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ALMEIDA, Luiz Sávio de. Batistas, espíritas e anarquistas: política e complô nas alagoas. Tribuna Independente. Maceió, 13 Mai. 2012. Contexto.
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Um
pequeno bilhete sobre protestantismo e a
necessidade da discussão de sua historia em Alagoas
Faz
tempo que ando interessado no conhecido texto do missionário Kidder sobre sua
passagem em Maceió. Não que o livro seja obra prima: é sofrível e
apressado. Na verdade, eu me rendi à sua
fala sobre nosso porto e, por curiosidade, fui entrando na vida do autor, aumentando meu contato com
sua obra. Não me tornei expert, mas um amigo – como diriam os
antigos escribas – bio-bibliográfico.
Sempre
anotei, despreocupadamente, o que lia
sobre protestantes mas tudo foi ficando à espera de tempo para um tratamento
sistemático. Tentei incentivar a realização de estudos de história na área da Igreja Batista, Assembléia de Deus
e Adventista. Publiquei artigos sobre a
necessidade dos evangélicos produzirem sobre a história de suas igrejas e sobre
a necessidade de outras pessoas se debruçarem sobre o processo histórico do
grupo em Alagoas.
Sempre
fiz uma anotação aqui e outra ali e hoje trago algumas delas, sobretudo
construídas em função do livro de Kidder.
É uma espécie de viagem em torno de um missionário e também em torno de
minhas lembranças. É
como se o texto fosse mistura entre diário e pesquisa. Parte dele estava
anotada em diversos cadernos.
Espero
que estas observações sejam úteis para fomentar a produção de uma história sobre
protestantes que deve ser discutida e
desenvolvida em Alagoas.
Sávio
de Almeida
Batistas, espíritas e
anarquistas: política e
complô nas alagoas
A
entrada do protestantismo – basicamente na segunda metade do século XIX – é uma
situação complexa do ponto de vista político pelo afrontamento ao mando
católico, por conta da intrincada relação do catolicismo com o Estado e modo de
construção da sociedade nacional. Lidar com o estado e com a estrutura de
valores correntes não deve ter sido
fácil para os que se pretendiam iluminados numa área considerada por bom tempo como, missionariamente, em segundo plano, em face da prioridade que
era dada à África e Ásia.
Este
seria um confronto com fórmulas associadas diretamente ao formal do poder – o catolicismo oficial – e as assumidas no
dia a dia do ser católico, inserido nas formas cotidianas da prática associada
à sociedade desde os inícios da colonização, formando um corpo de
comportamentos que seria, em parte, o
que vem sendo chamado de catolicismo popular ou modos de concepção e litúrgicos elaborados pela não
oficialidade católica.
Então
era um confronto de tríplice área de tensão: por cima, onde estava o nível de autoridade formal, por
baixo, onde estavam as práticas cotidianas e, finalmente, na relação que se
fazia entre ambas. Em Alagoas – como de
resto no pais – , tinha-se o complexo do clero associado ao poder e às práticas
religiosas de formulação não oficial, além
da grande integração que se procedia através das pregações dos missionários católicos,
onde o poder da palavra, da relação com as obras e a pregação fundada no temor
ao inferno davam corpo à mentalidade religiosa que se desenvolvia. As chamadas
santas missões e a pregação sistemática pela legião de vigários colados ou
encomendados faziam um obscuro catolicismo: o de trevas permanente.
REDE DE PACTOS E CONVENÇÕES
O
rompimento desta cerca não seria fácil, especialmente pela rede de pactos,
convenções e enlaçamentos do agrarismo com a religião. Ela era parte direta do
modo como terra e poder atingiam a esfera religiosa e, daí, a particularização
do modo de ser do re-ligare alagoano
ou a união das duas cidades que Agostinho havia teimado em separar. O protestantismo seria levado a compor em longo
prazo, e isto foi determinando as resultantes políticas de sua atuação,
tendendo do conservador à direita, em um caminho que passa a ficar muito claro,
sobretudo na década de sessenta do século XX. Isto se dá, inclusive, quando
diminui a força do agrarismo em razão dos processos da urbanização que atingiu
Alagoas.
Um dos
instrumentos mais contundentes para plasmar a consciência religiosa foi a verdadeira instituição que eram as Santa
Missões, basicamente harmonizadas com as desobrigas. Mello Morais Filho
consegue em um texto simples, assumir a densidade do que as missões acarretavam
pelos sertões, pelo adentrado das terras, mas elas também arrastavam nos
centros urbanos, criando inclusive Igrejas e Cemitérios, dois pólos da mesma e
singela questão da morte.
A
desobriga estava entranhada na tradição, o cumprimento do preceito quaresmal e
fazia parte das barreiras essenciais ao protestantismo que se enunciava timidamente
no Brasil pelos tempos de Kidder. Era um sistema de razões teológicas que se apresentavam
– por exemplo – em um livro de grande
circulação chamado de A Missão Abreviada
e tida por Cascudo como dos mais populares no Brasil, mesmo nível de Carlos
Magno e os Doze Pares de França e do Lunário Perpétuo. Apareceu em Portugal por
volta dos fins da década de 50 do século XIX,
escrito por um Padre chamado Manoel José Gonçalves Couto. Conservo um
exemplar comigo, depois de uma procura intensa e por um longo período.
Estamos
diante de controles sociais montados
para a garantia do mando no complexo do agrarismo, com o catolicismo sendo um dos
mais importantes elementos inerentes ao quadro desta configuração do poder e da
composição do local. Este caráter de controle foi estudado por Silva (1988)
quanto aos sertões. Santana trata de uma possível ambigüidade das Santas
Missões; elas não negavam a condição das tradições populares, mas afirmavam a
romanização. Talvez fosse melhor dizer, que eram braços oficiais perto da
construção não-oficial, uma forma de articulação que o protestantismo jamais
poderia dispor à época. Elas decorriam do rumo tridentino conforme Maia (1991)
e fortaleciam a destinação religiosa na sagração de um complexo de fé significado
na cultura.
A IMPRENSA EM ANDAMENTO
Toda
uma ordem de negociação deveria ser estabelecida pelos protestantes, da mesma
forma que vai ser dada com o
espiritismo, que também ingressa como fator de mudança e a cada passo vai
procurando, mantendo suas características,
assemelhar-se, perder o estigma do absolutamente diferente, demonstrar-se dentro da vida normal da
sociedade e portanto fazendo parte dela no que se implica a ordem do poder. O
espiritismo aparecia nos mesmos contornos políticos do protestantismo. Em 1896
circulava em Penedo, o União Espírita: Orgam da Delegacia da União
Espírita de Propaganda no Brazil, demonstrando que já havia uma
distribuição territorial de grupos espíritas em Alagoas e não era algo
territorialmente ainda enquistado.
Em 1897 dava-se a presença possivelmente do mesmo União, mas com outro título: União:
Orgam consagrado ao espiritismo e às questões sociais. Conheço dois números (1900 e 1901) do órgão de uma
entidade espírita em Maceió chamada Grupo
São Vicente. O jornal era O Espírita
Alagoano: Orgam do Grupo S. Vicente de Paula e que antes era intitulado O Spirita Alagoano; possivelmente,
havia um grupo de posição teórica diferente do que foi mencionado frente ao
kardecismo; ele tinha um jornal em 1901, em Maceió, intitulado A Sciência. Um pouco mais adiante, no
ano de 1908 tem-se o Lumem e mostra
uma presença espírita mais avançada, desde que era órgão da Federação Espírita
Alagoana, na realidade, segundo Joaquim Diégues, uma revista de circulação
mensal, impressa na Typographia
Trigueiros. A maçonaria era bem mais antiga, mas não há embate público como o
dado com o protestantismo e o espiritismo. Aliás, será publicado pela
Lithographia Thrigueiros em 1901, e dedicado a D. Antônio Manoel de Castilho
Brandão, um livro do Cônego Domingos Fulgino da Silva Lessa (1901), contendo
artigos por ele publicados em o Apóstolo
no Rio de Janeiro e retomando suas discussões com os livres pensadores. Os
artigos foram escritos à época da questão religiosa e a republicação em Maceió
em 1901 significava que ainda tinha sentido o embate, apesar da aparente paz
que foi celebrada.
Já em
1874 circulava Labarum: Órgão da
Maçonaria, editado em Maceió e que foi até, pelo menos 1876; no mínimo
entre 1899 e 1901 circulou O Malhete:
Orgam de Propaganda e Defesa Maçonica (Maceió) e em Penedo tínhamos A Luz: Liberdade, Igualdade e Fraternidade,
órgão da Loja Maçonica Luz do São Francisco. A existência de uma imprensa
engajada nos leva a pensar que havia uma inteligência organizada, não
importando a representatividade quantitativa e mais: a leitura tanto foi uma
estratégia de penetração do kardecismo quanto foi do protestantismo. Na
listagem de Jayme de Altavilla aparece A
Luz (1919) e que contava com a participação de um intelectual da época e
ativista espírita: Hugo Jobim, filho de Nicodemus Jobim. Seguramente, as
atividades espíritas em Alagoas estarão avançadas nos finais do século XIX,
onde já existia o Centro Melo Maia e se consolida de tal forma, que nos meados
do século XX, Leopoldo Machado (2010) nos relatos sobre a Caravana da
Fraternidade a considera como Meca do espiritismo no Brasil. Aliás, a Caravana
era associada à consolidação da Federação Espírita Brasileira, pelos fins dos
anos quarenta do século passado.
Sabe-se
através de Joaquim Diégues da existência em Maceió de O Christão Brasileiro (1901) que era mensal, distribuído, com escritório situado
na Rua Nova, n 13 e circulava sob a responsabilidade de J. E. Hamilton. O mesmo
pastor foi responsável por O Evangelista que circulou em 1902. Penso
ser Jephthah Erastas Hamilton, nascido em Loisiana, casado com Laura Black e
postulou a China como local de missão, mas foi designado para o Brazil em
setembro de 1889, seguindo depois para o Para onde, em 1904 morreu de febre
amarela. Eram jornais batista. Em 1908 e circulando até 1909 teve-se O
Domingo. Pelo menos entre maio de 1885 a fevereiro de 1886 circulou O Evangelista: Orgam da propaganda
evangélica nesta cidade, publicado em Maceió; em 1902 tem-se O Evangelista: orgam dedicado aos interesses
do evangelho.
O famoso complô maximalista
A trama de confrontação com o espiritismo e o
protestantismo aparece no fantástico e extraordinário acontecimento passado na
Maceió do século XX e no ano de 1919, um quase nada após os trâmites políticos
do Quebra de 1914 que, dentre outros fatores, demonstra a geração dos cultos
afro-brasileiros na cidade, bem como a força do que era chamado de
baixo-espiritismo. Se existia um baixo-espiritismo e isso já aparecia em Pedro Nolasco Maciel, existia, digo, também um alto-espiritismo a demonstrar-se nas
entidades que iam sendo criadas. É como se a identidade resultasse em necessidade radical de negociação para ser
aceito e ter folga de operacionalização, como se deu com os próprios cultos
afro-brasileiros que começaram sua validação política no governo de Muniz
Falcão.
É a
teia política alagoana tradicional que vai receber afronta dos novos atores
políticos e sociais: espíritas e protestantes especialmente e, nisto, fica bem
demarcada a presença batista em torno de
oitenta anos após a tímida passagem de
Kidder por Alagoas, na sua tarefa de inteligência de penetração e de
distribuição de um elemento subversivo: a Bíblia. Por volta de 1919, dá-se um
complô contra as instituições alagoanas, formado por uma frente maximalista,
espírita e batista. A imaginação católica congrega seus grandes inimigos em uma
frente contra as instituições, como se estivesse diante da possibilidade de
destruição do que era o cerne do afrontamento que recebia: os pequenos grupos
de anarquistas, espíritas e batistas.
Quem
sabe, procurava-se um novo Quebra: o achatamento político de uma
“esquerda” e de enunciados de natureza
doutrinária, ambos radicais em contradição à sustentação do agrarismo.
Evidentemente, jamais existiu tal complô, mas nas finalizações da belle epoque alagoana, ele era oficialmente decretado pela Diocese e
pelo Poder Executivo e vai ter plena vigência nas páginas dos jornais.
Na
particularidade de nossa esticada belle
époque tropical, o nosso ajustamento demandava um acerto de contas com o
batuque africano, com as ressonâncias kardecistas do alto-espiritismo, com a
presença batista sendo uma acentuação
protestante em nosso universos político. Intolerância é nada menos e nada mais,
do que uma sofisticada prática política. Oitenta anos (±) após Kidder percorrer
as ruas de Maceió, uma cidade diferente
assistiria ao espetáculo criado pela Diocese de Maceió e pela segurança pública,
louca por livrar-se dos anarquistas, dentre eles Otávio Brandão.
O CORONEL DO EXÉRCITO E SUA
PREGAÇÃO KARDECISTA
Tudo se
deve à vinda de um Coronel do Exército (segundo consta em informações verbais,
em grande parte, à época, o espiritismo estava presente entre os militares do
20BC), com a finalidade de fazer a divulgação da doutrina espírita. Ele tenta
um auditório e a Igreja Católica chega a ameaçar de excomunhão à diretoria de
qualquer entidade que o abrigasse. Ele
então exige a possibilidade de falar em prédio público, argumentando que o
estado é laico e, com isso, consegue pauta no Teatro Deodoro. Há de se ver que a arrogância da cúpula
católica fez a grande propaganda do evento. As sessões enchem e os anarquistas
dos lados da Rua Santa Maria aproveitam
para a panfletagem, tirando partido da situação.
Foi suficiente para que se tivesse o famoso
complô, forças desestruturantes da sociedade unidas para corromperem Alagoas. O
Coronel fez suas conferências e, nesse compasso, a Igreja Católica colocou adversários
diferentes em um mesmo saco, em um ato de absoluta histeria. É de se notar como os batistas incomodavam tanto quanto
espíritas e o punhado de anarquistas, uma demonstração de que o perigo não
residia na quantidade, mas na capacidade que os grupos dispunham para
confrontar a estrutura do agrarismo alagoano.
Maceió
vive em torno de duas semanas de exacerbada discussão. A cúpula da Igreja
Católica chegou a ameaçar de excomunhão a quem quer que desse espaço para as conferências do Coronel,
terminando por render-se ao irrecusável argumento de que os próprios do Estado
eram laicos e, portanto, todos teriam acesso. A tentativa católica tinha sido
de um golpe fulminante e sem temor de correr riscos, embora não tivesse a ideia
do poder de enfrentamento que o coronel jogaria em cena; era como se a
oficialidade católica não tivesse entendido que algo poderia mudar, que nada
poderia permanecer imutável, se bem que a marcha de anarquismo, espiritismo e
batistas estaria estreitamente vinculada às modificações dos padrões de
urbanização de Maceió.
O
confronto ganhará múltiplas dimensões e
a República não o amenizará; a letra constitucional anunciando a liberdade
religiosa, jamais implicaria em que o poder a desejasse; equivaleria a abrir
mão de processo secular de dominação, nesta intermediação com o futuro e
mercado de salvação das almas. E isso se refletiria no cotidiano, na sequência
da normalidade de vida, diferente do inusitado do complô maximalista. O
incremento da urbanização dará ênfase à integração, mas de Kidder a este
fenômeno, vai para mais de século.
A NATUREZA DA REPRESSÃO
A
natureza da repressão ao protestantismo assumiria os mais diversos aspectos,
desde a mobilização direta de instrumentos de estado até à hostilização
pessoal, sobretudo montando a marca do estigma e isto vai ser levado para a linguagem, onde aparecem ou se reforçam alguns termos como nova-seita, crente, Frei Bode, capa verde, anti-cristo, a maioria
delas levando à ideia do demoníaco, do absoluto mal encravado no arsenal das
criações fantasiosas derivadas das pregações em púlpito ou no comício
religiosos das desobrigas cujo último representante está na figura de Frei
Damião espécie de vice Padrinho Cícero. Dos termos que levantei anteriormente,
só a palavra crente não tinha o senso diabólico imediatamente conferido, e nem
era associada diretamente ao quinto do inferno.
A
tática da exclusão consistia em inúmeros caminhos e o primeiro deles era não
reconhecer denominações: tudo estava sendo nivelado numa mesma categoria de
inimigo. Não era a denominação que interessava, mas o conjunto. Então o
protestantismo era uma totalidade. Não havia uma identidade batista ou
presbiteriana em jogo, mas um conjunto que seria levado ao modo da nova-seita.
Este termo estava pressupondo pelo menos duas condições: remeter a uma antiga indicação e continuar
dando à palavra seita uma carga semântica negativa. A palavra seita negava o
trato de uma religião, tudo sendo originário de posturas falsas e portanto não
era o erro que se antepunha, mas a noção de fraude.
O bode
– Frei Bode no começo – antepunha um Frei Santo a um Frei Satânico, no que se
estava insinuando a existência de balidos e não de cânticos. Os cânticos
religiosos estavam de muito consagrados
como o a nós descei Divina Luz, como
o ave, ave Maria. E tudo fazia o ritual das Filhas de Maria, do Apostolado da Oração coadjuvantes
essências do paroquialismo católico, o modo do agrarismo expressar-se no
particular da religião, enfaticamente
situados no conjunto religioso até a década de 60 do século XX, espécie de
laços entre a romanização e o lugar. A Pia
União das Filhas de Maria consagrava
localmente as virtudes da mulher cristã. Era natural que o protestante jamais
estivesse mergulhado nas cores e sabores do local: a salvação precisava de
outro mundo, um novo modo de ser e as raízes estariam nos Estados Unidos da
América do Norte, com uma mensagem, também, sobre o sistema capitalista, como
diversos estudos destacaram.
O
agrarismo está implicado neste andar dos protestantes que vão precisar da
urbanização para que haja suporte para a expansão cujos resultados
apresentam-se nas estatísticas atuais. Na verdade, fica pendendo a pergunta: a
que nível político e de poder chegaram as relações do protestantismo, capazes
anteriormente de levantarem um complô maximalista e hoje estar, em sua grande
maioria, associado ao sistema? Este e outro aspectos merecem a preocupação
acadêmica.
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