_________________________________________________________________________________
ALMEIDA, Luiz Sávio de. Meu velho diário e a macumba nas Alagoas. Tribuna Independente. Maceió, 04 mar. 2012. Contexto.
_________________________________________________________________________________
Meu velho diário e a macumba nas Alagoas (II)
Um pequeno bilhete sobre macumba nas Alagoas
É uma pequena notícia de um tempo e do que restou dele em meu arquivo. O
que e poderia dizer? Teria sido um tempo de perseguição e também de afirmação?
Como é que a história vai se acumulando nos terreiros e como vai sendo a forma
deles lidarem com o rastreamento do passado? Eu gostaria muito de saber como
esta ideia de tempo é vista e compreendida pelos terreiros; penso, no mais que
li, que, normalmente, o tempo é abstraído por um corte epistemológico que
ancora o terreiro e nisso futuro e passado vão embora. Será que isso faz
sentido? Bom, tá aí mais uma parte de um mero depoimento em cima de velhas
anotações. As fotos foram tiradas na Festa de Iemanjá e são de nossa autoria.
Saravá
que eu vou de banda!
Sávio
de Almeida
Meu velho diário e a macumba nas Alagoas (II)
Luiz Sávio de Almeida
Um pouco sobre intelectuais
A área da chamada ciência social demorou a ficar clara
em Alagoas; e, em grande parte, isso somente aconteceu quando a Universidade
ingressou na pós-graduação. Somente a partir daí, é que Alagoas vai conhecer a
especialização de antropólogos, sociólogos e outras categorias, inclusive
beneficiando-se de alguns profissionais que vinham de outros Estados e passam a
incorporar a produção e discussão à nossa. Anteriormente, o intelectual
provinciano espelhava-se no beletrismo e tendia à universidade enciclopédica.
Na área social, destacavam-se o historiador e o folclorista. A história de um
era a história do outro, o folclore de um era o folclore de outro. A diferença estava simplesmente em ser bom ou
não, mas a produção girava em torno do mesmo eixo.
História e folclore eram tudo e a síntese de tudo. Não
estou minimizando o que foi produzido, estou somente pondo na mesa o fato de
que tínhamos dois modos de saber da sociedade e o tom monocórdico de
tratamento. Há uma possibilidade de diferenciação em
trabalhos de Sant’Ana e colocações relativas sobre método, aqui e ali,
feitas com um gosto naive, como se nota
em passagens de Theo Brandão. Nisso,
dois outros nomes obrigatoriamente devem ser contemplados: Félix Lima Júnior e
Abelardo Duarte. O forte do Félix era a percepção do cotidiano, a construção da
crônica, o almofadinha e a priminha urbana, com o negro indo para o escaninho
dos tipos populares e sempre tratados com afabilidade. O forte de Abelardo Duarte era a tentativa de
chegar às raízes. Essa diferenciação que ele vive dentro do conjunto é
acompanhada pelo trato do negro, não importa o viés assumido.
Parece-nos imprudente afirmar que inexistiu produção
sobre o negro; o que sempre existiu foi o negro na condição de uma temática
periférica ou subordinada e não tratado como um sujeito político. Na verdade,
contudo, a religião passou de raspão nesse conjunto. Continuidade do
preconceito? Jamais se poderia seguramente afirmar tal coisa, mas jamais
poderíamos deixar de considerar dois pontos básicos: em primeiro lugar, existem
as opções pessoais de eleição de campos de investigação e, em segundo, a sociedade
continuava escondendo o mundo religioso negro, até mesmo pelo fato de que a
gente da macumba estava a viver submersa, a não ter presença marcante na
sociedade civil por onde uma representatividade política se poderia fazer. A
“ciência” não a pretendia descobrir, encontrar. O chamado Quebra já havia
indicado a sua colocação no universo da barbárie.
Sant’Ana em diversas situações trabalha o negro, mas
preferencialmente na sua condição de escravo, situado portanto na ordem
econômica da produção. Theo Brandão vê negro, mas especialmente no contexto do
folguedo, dos contos: era o negro-folclore. Abelardo Duarte está bem mais
próximo da questão religiosa, ele de fato, ensaia passos, mas sempre a
arquitetura dos textos funda-se na perspectiva do folclore, fazendo parte da
montagem de um campo científico próprio. O que seria folclore? No fundo, a
ausência da especialização e a herança histórica do açúcar e que junto à
história davam conta da sociedade e da cultura.
Talvez, como é de praxe, eu esteja sendo absolutamente
simplista. Entendo que nenhum dos grandes folcloristas de Alagoas daquela época
seria capaz de discutir, teoricamente, o campo, e ele, o campo, era uma
imposição. Não é que não tivessem suficiência pessoal, mas havia uma severa
falta de formação específica; então, a coleta era ótima e o trato ficava
limitado, pois o marco teórico não era aprofundado; da geração da Escola de
Viçosa, três eram médicos; Theo, José Maria e o Pimentel. Isso não implica em
que existisse um mau trabalho; pelo contrário, Alagoa se representava muito bem
no ambiente nacional do folclorismo, mas faltava-lhe a base antropológica e fundamentação
historiográfica.
Via de regra e ressalvadas as exceções, os
historiadores estavam presos ao heróico para a construção de uma história do
exemplar, enquanto os folcloristas pagavam o preço de suas origens intelectuais
e sociais, devendo ainda ser levado em conta que havia regra para validar o
intelectual provinciano; ele deveria parecer com os demais, repetir a ordem
emanada de um espelho posto em duas grandes instituições de notáveis, espécies
de templo onde cabiam as sumidades – ditas “assumidades” no linguajar coloquial
das Alagoas –, dentre os não muitos afeitos ao trato da inteligentzia.
As
doenças do folclorismo
Uma velha anotação que realizei, informa sobre uma
conversa que tive com o Theo Brandão na casa dele. Estava havendo um encontro e
fui convidado para falar: a temática era algo como o Ciclo do Gado. Telefonei
para o Theo, vi que estava disponível. Para testar se ele estava com tempo para
perder comigo, eu sempre me anunciava no telefone como Pedro II. Se ele
respondesse que era o Marechal Deodoro, iríamos conversar e eu sempre lucrava
com isso. Eu disse que não sabia nada sobre ciclo e nem era vaqueiro para
entender de boi; começamos a rir e a conversa foi derivando para o que me
interessava.
Aí, o Theo Brandão foi audacioso: “Sabe de uma coisa,
não fale sobre esse negócio não. Fale sobre nossa conversa”. Alinhamos o que
passamos a chamar, talvez por influência dele que era médico, as cinco doenças
do folclorista, coisa que parece havia sido tocada por um folclorista
americano, do qual não recordo o nome, gente da UCLA. Dito e feito. Dei o
recado com a empáfia afrontosa da juventude calçada pela autoridade do
“mestre”. Nas doenças estavam o memorialismo e as atitudes de classe. A velha
anotação me trouxe saudade, mas vou continuar lendo e comentando o que está no
meu Diário sobre o assunto, em uma anotação sobre o que seria o folclorismo nas
Alagoas.
O grande modelo do folclorista era dado pela escola de
Viçosa, expressão que segundo me consta foi criada pelo Manoel Diégues Júnior
em tom de brincadeira, mas que deve ser explorada em profundidade. Manoel
Diégues Júnior nunca abandonou Alagoas, apesar de ter mudado daqui, como saíram
Aurélio Buarque de Holanda, Jorge de Lima, Graciliano Ramos, Humberto Bastos...
Uma vez, em jantar na casa do Diégues no Rio de Janeiro, perguntei a razão de ele
ter ido para o sul e a resposta foi óbvia: oportunidade, não teria condições de
viver em Maceió.
Anotei que a idéia do Doutor Diégues não era a
existência de uma Escola de Viçosa, no sentido usual que o termo carrega
acadêmico; era a de que os folcloristas se escolarizavam na Viçosa. Nada a ver
com a educação formal; é uma imagem que leva à ideia de organicidade, escola
como referência ao orgânico. Nunca conversei com o Doutor Diégues sobre isso e
arrependo-me. Mas foi assim, que o assunto foi parar no meu Diário: o que se
encontrava em evidência era a circunstância de Viçosa e que ela havia permitido
a safra representada pelo Theo, pelo Zé Aloísio Vilela, pelo Doutor José Maria
de Mello, continuadores de uma geração anterior de intelectuais, brutalmente
confrontada por Otávio Brandão e possivelmente oriunda de Alfredo Brandão.
Jamais os componentes da Escola poderiam fugir do fato
de serem Mello, Vilela e Brandão que plantou costados na mata. O lastro da
Baixa Funda e outros estavam presentes e eles, os folcloristas, não escondiam
essa vinculação açucareira e nem tinham razão para esconder. O Theo e o Doutor
José Maria de Mello se urbanizariam, mas manteriam a ideia de uma raiz no rural
da mata; Zé Aloísio continuaria agarrado nas canas da Boa Sorte (não sei se
inventei o nome). O lastro do Doutor José Maria continuava como se pode ver nos
seus trabalhos literários e sobre folclore. Era um homem afável, comedido,
sério, desviado de uma carreira mais numerosa em livros pela atividade
política, engenho e sua medicina. Era aparentado e amigo do meu pai. Certa
feita, eu estava no Instituto Histórico e ele conversou um bom tempo sobre este relacionamento.
Nessa circunstância, ser folclorista era bem mais do
que trabalhar o que se considerava dentro da área do folclore; era uma
indicação que remetia à mata, ao açúcar, á Baixa Funda, Boa Sorte... Eram espelhos, a gente olhava para eles como
verdadeiros exemplos e não posso esquecer o terno branco de linho que o Doutor
José Maria gostava de usar, engomado, passado, vinco nas calças, tudo
emoldurando um sorriso simpático. Além do mais, todos eles eram acolhedores,
não se furtavam à rapaziada, apesar de gente da Academia Alagoana de Letras, do
Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Gente consagrada, de alto
prestígio social e cultural.
Como se fosse um passe de mágica e por serem espelho,
Boa Sorte e associados arrastavam a todos nós que não tínhamos outra opção para
estudar Alagoas: folclore. Não posso deixar de dizer sobre minha expectativa,
quando pelas mãos do Theo fui ser membro da Comissão Alagoana de Folclore,
coisa ainda do tempo do Doutor Renato de Almeida e do Vicente Salles, gente do
Pará que havia ancorado na Comissão Nacional de Folclore e com quem passei a
manter contato constante, época em que conheci e papeava com o Edson Carneiro,
eu ainda molecote, menino que não havia tirado o cheiro da urina.
Então, a circunstância de Viçosa invadia o anseio da
molecoreba que via e podia conviver com os grandes. No meu caso, ainda havia o
peso da herança dos Almeidas da Capela; meus pais a não deixarem de lado as
origens rurais na cabeça do filho. Então, pra mim, foi um encontro pessoal, o
mergulho no folclore. Theo andou lendo Redfield e começou a falar de comunidade folk e coisas afins. Falava
de Chã Preta e esse foi meu primeiro destino: mergulhar em Chã Preta, lá pelos
lados do Cavaleiro, subida bem após a Baixa Funda quando ainda havia ladeira a
considerar, carro bambeando na lama a quase derrapar para o precipício. Chã
Preta era a continuidade de Viçosa e de lá surgia um extraordinário Professor
Pedro Texeira, costados na Medina, filho de Seu Al e que se considerava um
homem folk. Andei muito na Medina e
por toda Chã Preta, acompanhado às vezes pelo Netinho, chafurdando no engenho
do Benedito, conversando com os povos daquelas bandas. Devo imensamente ao Theo
e ao Professor Pedro Texeira.
Essas coisas lidas no velho Diário (todos os dias
continuo a escrita, vício que aprendi com o meu pai) falam um pouco do que era o
universo intelectual nas Alagoas do meu tempo de menino e, se a gente pensar
direitinho, tudo interferia no campo dos estudos das religiões
afro-brasileiras.
Pelo que deve ser notado, o folclore era uma espécie
de terra sem fronteira, possivelmente, pelo fato de que nascia no vácuo de uma
tradição antropológica nas Alagoas. Apesar dessa abertura, ele envolvia o
seleto que se lastreava, dentre outros pontos, nas origens do próprio estudo do
folclore no Brasil, tradição de Silvio Romero, João Ribeiro e outros pais
fundadores. Pelo que entendo, o folclore é anterior à antropologia no Brasil. Por
outro lado, em razão derivada em grande parte das ligações históricas, tinha-se
a procura pelas origens das manifestações (como eram chamadas) folclóricas,
dando-se o comparativismo e privilegiando-se Portugal e o que nele se fazia
naquilo que era chamado, à época, de etnografia do além-mar e necessariamente
bisonha. Acredito que ao folclore se incorporava basicamente o senso ibérico.
O mais importante, contudo, é que privilegiava o
quadro agrário, que transparece na existência de uma Escola de Viçosa. Aí,
pontos devem ser considerados, já que estamos falando de macumba. Em primeiro
lugar, convém lembrar que a macumba era vista no urbano e não no rural. É claro
que era difundida no território, mas as referências eram sempre urbanas, pelo
menos, conforme anotei; em segundo lugar, havia um sacrário onde estava a
religiosidade católica apostólica romana e tudo passava a girar em torno dela,
usando-se a interessante expressão: catolicismo
de folk. Nesse contexto da religiosidade, jamais poderia ser construído uma
religião afro-brasileira-folk.
Semelhante ao isolamento policialesco havia o isolamento teórico, a não
constituição de um campo, matéria tão a gosto dos intelectuais rigorosos e
ciosos, aos quais invejo pela tanta ciência que conseguem.
Aprisionado pelo preconceito, perseguido e desamparado
de campo de investigação, somente poderia acontecer o que se deu. Theo
reclamava negligenciamento; nas minhas velhas anotações está escrito impossibilidade. Somente quando Maceió
adquire o quadro urbano de hoje, quando, inclusive, aparece o negro como
movimento, é que se pode pensar em modificações. A quebra do círculo passa pela
Marilu de Gusmão, embora episódico. Do século passado, há material na
literatura de Pedro Nolasco Maciel; em nosso século é no contexto do período em
que se escuta a queixa do Theo, que ai aparece um texto chamado “Tambores de
Ponta Grossa” (citado de cabeça e, portanto passível de equívoco) de Lindalvo Lins
e não conheço algo mais, embora, seguramente, deva existir.
Voltando ao início, não tenho qualquer intenção de
chegar a conclusões. Penso, apenas, que dei uma contribuição e que ela poder
ser instigante com a relação ao tema. Há um grande espectro que se abre sobre o
assunto, indo da construção da sociedade ao campo científico. No entanto, muito
deve ser pesquisado. Acredito que as anotações velhas e amareladas tenham
contribuído com alguma coisa. Continuamos sabendo de nossa posição: o cerco ao
afro-brasileiro era global.
Os registros da Federação
É necessário esclarecer o universo: estamos diante de
associados de uma organização chamada Federação dos Cultos Afro-Brasileiros de
Alagoas. Nada pode garantir, embora a hipótese caiba, sobre estarmos diante de
uma amostra efetivamente representativa do conjunto dos cultos nos finais da
década de sessenta do século XX. Gostaria que durante toda a leitura desta
parte do meu Diário, esse fato estivesse evidente. No entanto, desejo afirmar
que os dados sugerem um quadro possivelmente colado às características do
conjunto; devem ter algum nível de representatividade.
Então, o texto
do Diário, suas anotações, deve ser entendido como abertura de pistas,
informações sugestivas sobre o universo a partir do que se pode observar em
cima de uma simples listagem de endereços. Recordo-me que fui ajudado, na
coleta dos endereços, por dois estudantes de medicina: Terezinha e Júlio.
Agradecido agora, como deveria ter agradecido antes, caso eu realmente tivesse
estudado o assunto. A listagem era preparatória para que eu fosse visitar e entrevistar
os diversos centros. Não foi possível.
A geografia urbana dos cultos
Lins (com quem convivi) que era jornalista penso que do
Jornal de Alagoas, percorreu inúmeros terreiros de Maceió. Sabia que eles
funcionavam nos mais diversos bairros da cidade, mas frisava a concentração na
Ponta Grossa. De fato, dizia-se que na
sexta-feira, os sons dos toques tomavam conta do bairro. Na realidade, conforme
anotei, em diversas ruas da Ponta Grossa se tinha os terreiros em culto, mas
eles se universalizavam pelas áreas pobres da cidade. Não se escondiam e nem
podiam; o traçado urbano os enfiava no meio das casas. A Ponta Grossa, o Prado,
o Vergel do Lago englobavam cerca de 31% (n=185) dos casos, formando o que
poderia ser considerado como o complexo Sul do Xangô em Maceió.
Essa concentração ocupava uma imensa área da cidade,
mas os bairros de maior densidade xangozeira eram Ponta Grossa, Ponta da Terra,
Prado, Bebedouro, Jacintinho e Vergel do Lago. A porção norte era
xangozeiramente menor. Eles se destacam, o que deve decorrer, em parte, do
tamanho e da densidade de ocupação. O fato é que se poderia ouvir toque por
todos aos cantos, nos dias normais, nos dias de festa, nas Salvas de Exu que
sempre eram ditas perigosas. Uma boa Salva de Exu é impressionante e hoje, no
peso da Umbanda, a Pomba Gira, seu Zé Pilintra, Tranca Rua dão as cartas.
Aliás, tenho amizade com o Zé Pilintra e com o Tranca
Rua, mas tenho, também, amizade com o nagô do Tiriri, parebetile de nanan, Exu
Tiriri! É a amizade com os homens.
Anotei a participação em duas dessas salvas, onde baixavam os mais
diversos Exús atrás de cabeças, dando preocupação aos Pais e Mães de Santo -
expressões nem sempre bem recebidas pelos Ialorixás e Babolorixás -, além de
abrirem margem para a possibilidade de uma intervenção policial pela cachaça
que um Zé Pilintra entorna. Um deles quis se engraçar comigo, certa feita,
cheio de cana, mas eu saí de banda que não sou besta e soube reconduzir a
conversa, levando as baforadas de um charuto na cara. Foi o Tranca Rua, depois
um bom amigo quando viu que eu não reagia, mas não esfriava.
Parece-nos
possível afirmar que a Federação espalhava a sua atuação e que apesar de estar
sediada na Ponta Grossa, conseguia atuar em toda a cidade de Maceió, além de
ter alguns poucos inscritos em outros Municípios. O número de entidades do
interior era estatisticamente insignificante.
Fora um único no Jacintinho, justamente o Ijexá do
Celestino, eu frequentava a porção Norte, talvez pelo fato de que a maioria dos
amigos morava naquela parte da cidade, talvez pela concentração, talvez por ser
o local da sede da Federação ou por conta da junção em todo ou em parte desses
elementos. Pelo Diário, a minha intenção era familiarizar-me com uma área
central dos cultos, esperando que ali estivesse refletindo o geral da cidade.
Demorava-me mais no terreiro do Luiz Marinho, pois objetivava conhecer um
núcleo a chamar-se Nagô em maior profundidade, para sair comparando e
perguntando. São anotações dessas perguntas e dessas comparações que se
encontram perdidas. Luiz Marinho achava que eu era Filho de Santo do terreiro
dele e eu nunca contradisse. Jogou os búzios e me deu Xangô de frente (Eiô,
Cabecinha).
Tabela 1: Distribuição dos terreiros pelos
Bairros de Maceió
Bairro
|
Absoluto
|
%
|
Alto do Céu
|
4
|
2
|
Alto do Feitosa
|
2
|
1
|
Areais
|
1
|
1
|
Bebedouro
|
19
|
10
|
Bom Parto
|
2
|
1
|
Bomba
|
1
|
1
|
Coréia
|
8
|
4
|
Cruz das Almas
|
1
|
1
|
Farol
|
8
|
4
|
Feitosa
|
1
|
1
|
Fernão Velho
|
3
|
2
|
Garça Torta
|
1
|
1
|
Jacintinho
|
17
|
9
|
Jaraguá
|
6
|
3
|
Jatiúca
|
3
|
2
|
Levada
|
1
|
1
|
Mutange
|
1
|
1
|
Não consta
|
1
|
1
|
Pinheiro
|
2
|
1
|
Poço
|
4
|
2
|
Ponta da Terra
|
22
|
12
|
Ponta Grossa
|
23
|
12
|
Prado
|
21
|
11
|
Reginaldo
|
4
|
2
|
Riacho Doce
|
3
|
2
|
Tabuleiro do Pinto
|
1
|
1
|
Tabuleiro dos Marins
|
9
|
5
|
Tabuleiro Novo
|
1
|
1
|
Trapiche da Barra
|
4
|
2
|
Vergel do Lago
|
13
|
7
|
Total
|
187
|
100
|
O nome do Informante
foi estragado pelo tempo, não dá mais para ler: Fulano, diz que o nome certo
seria Zelador”. Há uma interrogação. “Zelar?”. O argumento básico era que Santo
não tinha Pai ou Mãe e mesmo se tivesse, eles se julgariam imperfeitos para
ocuparem a posição. Estava anotado, também, que tudo poderia derivar do costume
associado à carga densa em significado que as palavras Mãe e Pai
continham. Ainda estava anotado: “Parece que Pai de Santo é uma expressão mais
propriamente de fora da seita do que de dentro. É verdade que dentro da seita
se fala em meu Pai e minha Mãe, mas não me lembro de, internamente, ter
registrado Pai de Santo, Mãe de Santo. Aliás, a palavra Santo é católica em
natureza. Isto significa, quem sabe, uma remessa a um sagrado, uma relação mais
atemporal, abstrata. Existe, também, a possibilidade de pensar sobre uma
redução à estrutura familiar: a inauguração de uma nova família, novos laços de
parentesco, o parentesco pelo sagrado”.
Bom, foi o que encontrei anotado no Diário.
Nenhum comentário:
Postar um comentário