Um pequeno bilhete sobre a
violência
Luiz Sávio de Almeida
Estamos trazendo uma pequena
reflexão sobre a violência em Alagoas. É interessante estarmos tropicalmente e,
segundo alguns, em plena
pos-modernidade, convivendo com uma
poderosa Esfinge de cor grega fosca: Decifra-me
ou devoro-te. O decifrar sob pressão
da morte passou a ser um quadro estranhamente cotidiano nas Alagoas. Onde
estará o nosso Édipo? No governo, em vilegiatura, em qualquer um de nós ou
devemos esperá-lo como um salvador que anda preguiçoso?
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ALMEIDA, Luiz Sávio de. Um desabafo sobre a violência nesta inefável Alagoas. Tribuna Independente. Maceió, 13 set. 2011. Contexto.
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Um desabafo sobre
a violência nesta inefável Alagoas
Luiz Sávio de
Almeida
É interessante
notar uma situação aparentemente trivial; sempre que algo vai podre neste reino
da Dinamarca, reaparece a cidadania agônica, aquela que somente é argumentada na
hora das agonias públicas. De repente, aquele que é empobrecido durante toda
sua vida, passa a ser visto como o cidadão que deve ser chamado para ajudar – como
peça indispensável –, na resolução do problema, ou seja: trazer o miserável
para o palco e dar-lhe significação cidadã, quem sabe, num verdadeiro exercício
de destruição do próprio senso constitucional.
Foi assim na
cólera: de repente, a pobreza era chamada a saber como defecar com eficiência
pública, ela, diga-se de passagem, que jamais teve condições para ser eficiente
na privada. O trágico é que há razão
neste chamamento por mais doloroso que seja, embora ele tenha que existir
envelopado em um pedido de perdão: Perdoe
Grota do Índio; perdoe! Sem tal exercício de humildade, muito pouco poderá
ser feito, especialmente quando se tem o clima gerado por anos de omissão pública.
A chamada elite alagoana tem que se
debruçar junto às casas mal ajambradas que ajudou a construir e convencer que pode
carregar um propósito honesto.
O Estado
precisa se fazer acreditar. Se a mudança se desse em um circuito fechado, de
muito se poderia ter resolvido as mazelas do sistema. Um objetivo social que se
funda numa ideia de equação já está desmanchado antes mesmo de começar. A
mudança precisa apelar para uma mentalidade e essa é a única possibilidade de
fazer com que as chamadas “políticas públicas” saiam de reuniões e cheguem como
prática efetiva às áreas do povo.
Por onde anda o problema da violência
É preciso que
se comece a discutir um elemento singelo: o problema da violência vem sendo
matéria de discurso ou de ações capazes
de encaminharem um princípio de solução? Em outras palavras, nós gostaríamos
que fosse vencido o quase-dilema-público: o cidadão tem mais medo do traficante
do que confiança no Estado? Não tenho, no momento, qualquer dúvida em dizer que
sim e então: o tráfico vira, a bem dizer, um poder paralelo a somar as misérias
de todos nós?
A grande
vantagem nossa, é que os traficantes estão aparentemente atomizados, parecendo
não haver possibilidade de um extenso pacto territorial. O crack trouxe a
figura de um novo tipo de traficância. No buraco de uma grota vive aquele que
semeia o farto da miséria entre sua própria gente. A modernização da droga foi
conseguida de uma forma inteligentemente perversa: a multiplicação do nocivo a
menor custo. E isso possibilitou uma multiplicação ad infinitum, pulverizando os territórios de controle até um limite
do impulverabilizável. Qual é tal limite? Possivelmente, trabalhar tal questão
termine por nos levar a ponderar sobre os fundamentos que assentam a política, a
economia e gestão da droga.
Por tal caminho, notar-se-á a existência de
uma coluna dorsal; isto parece óbvio,
mas ela distribui os riscos e os resultados nos diversos territórios. Se isto
for verdade ou uma hipótese que deva prosperar, onde a dorsal estaria locada
nas Alagoas? Poderemos ver para além do traficante que mata por vinte mil réis?
Haverá um capo dos capi, a estrategicamente dividir para
governar? Será que o caos do tráfico é aparente? Será que não se tem uma
direção assentada para seus rumos? Será que a estratégia do desenvolvimento de
territórios particulares não é uma maximização operacional e confunde e tira o
enfoque na estruturação da dorsal?
A economia criminosa
Se dermos ao
termo crime um sentido mais elástico, entendendo como criminosos os fatos que
violentam a democracia, o ilegal em Alagoas pode ser bem mais poderoso do que o
legal? O que poderíamos chamar de
economia da transgressão ou da economia política da ilegalidade pode estar
concorrendo com muito mais força e peso nos remansos da renda e do produto do
que a afirmação da legalidade? O que
poderia acontecer com nossa economia, na medida em que se desse uma repentina
honestificação das Alagoas? Imagine-se tudo somado: a droga, a sonegação de
impostos, o engabelamento dos direitos do trabalhador, a sonegação
previdenciária, a lebre levantada por inúmeras operações que já foram
executadas pela Polícia Federal, o assalariamento do compadrismo, o débito para
com os serviços públicos, a pirataria e mais e mais... Tudo somado deveria dar uma
cifra espantosa e assumir uma proporção imensa sobre o valor do Produto Interno
Bruto.
Como se pode
verificar, a droga é apenas um elemento no conjunto da ilegalidade e a seu lado
correm esses vícios que estão, a nosso ver, carcomendo tanto como o próprio
crack e tomara que não se perca o foco sobre eles, sob o argumento da
importância do crack. O combate à droga
passa, portanto, pela renovação do Estado. Ele tem que se fazer respeitar pela
população e tudo começa, novamente, pela necessidade de ser convincente ao
pedir desculpas, ao dizer batendo no peito três vezes: mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa. Miserere nobis. Agnus Dei qui
tollis peccata mundi, dona nobis pacem. No arremedo de celebração que fizemos, está o
caminho da integração, da comunitas a
ser construída. A droga para ser
destruída requer um projeto de comunidade, requer um Estado e um povo andando
no caminho da reconstrução. Comunidade não pode ser confundida com localidade.
A consciência de que é possível ter-ser um mundo novo, é a essência da questão;
mesmo que não se saiba como ele deva ser, tem-se que estar disposto a
procurá-lo.
Alguns casos emblemáticos: o homossexual
degolado
Alguns casos
noticiados pela imprensa durante o mês de agosto são emblemáticos no que se
refere à violência e o primeiro nos leva a pensar no risco que alguém corre ao
ter uma vida homossexual em Alagoas. É o caso do Denilson professor e ator de
teatro e homossexual assumido que terminou degolado. Ele não é um caso fora do comum, é a repetição
de anúncios e mais anúncios. Nossa vinculação com Denilson se deu durante sua
participação em A Farinhada, onde fazia a personagem Chico Chalé. Ele terminou vivendo o seu drama homossexual
sem pescoço, numa brutalidade extraordinária.
Ser homossexual
em Alagoas é situação de risco. Há uma intolerância fantástica percorrendo os
estratos sociais e obrigando a que os gays adotem formas de vida que são
perigosas, algumas das quais podendo ser fulminantes, mormente para os que
vivem uma vida livre, construindo seus desafios pessoais. A morte de Denilson cobra à consciência cívica
de Alagoas, pede que se deixe os preconceitos de lado, que se entenda as
diferenças como mais um motivo de aproximação e não de negação. Será que
saberemos aprender com nossos mortos? Qual a razão de sermos tão perversos, ao
ponto de negarmos a generosidade ao deixarmos o outro lançado na infâmia do
preconceito?
Um segundo emblema: o tráfico esquartejante
Um segundo
caso é diretamente ligado ao uso da droga e nos leva à dona de casa
esquartejada no conjunto Carminha, onde, além da droga, entra o sórdido. Teria
sido um recado da droga? Ela quer ser vista exatamente daquela forma? Para a
droga mandar cometer aquele crime da forma como foi praticado, seria um
desperdício de maldade. Ela sabe que é temida, sabe como resolve seus
problemas, não seria estratégico provocar o sistema daquela forma: tiraram a
senhora de dentro de casa, deram tiros, arrancaram o braço e anunciaram que ela
era cabueta.
Será que a
droga vai anunciando o terror? Pelo menos estamos diante de um sinal que
permite a abertura da hipótese: é perigoso para ela deixar que isto aconteça no
seio do seu próprio lupem. O chefão pode perder o controle. Aqueles
homens que mataram a senhora no Carminha, caso estivessem representando o
tráfico na sua versão local, estariam obrigando o poder a agir de alguma forma
inusitada e o Estado sentiu a necessidade de responder com algo de vulto, numa
espécie de repetição alagoana do que foi o carioca do Alemão. Em outras
palavras, a algo espetacular houve a necessidade de outro espetacular.
A audácia do
Carminha foi o traficante achar-se sem limite, e com a necessidade de mostrar
um lado sádico do processo, que, pelo que conhecemos, não esteve tão
escancarado antes. Daí: ou se dava uma resposta imediata, ou a sociedade mais
uma vez procuraria o Estado e não acharia sequer o seu mínimo. Não vamos
discutir se era necessário ou não, ocupar o Carminha. Jamais as autoridades que
ordenaram a operação estariam de fuzarca pública. Mas acontece que o Estado
ficou com outra batata quente na mão, à qual somente o iluminado do poeta pode
ajudar a demonstrar: E agora José? O
que faço com este Carminha que conquistei? Deixo, à guisa de ligação com o
Estado, um soldado a trabalhar a chamada comunidade?
Nesta altura
do campeonato, algum grupo tarefa já deveria ter sido constituído somando a
área social do governo para um trabalho que tomando o Carminha como ponto,
estivesse sendo irradiado para todo o complexo do Benedito Bentes. E isto
somando as áreas municipal, estadual e federal. Existe recurso? Sei lá! Alguém bastante
objetivo diria: Se vire! Impossível
não é! Neste caso de praticamente uma guerra urbana, antes de entrar tem que
estar preparado para responder à angustiante questão: como ficar? Uma política
de segurança tem que urgentemente saber como conquistar e como estar e, sem
dúvida, ele não é apenas pensar na Polícia Comunitária, mas no desenvolvimento
de área, melhoria mínima e essencial em seus níveis de vida e integrações urbanas.
A Polícia
Comunitária não pode ficar como uma espécie de carteiro sem Correios.
Existindo, deve ser lastreada com ações de Estado e com isso, a base do
desenvolvimento social deve ser tomada como prioritária no Governo. A arrancada da renda foi vista pela
professora Ruth Cardoso e ampliada sensivelmente no Governo Lula com sua
política de combate à fome: operar transferência de recursos, acesso a serviços,
refazendo o perfil da pobreza deste país.
Um terceiro emblema: o crime na ESMAL
Muitas vezes
saí exatamente por aquele mesmo portão com o seu Alfredo, algumas delas com
José Malta Marques, querido amigo. Não era raro ficarmos conversando: Fátima Pirauá,
Carlos Cavalcante, Dirceu, juízes e também amigos. Malta Marques é Desembargador. Jamais, mas
jamais mesmo, em tempo algum, passou pela minha cabeça que poderia estar na
rota de tiros. Aliás, eu tinha confiança e muita, pois lá na frente do prédio estava
uma espécie de atalaia policial, uma posição de vigilância de uma guarita;
vizinho à direção que os tiros tomaram, estava uma espécie de Corpo de Guarda.
Mas não era este fuzuê de segurança, o que me deixava tranqüilo. Agora vejo que
era a sensação de o lugar ser inviolável, pois afinal de contas era uma escola
e, por outro lado, uma escola especializada para atender a um dos maiores
refinamentos de uma sociedade e que é seu corpo de juízes: Escola Superior da
Magistratura de Alagoas. Ledo engano. Eu morreria sem saber que estava
morrendo, da mesma forma como deve ter acontecido com o subtenente: morte de
absoluta surpresa, quase inverossímil para quem morre.
É que o crime
nivelou o espaço: ele não tem o sentido do que é público e do que é privado, quem
sabe por pensar-se fora da sociedade civil e do Estado. Por outro lado, os que atiraram no
subtenente, jamais poderiam ter a ideia de que ali estava uma escola, ainda por
cima superior, e ainda por cima da Magistratura. Pelo o que se sabe, o que
interessava era a arma, um objeto a ser roubado como eles roubariam em qualquer
situação. Então, para o crime, o espaço é homogêneo, enquanto nós temos, por
dever constitucional, de pensarmos nas heterogeneidades: nós temos um daqui
para ali e eles não têm o de lá para cá. Tanto faz para ele, que seja uma
Escola Superior da Magistratura, que seja uma Escola Rosalvo Ribeiro, que seja
um bar da subárea da orla, o carro do Denilson, a casa no Carminha... Restam as expressões que aprendi, ao ler
história em quadrinhos no meu tempo de menino: Pelas barbas do Profeta! Macacos
me mordam!
Mais
eruditamente, prefiro lembrar de Cícero e suas Catinilárias e a primeira ainda
conservo na cabeça na ordem direta e indireta, uma das condições para passar no
vestibular de Direito do meu tempo. Lúcio Sérgio Catilina deu trabalho e acho
que o espírito dele anda solto nas Alagoas: Quosque
tandem, Catilina, abutere patientia nostra. Tradução: Até quando enfim, Catilina, você vai ficar enchendo o nosso saco? Quem responderá? Quem poderá falar em nome de
Catilina?
Foi natural
que o espanto chegasse ao Poder Judiciário; de uma hora para outra, ele que é
um dos três poderes, viu-se na categoria de qualquer um, absolutamente posto na
equalização que o universo do crime operacionaliza. O Estado vem sendo
atingindo por todos os lados, até mesmo na corporação policial, pois são
inúmeros os registros de presença de policiais em episódios criminosos. Alguns
juízes vivem sob proteção; as escolas são roubadas e arrombadas, os Correios
deixam de realizar trabalho por conta da senda dos carteiros. Somos todos um
mundo estreitado pelo crime que vai do pequeno ao grandola.
E o cidadão
vai sendo minado. Por exemplo, eu somente fico parado em um sinal de trânsito
quando realmente é impossível romper a proibição de seguir. Não confio, especialmente à noite, a partir
das 20 horas. De repente – e ainda como
ilustração – recupero as regras que meu pai me havia ensinado, por conta de
outras situações e que muitos de minha geração devem ter ouvido: Cuidado com
esquina! Não dobre uma esquina de peito aberto, parta para o outro lado da rua!
Cuidado com banca de revista! Nunca puxe arma; somente use se tiver coragem,
mas pelo amor de Deus não teste; é preferível ser frouxo.
E continuavam os anúncios da segurança
paternal: O cemitério está cheio de valentão. Se desejar matar a cobra, esteja
disposto a arrancar-lhe a cabeça, se não a arte do Cão aparece e a cobra pode
se armar novamente contra você... Nisso misturo fala de pai com fala de tio e
por aí seguia o aprendizado da sobrevivência e o arsenal de anos de experiência
familiar e pública que passa por minha cabeça a todo o momento em que estou na
rua nesta espécie de sempre alerta perverso a que somos obrigados a viver. Dois
filhos já foram assaltados e mais de uma vez e vejo-me repetindo – esperando
que sirva – para seus ouvidos a mesma poética que ouvi de meu pai ao dar-se
trato sobre minha segurança pessoal.
É o próprio
Estado que se vê vítima em seus serviços; uma Universidade Federal de repente
encontra dois cadáveres em um dos seus campi; é uma Escola Rosalvo Ribeiro que
de repente sente os tiros e morre seu vigilante. O crime desta forma parece estar
em condições de conter o Estado Nacional, desalojar seus serviços e, também,
interfere na organização da sociedade civil, traçando regras, pondo limites,
cobrando ao cidadão pelo uso da via pública, tendo, portanto, o poder de taxar
e ir construindo a sua própria legalidade ao, inclusive, manter seus tribunais
e padrões de julgamento.
Às vezes penso
que estou aumentando, carregando nas cores; eu jamais poderia dizer que se
encontra nascendo um Estado paralelo, pois seria forçar a barra, mas sem dúvida
sinto uma organização contraditoriamente amorfa e difusa, com o poder
suficiente para ditar parâmetros de comportamento. É como se eu obedecesse bem
mais ao crime do que o Estado, porque os seus sinais de segurança eu não
encontro. Paro o carro olhando a rua, vendo as pessoas, pré julgando pela
aparência, incorporando preconceitos e na verdade, eu me sinto avacalhado pelo
crime como se eu estivesse criminalizado pela interferência e incidência que
ele passou a ter no meu cotidiano. Não
me sinto tranquilo quando um filho sai à noite. Há um trato: se for demorar,
telefona e me diz. Não quero saber onde está e nem com quem está; isso pertence
a eles, mas quero saber se demorarão.
Cidadão e
querido leitor: o que acontece com você e a violência? Será que você
romanamente aceitaria uma Delenda Carthago
transformada em Delenda Droga, onde a palavra fica com pinta de
primeira declinação: droga, droga, drogam,
drogae, drogae, droga. Bom, bem mais
simples é injuriar-se: Esta droga é uma
droga!.
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