico e do cotidiano que se voltava para o
prosaico da cuia.
No
mínimo, o saber de onde estava a Aleluia, dava ao padre uma intimidade com
os mistérios: ele sabia onde estava a
vida do mundo. Não seria fácil
substituir por um pastor, de uma hora
para outra rearrumar o sagrado e nem de
esperar uma passagem significativa de sacerdotes católicos para a nova ordem.
As passagens sempre seriam tomadas como marcos emblemáticos de vitória. O
sagrado tinha seu lastro nas Alagoas profundas, codificando o comportamento do
vigário colado e do encomendado, e de toda a legião de instrumentos
associativos e de controle movidos pela Igreja Católica.
Um
padre era um trunfo ao fazer o que se chamaria de apostasia. É o
caso de Antônio Teixeira de Albuquerque – no âmbito batista – , bem como o de José Manuel da Conceição, no
campo presbiteriano. Pelas informações de Oliveira (2003), Antônio Teixeira de
Albuquerque casou no Recife em 1878;
Rockwell sendo oficiante. Este John
Rockwell Smith – presbiteriano –
parece iniciar a saga missionária em Alagoas,
tendo sofrido vexames pelos lados
da Rua do Comércio em 1874, conforme se lê em Geier (2008). O Antônio Teixeira de Albuquerque transfere-se
para o Rio de Janeiro (Igreja Metodista do Catete) no ano de 1879; em 1880 vai para Piracicaba e será batizado, ingressando na Igreja Batista. Dois anos após, estará fundando a 1º Igreja
de Salvador, de acordo com Silva e Silva
(2008). Ele desenvolverá um trabalho essencial para os batistas, conforme
avaliação de Silva (1999), em interessante texto sobre o protestantismo no
contexto afro-brasileiro de Salvador. Antônio Teixeira de Albuquerque era
alagoano e nascido em 1840 em Maceió, tendo falecido em 1887. O ex-padre (circa 1884) escreveu um texto intitulado
Três razões por que deixei a Igreja de
Roma.
OS
CAMINHOS MISSIONÁRIOS
O fato é que pelos finais do Século XIX, as principais denominações estarão instaladas no Brasil
conforme referem Gouveia e Mendonça
(2008). Instaladas, no caso, é um termo forçado; já havia sido penetrada a
brecha no controle do catolicismo sobre o estado ou do estado sobre o
catolicismo, coisas diferentes, mas faces da mesma moeda. A maioria dos
trabalhos que li, tende a não lidar bem – claro que a meu ver – com
a questão histórica denominacional, e, por esta razão, o contexto do cotidiano é esmaecido. Os
grandes lances políticos são atrativos para os que buscam a discussão do poder,
enquanto que os confessionais deslocam a história para a salvação.
Houve uma severa polêmica para que se desse o trabalho
missionário na América Latina em geral e no Brazil em particular. A primeira
experiência teria sido na Patagônia, década de trinta do século XIX. O que estava em jogo eram as missões para
África e Ásia, mundo de ausência de uma tradição cristã. Posteriormente é que
vai ser aceita uma área do mundo que estava esquecida como palco de salvação e
é justamente aí, que reside a natureza do choque que se estabelece com o
confronto que vai acontecer. O processo seria diferente da celeridade de
penetração protestante na Europa, pois as circunstâncias sociais, econômicas e
políticas eram outras. Enquanto o protestantismo debatia-se na Europa, houve a
paz católica nas colônias, habilitando ingressar na complexidade entre
infraestrutura e cultura, de uma forma diferente do caminho ideológico e
político que se deu na área européia.
A VIRULÊNCIA
Em uma análise realizada em 1842,
Balmes via o caminho do confronto europeu, a capacidade de resistência e de
incremento protestante, levando-nos a passar pela estruturação do capitalismo;
a história da estruturação deste capitalismo na Europa e nas colônias é
diferente e, novamente, tem-se as grande condicionantes presentes no sistema.
Dentre elas, a conhecida tese da interligação entre variabilidade e erro.
Acontece, contudo, que as diferenças denominacionais (a variação) jamais
pesariam efetivamente no jogo político, pois oficialmente e no jogo do profundo
nacional sempre em construção, as variações efetivamente não existiam pois
estamos diante do monocórdico católico.
Havia uma unidade a ser combatida, tanto no espaço teológico formal
quanto no informal.
O nível europeu de controvérsia
chegava a passar por extrema virulência na escrita, como a adotada, por
exemplo, na França por Seguir (1862), intitulado “Prelado Romano e Canónigo del
Capítulo Imperial de S. Dionísio”. E é
interessante o tom que utiliza para falar das virtudes de sua obra, quase como
se fosse daquelas correntes que costumavam circular: aconteceu tal coisa na
Venezuela, tal coisa com a mulher de Putifar... Dava-se a necessidade de demonstrar
a importância de seu texto mais pelos resultados que promulgava, do que pela discussão dos argumentos. Na verdade
as razões se repetem ao longo da bibliografia. A Igreja se colocava como
agredida e em defesa, o que a livrava para um sem fim de perseguições, enquanto
o protestantismo se posicionava por um ataque permanente mas em campo minado.
Esta era a natureza da porfia e no caso alagoano, ela deve ter começado
incipientemente com os primeiros ingleses e depois ter ganho em vulto, devagar
RAÍZES PROTESTANTES
È difícil querer radicar o protestantismo brasileiro, no
sentido de assentar suas raízes nas invasões colonial e mercantil dos franceses
e holandeses. Nem mesmo seria de rigor
pensar nos bolsões evangélicos provocados com a importação da mão de obra e
colonização agrícola; ele se instala em um estagio do capital na atualização
das estruturas do Império que começam seus fundamentos nos anos 50 do século
XIX e, acontece de fato, quando o termo missão assume relevo, procurando fundar
sistematicamente o processo de quebra da hegemonia católica e este processo vai
acontecer em torno de 130 anos, quando varia a própria composição política
brasileira, talvez sendo nos impasses entre a Igreja Católica e os Militares
que se abra o maior espaço para o protestantismo junto ao poder na década de
sessenta. São raro os momentos de
confronto deles com os protestante e mais raros ainda na medida em que trabalha
no nível das instituições.
INFORMES SOBRE ALAGOAS
Neste contexto, Alagoas
será atingida no século XIX, mas o registro é
extremamente parco e de difícil acesso. Possivelmente são os batistas,
aqueles que realizaram maiores esforços no sentido de construir uma história,
mas há de se convir que são eleições pessoais, são casos esporádicos e ao longo
de existência do protestantismo em Alagoas não se formou um interesse efetivo
de grupo na produção intelectual sobre o processo que se viveu em Alagoas. Há o que se pode chamar de antiguidade
evangélica em Alagoas; por exemplo, os
presbiterianos estariam com igrejas em 1887, tanto em Maceió quanto em Pão de
Açúcar, ambas fundadas por John Rockwel
Smith e José Primênio, segundo material do Instituto Presbiteriano
Mackenzie.
Estamos com mais de um século e pouco ou quase nada é
discutido. Existe, em trabalhos que li e alguns sobre Alagoas, o
que entendi como um problema: a carga da herança missionária e os informes
circulando em circuito que pode chegar ao viés de uma história personalizante.
Claro que não se pode anular a igreja missionarizada, mas o extremo consiste em fundar uma regra-de-três histórica e que termina por
retirar a efetiva representatividade do local;
afinal de contas, tanto ou mais do que o bode estrangeiro sofria o bode
local na edificação de sua Igreja.
É claro que a figura
missionária é chave,
mas centrá-la pode tender a
deslocar o eixo do sujeito histórico que
é a congregação ou a comunidade de fé;
aquilo que fundamenta a idéia de Igreja é a existência de comunidade, pessoas que se repartem gerando
aquilo que é comum. Não assumindo desta forma o processo, jamais o historiador poderá
chegar aos fundamentos do cotidiano, e jamais se encontrará o verdadeiro
sujeito do processo. Sem isto desaparece a possibilidade de uma história, pois
some o povo que se fez evangélico. Onde a figura do missionário é fundamental,
está no grande jogo político armado.
De fato, haveria a necessidade tática de aproximação ao
poder de mando e ocorre a entrada
protestante, a nosso ver, no aproximar-se do jogo do mando imperial e
avantajar-se no jogo do mando do poder local, onde efetivamente se
daria o cotidiano ou a presença na sociedade do protestantismo. Eram formas de
poder ligadas às estruturas de mando, que teriam significações táticas
absolutamente diferentes. No que tange
ao imperial, havia a possibilidade de articulação com conservadores e liberais.
Entenda-se que a expressão americano transforma em homogênea uma situação
heterogênea chamada Estados Unidos da América, especialmente quando se aplica
àquela época quando o país vai marchando, inexoravelmente, para a divisão entre
norte e sul, o que atinge suas igrejas; em grande parte nós estamos diante de uma vinda sulista, no
que veja-se o destino, podem ter pesado as
noticias sobre Alagoas, justamente a partir de Kidder. Sem dúvida o
livro de Kiddder circulava também pelo sul, conforme se pode ler em Carl A. Youngblood em seu ensaio cujo título é
sugestivo: Sonhos do Exílio:
Confederados Norte Americanos no Brasil. O texto era conhecido no
sul dos Estados Unidos e talvez tenha ajudado a pensar a reconstrução de um
mundo nos trópicos. O escravismo brasileiro não seria afrontado.
Estamos diante de um contexto confederado a buscar uma forma
de reproduzir-se, agora, vendo o espaço
tropical, inclusive, pelo Império ter sido ligado aos confederados.
Escreve Adamovicz em seu texto de
doutoramento baseando-se em Dawnsey (2008: 48)
cujo livro sobre a imigração foi publicado em 1995 no Alabama: “Após a derrota dos Confederados, [...] um grande número de americanos sulistas
descontentes [...] decidiu deixar os Estados Unidos. O governo brasileiro que
havia sido aliado dos Confederados [...]...” Jamais estaríamos dizendo, contudo, que vieram com a intrínseca e exclusiva finalidade
de reproduzir o modelo sulista, a sociedade
da plantation feita em torno de Deus,
como se dava na plantation brasileira
catolicamente administrada.
O que não se pode negar
são as possibilidades de afinação entre o algodão sulista (que sofreu
com a guerra), a posição do Império ao lado Confederado, a necessidade da
economia imperial solver seus problemas de fluxo de força-de-trabalho, implementando a colonização estrangeira e
encontrando a evidência religiosa, por exemplo, de uma pobreza européia que,
salvo a italiana, não seria obrigatoriamente
católica. A religião de estado teria que transigir com o processo de
geração de renda. E esta era uma brecha.
Aliás, continuando a
ligação com momentos políticos e econômicos, convém considerar a vinda de D.
João VI e as conseqüências da chamada abertura dos portos e com isso, imediatamente,
estamos diante da Igreja Anglicana. As brechas permitiam o estabelecimento de
cunhas, mas não a institucionalização. A Constituição gerava duas situações: a
pública com templos e a privada. O estado ficava católico e a casa poderia ser
protestante. A institucionalização
protestante vai passar pela busca do espaço público, por fazer-se evidente, mas
isto não se distanciaria dos momentos básicos da formação histórica brasileira
que estariam na escravidão e no capitalismo, elementos contextuais
fundamentais.
Há de se ver os problemas batista nos Estados Unidos em
1845, os problemas metodistas em 1844.
Nota-se como as igrejas não podem ser
afastadas das vicissitudes históricas, justamente pelo fato de serem comunidades
e a vida-de-fora não se isola da vida-de-dentro. Um indivíduo não é calvinista
por ser comerciante e nem é comerciante por ser calvinista, mas jamais este mesmo indivíduo ao ser um
acontecimento deixaria de ser um
calvinista-comerciante e um comerciante-calvinista e estas duas condições
podem estar plenamente em tensão, daí
cindir-se a Igreja. A mesma cisão parece que vai acontecer na Igreja
Presbiteriana no ano de 1857. Há uma revisão do encontro entre abolição e
protestantismo no Brasil escrita em Andrade (2002) que informa sobre este
andamento.
A vinda de americanos
do sul não demarca uma igreja necessaramente
escravista e até se darão encontros abolicionistas. A mesma Andrade
afirma que 1884 será um ano de evidente inflexão, mencionando matérias em o Novo Mundo e Imprensa Evangélica
de caráter plenamente anti-escravista. Ela cita Boanerges recordando o pastor
presbiteriano Eduardo Carlos Pereira e a série de artigos por ele escritos
contra o instituto da escravidão. É
ainda Andrade quem menciona um dado importante: ideologicamente havia a
proposta que ligava atraso à escravidão
e, então, de certo modo, amenizamos a
afirmativa, os protestantes estariam em condição de se argumentarem como
representantes da mudança.
Como se nota, a existência de um campo religioso no sentido
de Bourdieu demanda a contextualização
do sagrado ou, como na construção do espaço no sentido de Milton Santos, incide o histórico do sagrado. Neste campo,
sem dúvida, lida-se com a legitimidade
e, portanto, com a legitimação; ou, propondo a questão de outra forma, com o processo de tornar-se e ser
legítimo. Deste modo, não é possível que
este processo deixe de implicar numa
negociação constante de fatores de legitimidade e ela se dá na rede das
relações sociais e nas redes do poder: formalizado ou não.
Os passos vão sendo dados aos poucos, aproveitando-se até
momentos maçônicos, sem que acontecesse qualquer pacto conhecido; a forma da
prevalência católica por via do estado era o que unia uma forma de contraposição
no sagrado, onde vai juntar-se o
espiritismo. Ainda na junção, note-se
que a hierarquia católica passa a nutrir expectativas quando
a vinda dos confederados – ameaça
– , ao seguirmos os informes e comentários de Rodrigues (2008). O fato é que se havia uma derivação
conservadora, acontecia também uma derivação liberal e aí aparece a associação
entre Tavares Bastos e Flechter e, possivelmente, o espírito do próprio Imprensa Evangélica.
Esta relação com a estrutura da sociedade leva Santos (2008)
– em seu doutoramento – a propor que, ao estudar a inserção do protestantismo
em Pernambuco, demonstra-se a existência de luta ideológica e não
confessional. Sua tese é que não se
tinha a questão confessional como a base, mas o modo de ver a organização da
sociedade e, aí, todo um universo de construção do social e de produção
ideológica se pronuncia. Evidentemente,
jamais o ideológico poderia estar ausente e é impossível separar o mundo
confessional do ideológico; são formas interligadas e acontecimentos
integrados.
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