PERDIGÃO, Lautheney. DEPOIMENTO PARA A HISTÓRIA: Eduardo Bezerra Montenegro – Dudu. Tribuna Independente. Maceió, 03 jun 2012, Contexto.
Um pequeno bilhete sobre futebol
Lauthenay Perdigão traz uma nova
contribuição para a história do futebol alagoano, com este material sobre Dudu.
Ele tem sido um colaborador incansável. Contexto agradece e ao mesmo tempo
chama atenção para a importância do Museu dos Esportes. Lauthenay é o responsável por um grande
acervo de informações e material sobre nosso futebol; merece ser elogiado e reconhecido por todos
nós. Tudo se deve à sua determinação e disciplina ao longo de anos; ele jogou
futebol, foi jornalista, radialista e um homem apaixonado por um Museu que
criou e está aí, prestando serviços sem grandes ajudas do poder público ou da
iniciativa privada. Contexto sente orgulho ao poder estar com ele vez em
quando, trazendo depoimentos que foram
coletados sobre pessoas que marcaram nosso futebol.
Sávio de Almeida
DEPOIMENTO PARA A HISTÓRIA:
Eduardo Bezerra Montenegro – Dudu
Lautheney Perdigão
Eduardo Bezerra Montenegro nasceu no dia 22 de
setembro de 1924, na Rua Guedes Gondim, 224. Sendo o caçula da família, Dudu
era diferente dos demais irmãos. Sua infância foi relativamente fácil, e quase
sem nenhuma preocupação. Com isso, procurava se divertir o máximo possível. No
seu tempo de garoto, nunca foi matriculado em qualquer Colégio. Assim, não fez
nem o curso primário. Porém, não deixou de estudar. Seus pais o entregaram a um
professor particular. Dudu nunca esqueceu o nome do seu bom mestre: professor
Veras.
Foi na Rua Santa Maria que
apareceu um futuro craque de bola. No começo ele era o dono da bola. Já aos
sete anos, Dudu mostrava o seu espírito de liderança. Mandava no time e ficava
de fora. O tempo foi passando e ele se apaixonou pela posição de goleiro.
Sempre jogou no gol, posição que para Dudu era fácil, apesar da grande
responsabilidade. Ele sabia que, para vencer como goleiro, precisava de
habilidade e sorte. Aos dezessete anos de idade, Eduardo ingressava no Andaray,
clube que disputava a segunda divisão do Campeonato Alagoano. Corria o ano de
1941 e Dudu era reserva do segundo time. Esperou pela grande oportunidade que
não demorou. Um ano depois já era titular substituindo Tonho. Nesse mesmo ano,
apareceu como a grata revelação da temporada. Os jogos do campeonato da segunda
divisão eram disputados no campo do
Vergel do Lago que era famoso pelas muitas partidas disputadas e o número de
torcedores presentes. O time do Andaray era muito bom e tinha em seu plantel
jogadores como Mercí, Roberto, George, Nivaldo Yang Tay, Alziro e outros.
Em 1943, Dudu brigou com
dirigentes do Andaray e se transferiu para o Oceano, clube que também disputava
o Campeonato da segunda divisão. Era uma equipe de ponta na disputa do título
da competição. A estréia do novo goleiro do Oceano foi exatamente contra o
Andaray. Antes do jogo, seus antigos dirigentes fizeram a maior gozação
afirmando que iam fazer um monte de gols naquele jogo. Dudu ficou furioso e
prometeu dar o troco dentro do campo. Veio o esperado clássico, o Oceano venceu
por 5x0 e Dudu fechou o gol da sua equipe. O Andaray não se conformou e pediu
revanche. Nova derrota. Agora por 5x3 com seu novo goleiro fazendo defesas
espetaculares e impressionando aos torcedores pelo seu estilo de jogo. Nesse
mesmo ano, o Oceano disputou o Campeonato Alagoano da primeira divisão. Na
estréia venceu o C omércio por 3x1 e Dudu continuava melhorando a cada jogo.
1946 - Ariston, Dudu, Miguel |
No ano seguinte, houve uma fusão
entre Oceano e Andaray. Dessa fusão nasceu o América Futebol Clube, agremiação
que durante alguns anos foi à sensação dos Campeonatos que participou. A cor de
sua camisa era branca e verde. Carlos Miranda, um conceituado médico e grande
desportista, era o Presidente. Jorge Assunção, seu Diretor de Esportes. E foi
no América que Dudu começou a ser mais notado por suas defesas elegantes, sua
maneira sempre gentil de tratar a todos, fossem companheiros ou adversários.
Com isso, ele passou a ser respeitado e admirado por todos. Em 1945, os
americanos, que tinham em Dudu uma das grandes figuras da equipe, chegaram ao
Vice-Campeonato depois de uma manobra dos bastidores deu o título para o Santa
Cruz no jogo contra o Comércio, que entregou os pontos para o clube do exército. Em 1946 foi um ano especial para
Dudu. O América não foi bem, mas atrapalhou o CRB e garantiu o título para o
Barroso depois de um empate com o Clube da Pajuçara em 1x1. O time americano
era bom: Dudu. Crispim e Nivaldo Yang Tay. Toledo. George e Dirson. Fausto.
Raul. Joãozinho. Ferreira e Zé Cruz.
O prestígio do goleiro era tanto que, quando
havia amistosos com equipes de outro Estado que vinha jogar em Maceió, Dudu era
sempre chamado para reforçar as equipes alagoanas. Quando jogava pelo América,
Dudu nunca teve muita sorte contra o time do Comércio equipe que disputava os
campeonatos alagoanos. Em um desses jogos o goleiro foi atingido violentamente
pelo atacante Cão e teve que deixar o campo com um profundo corte na cabeça.
Depois, cenas lamentáveis aconteceram entre os jogadores dos dois times. O
companheiros de Dudu reagiram à violência do atleta do Comércio. Fora do campo,
o médico do América fez um curativo no ferimento do goleiro e el e voltou com a
cabeça enfaixada.
Agüentou apenas poucos minutos em
campo. Desmaiou e os americanos continuaram a partida com apenas dez jogadores.
Poucas vezes em nosso Estado, um time teve um conjunto tão homogêneo quanto o
do América. Fazia gosto jogar naquela equipe. Apesar da pouca experiência e da
falta de sorte sobrava raça, vontade e amor pela camisa que vestia. Na sua
maioria eram estudantes com vontade de brilhar no nosso futebol. Muitos
jogadores surgiam como verdadeiras revelações.
O trio defensivo: Dudu. Nivaldo Yang Tay e Dirson era o ponto alto do
time.
1946 / Entrando em campo contra os baianos |
Como todo jogador, Eduardo tinha
uma ambição em sua vida: jogar na Seleção da sua terra. Ele não era diferente
dos outros e vibrou quando viu seu nome na lista para a Seleção de Franz Gaspar
que disputaria o Campeonato Brasileiro. Além de Dudu, outros dois goleiros foram convocados: Zé Binga e Humberto. O
Campeonato Alagoano foi suspenso para que a Seleção começasse os seus treinamentos.
Humberto se machucou e saiu da Seleção. No seu depoimento, Eduardo Bezerra
Montenegro confirmou que esta foi um das mais bem preparadas Seleções de todos
os tempos. O Presidente da Federação era Dr. Paulo Neto e o Diretor de
Esportes, o professor Mário Broad. Houve mais de um mês de concentração no
Quartel do 20º BC. Havia harmonia entre dirigentes e atletas. Apenas Baiano do
Barroso e Barthô do CSA f oram desligados por indisciplina. O nosso personagem
se destacava a cada treino e jogo amistoso. Zé Binga também atuava muito bem.
O treinador Franz Gaspar preferiu colocar Dudu
como titular no primeiro jogo contra os sergipanos, jogo este que perdemos por
2x1. Mesmo assim, Dudu e o sergipano Cacetão foram as grandes figuras do jogo.
O segundo jogo em Maceió foi ganho pelos alagoanos por 1x0 nos noventa minutos
e por 1x0 na prorrogação. Classificados, saímos para enfrentar os baianos em
dois jogos em Salvador. Dudu com faringite ficou mais uma vez de fora. Dr.
Paulo Neto chegou a internar o goleiro tentando recuperá-lo, mas não foi
possível. Perdemos de 5x2 com o goleiro Zé Binga sem culpa nos gols. No segundo
jogo, no Estádio da Graça, perdemos de 1x0. Dudu voltou ao time titular e,
segundo a imprensa baiana, foi a maior figura da partida. Foi, talvez, a maior
atuação do goleiro alagoano em sua carreira de atleta. Depois do jogo Bahia e
Vitória se interess aram pelo concurso do Dudu. Alguns dirigentes estiveram no
Hotel Meridional para conversar com o goleiro que preferiu ficar em Maceió.
Aqui estavam sua família, seu emprego e seus amigos. Dudu sempre lembrava com
saudade daquela seleção. Havia união e uma amizade que continuou mesmo depois
que os alagoanos perderam para os baianos. Ele cita nominalmente os jogadores:
Alziro, Miguel Rosas, Ariston, Castelar, Nezinho, Fausto, Bequinho, Zé Maria,
Oscarzinho, Fumaça, Zé Binga, Poty, Baiano e Nivaldo Yang Tay.
Em 1947, o Américo não disputou o
Campeonato e Dudu foi para o CRB. Não teve sorte. Adoeceu logo depois de
disputar os primeiros jogos e foi obrigado a ficar fora das quatro linhas por
muito tempo. A fim de se tratar foi para o Rio de Janeiro onde foi submetido a
longo tratamento. Completamente recuperado, retornou a Maceió um pouco gordo e
fora de atividade esportiva há muito tempo. No ano seguinte, o Américo voltou a
disputar o Campeonato e Dudu retornou aos gramados para defender seu querido
clube alviverde que foi campeão do torneio, jogando com: Dudu. Crispim e
Nivaldo Yang Tay. Fontino. Zoró e Ivon Cordeiro. Hélio Lobo. Louro. Adávio.
Torres e Lenine. A sorte não estava do seu lado. Logo nos primeiros jogos
fraturou os menisculos e resolveu desistir do futebol. Ficou apenas disputando
o voleib ol pelo Flamengo , clube que ajudou a fundar na Praça Deodoro. Somente
em 1950 é que Dudu se encheu de coragem e foi se operar no Recife com Dr.
Barros Lima. Dois anos depois por insistência do Dr. Alfredo Ramiro Bastos foi
defender o CSA. Disputou o primeiro turno do Campeonato e perdeu apenas uma
partida para o Alexandria. Achava que não estava no melhor de sua forma. No
período parado, engordou e achou que era o momento de largar o futebol. Nesse
ano, o CSA foi Campeão e o time do primeiro turno formou com: Dudu. Bem e Mogi.
Oscarzinho. Zanélio e Neu. Cão. Biu Cabecinha. Dida. Edgar e Dengoso.
América |
Apesar de não querer jogar mais,
sua carreira foi encerrada com uma grande decepção. Ainda vinculado ao CSA,
Dudu foi convidado pelos dirigentes do Esporte Clube Alagoas para participar de
um amistoso contra o Santa Cruz de Recife. Ele não aceitou, porque sabia que
estava fora de forma. Os dirigentes tricolores insistiram e, para colaborar com
os amigos, Dudu aceitou. Du du foi o goleiro do Esporte Clube Alagoas naquele
amistoso. Quando o Santa Cruz fez dois gols, ele foi substituído por Pirilo.
Decepcionado e achando que foi injustiçado, parou de verdade. Dudu sempre foi
amador. Nunca assinou contrato com nenhum clube.
Deixando as quatro linhas do
granado Dudu continuou trabalhando no futebol. Começou treinando equipes
juvenis. Como havia feito com o juvenil do América, quando foi campeão em 1947,
passou a orientar a equipe do Deodoro. Foi nessa equipe da Praça Deodoro que
Dudu revelou jogadores que logo defenderam grandes clubes alagoanos e até a
nossa Seleção. Atletas como Zé Luiz, Boleado, Bá, Lula Monstrinho e outros que
se destacaram, mas preferiram os estudos. Quando treinou o Ouricuri, time da
Usina do mesmo nome, o clube fez uma boa campanha no Campeonato Alagoano de
1959. Depois aceitou ser técnico do CSA. Organizou o departamento técnico do
clube. Melhorou os vestiários azulinos dando higiene e limpeza àquele lugar.
Armou uma boa equipe que chegou a ser
Campeão Alagoano de fato em 1960. Entretanto, o CSA perdeu o título nos
tribunais esportivos. Apesar dos esforços e tudo que fez pelo clube, os
dirigentes começaram a interferir no seu trabalho que era vitorioso.
Decepcionado, resolveu se afastar de tudo. Na sua despedida, chegou a se
emocionar junto com seus comandados.
Em 1963 foi para o Estivadores
que era uma das grandes equipes do nosso futebol. Um plantel com jogadores
contratados no futebol pernambucano como Arcanjo, Barbosa, Bibiu, Maurício e
Canhoteiro. Apesar do bom time, o clube não tinha campo para treinar, em
compensação tinha problemas financeiros e má vontade de alguns jogadores.
Canhoteiro queria mandar e escalar o time. Com tantos problemas, mais uma vez
Dudu resolve parar. Como técnico de profissionais, sentiu na pele a força
maligna da ingratidão, da falta de reconhecimento e do desamor ao esporte. E
ele que pensava que o esporte servia apenas para fazer amigos. Deixou tudo. Tinha que cuidar de seus
afazeres como bancário. Era no Banco Econômico da Bahia onde ele ganhava o
dinheiro para sustentar sua família. Para todos aqueles que conheceram Dudu,
são unânimes em afirmar que foi um grande goleiro, disciplinado e, acima de
tudo, honesto com seus dirigentes, companheiros e adversários.
Edu em 1952 |
Dudu jogou numa época do futebol
autêntico, sem influência das bolinhas, sem interesses financeiros e com muito
amor à camisa que vestia. Por ter sido um puro de espírito e de coração. Por
ser um verdadeiro desportista. Por sua dedicação ao desporto alagoano, de sua
terra e de sua gente, o Governador Divaldo Suruagy lhe dedicou o título de
Comendador do Esporte de Alagoas. Para Dudu, tal distinção o envolveu numa
auréola de orgulho e o fez tornar a crer, que o esporte, realmente, é um meio para fazer amigos e que dentro dele,
apesar dos pesares, ainda existe desportistas autênticos e leais,
exclusivamente por causa deles, os desportos ainda subsistem.
Trazendo no sangue, de berço, o
amor aos desportos, Eduardo, ao abandonar o futebol, partiu para um sonho que
até então parecia irrealizável: levantar o amadorismo em Alagoas. E de sua
grande amizade com inúmeras personalidades do desporto alagoano da época,
conseguiu fundar o Flamengo Esporte Clube, tradicional agremiação da famosa
Praça Deodoro, clube que já nasceu Campeão no vôlei, basquete e futebol de
salão. E dentro de suas raízes estritamente amadoristas, Dudu se entusiasmou na
posição de atleta, conseguindo se transformar em um dos melhores cortadores do
voleibol. E o Flamengo se tornou uma legenda de sucessos e glórias, arrastando
sempre um numeroso público aos seus jogos e elevando o amadorismo a alturas
nunca antes atingidas. Aqueles mais velhos lembram de Dudu atuando como “corta
dor” da equipe de voleibol do Flamengo. E tudo começou com a quadra sendo
marcada na calçada da Praia da Avenida que ficava defronte onde hoje é a sede
do clube Fênix Alagoana. Dudu era um daqueles que preparavam a quadra para os
jogos.
Flamengo em 1951 |
Eduardo Bezerra Montenegro, dito
assim, esse nome pode nada significar para a juventude de hoje que acompanha o
futebol. Mas a verdade é que, o dono desse nome em época distante, já foi um
dos maiores ídolos da história do futebol em Alagoas.
Dudu aponta Miguel Rosas como o
maior jogador que viu atuar. Afirma que o zagueiro foi um extraordinário craque
de bola. Na seleção de 1946 o nosso goleiro jogou ao lado do mestre Miguel. Era
uma tranqüilidade para todos seus companheiros de equipe. E foi nesse mesmo ano
que Dudu conheceu aquele que pode se classificado como seu melhor treinador: o
húngaro Franz Gaspar. Era o técnico do CRB e comandou a melhor seleção alagoana
de todos os tempos. Apesar de ter um bom plantel e dificuldade de se comunicar
com seus atletas Franz Gaspar sabia como comandar. Dudu aprendeu muito com ele
e quando foi trabalhar como técnico se utilizou do aprendizado que colheu no
tempo da seleção de 1946. No setor da arbitragem aponta Agustim Farrapeira como
um bom arbitro. Também tinha Waldomiro Brêda. Eram árbitros qu e a grande
maioria dos dirigentes e jogadores confiavam. Para escalar os melhores
jogadores que viu atuar Dudu teve dificuldade. Cada craque tem sua época, seu
momento. Com a nossa insistência resolveu fazer a sua seleção: Bandeira,
Ariston e Miguel Rosas. Poty. George e Tomires. Milton Mongôlo. Bequinho. Dida.
Oscarzinho e Fumaça.
E em um sábado de carnaval quando
muitos já estavam se divertindo, caindo na farra por conta da folia
carnavalesca, nós ficamos em casa cuidando de atualizar nossos arquivos. E foi
assim que recebemos a triste notícia do falecimento do meu amigo Dudu. Com o
impacto da informação, parece que sentimos os tamborins pararem de tocar, as
vozes dos cantores se calarem, os foliões fazerem um minuto de silêncio para
homenagear Eduardo Bezerra Montenegro. Meu pai sempre me dizia: “Fazer amizade
é fácil. O difícil é saber mantê-la”. Nossa amizade com Dudu durou mais de
quarenta anos. Com ele aprendi muito. Ensinamentos no esporte e na vida. Com
ele conheci os caminhos corretos para viver com dignidade. Ele me mostrou que
as grandes amizades são os maiores tesouros que temos em nossas vidas. Mais
vale um a grande amizade do que dinheiro no Banco, dizia Dudu. Infelizmente, a
morte não tem hora para chegar. É uma dor sem remédio. Fica apenas a saudade e
a eterna lembrança de uma figura querida por todos.
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