ALMEIDA, Luiz Sávio de. Meu velho diário e a macumba nas Alagoas (III). Tribuna Independente. Maceió, 18 mar. 2012. Contexto
Meu velho diário e a macumba nas Alagoas (III)
Luiz Sávio de Almeida
O nascimento de uma
carta
Quando esta carta foi publicada pela primeira vez, o
movimento negro estava começando a tomar vistas em Alagoas. Foi ano de 1987, na
Revista do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas do CHLA da UFAL, por
gentileza do Conselho Editorial que era composto pelas professoras Maria
Denilda Moura, Vera Romariz e José Ubireval Alencar Guimarães. Na verdade, era
uma motivação que nada tinha de científica, uma espécie de desabafo ou de
encantamento, melhor dizendo. E, também,
uma forma de colocar Tia Marcelina em evidência, dar uma inflexão na história do
Quebra, palavra que, à época, tinha um
sentido semelhante ao de quabra-quebra na atualidade.
Alguma coisa estava mudando em direção à religião negra;
todo um contexto novo parecia estar se esboçando, na medida em que se
pressupunha, também, o encaminhamento de uma nova consciência negra, mais
aberta, demonstrada, desacanhada, encontrando-se em um espaço mais propriamente
político. Interessante, é que no ano anterior a esta carta, aparecia – que eu
conheça – um dos primeiros trabalhos de fundo acadêmico sobre o negro, viés
religioso, que foi escrito por Marilu Gusmão e intitulado A Cura pela Umbanda
em Maceió, publicado na revista Estudos, Departamento de Ciências Sociais,
CHLA/UFAL, ano de 1986, mas possivelmente escrito em 1984/1985. Marilu Gusmão foi – até quanto sei – a primeira Mestra em Antropologia do
Departamento de Ciências Sociais.
Não importa o viés que escolhe e sua conclusão; importa que elege
o tema e empenha, nele, o seu saber à época valorizado, pelos raros mestres que
existiam na universidade. Aliás, recebe
um prêmio fora do circuito acadêmico, espécie de cumprimento da cultura
provinciana, posta na Academia Alagoana de Letras que lhe concede, por ele, o
Prêmio Graciliano Ramos de 1985. Não existia e nem poderia existir, qualquer
compromisso político da Marilu com o movimento negro.
Os pés estavam no senhorial e a ciência tomava o negro como
objeto. Não estava havendo um diálogo e
nem participação. Ela toma um centro de Umbanda e lança uma pergunta e a
responde perfunctoriamente. É impressionante a redução realizada em sua
conclusão que surge abruptamente na categoria – mais do que clichê – do ópio do
povo, numa recuperação de Lenine que jamais cabia no corpo do texto. Soa esdrúxula. É uma escrita completamente
por fora do povo da macumba. A Umbanda o que poderia facilmente ser estendida
para a Quimbanda – segundo a divisão que se fazia entre os grupos à época em
que eu me mergulhava na macumba – seria uma medicina alternativa que atenderia
aos aflitos da baixa renda. É daí que ela deriva a noção do ópio leninista, num
corpo teórico desligado do marxismo, mesmo com esta compenetração que se
poderia lançar dentro do escopo teórico que é chamado de marxismo vulgar.
No tempo em que eu andava com o pessoal, o universo dos
cultos afro era dividido nas categorias de Umbanda e Quimbanda e a grande
distinção era se o grupo trabalhava ou não com sangue. Mexeu com sangue era
chamado de Quimbanda, mesmo que não trabalhasse pelas canhotas. Eu me
entusiasmava com a Quimbanda, mas pelas canhotas somente fui amigo de um. Foi no nos anos sessenta, que andei
escrevendo um pequeno texto sobre o terreiro do Luiz Marinho e minha tentativa
era traçar uma ponte entre o terreiro e o leitor, quebrando as barreiras do
preconceito. Suponho que seja a primeira matéria publicada em jornal em
Alagoas, a partir de uma posição simpatizante ou de dentro do povo da macumba,
a melhor dizer.
Uso amiúde a expressão povo da macumba. O texto da carta é de 1987, o artigo sobre o
Luiz Marinho foi de outubro de 1968. Faziam parte do mesmo contexto, apesar dos
vinte anos de diferença. O artigo foi publicado pelo Correio de Maceió e eu
sabia das conseqüências, especialmente, da valorização que iria ter o Luiz
Marinho, pessoa a quem eu devotava grande estima. Estava grifada, publicamente,
a expressão culto afro brasileiro sem qualquer condenação, pelo contrário era
simpático e apresentava Exu à nobre sociedade alagoana. Tenho uma boa amizade
com os exus, especialmente o Tiriri por uma banda e o Tranca Ruas por outra. Já
vi u Exu Caveira de me arrepiar. Pois bem, mas quando o Luiz Marinho morre,
após uma tentativa feita por sua esposa para manter a casa, o terreiro fecha as
portas. Pois bem novamente, a ideia era publicar uma série, com diversos
babalorixás e ialorixás. Se eu não me engano,
o terreiro do Luiz Marinho e muitos outros foi fotografado pelo Esdras Gomes. Se
for verdade, ele é muito cuidadoso e deve ter material com ele.
Deve ser considerado que os primeiros esboços do movimento
negro em Alagoas começam no ano de 1980 e ele não se
associa à ideia do Quebra, mas á Serra da Barriga, Quilombo dos
Palmares, Zumbi. E na verdade, a Serra começa a ser posta em evidência pelo
trading turístico e pelo Projeto Rondon. A Universidade não assume um quilombo
e um movimento negro; ela assume um pleito da indústria do turismo e depois vai
ter de se integrar à convivência com lideranças negras expressivas no cenário
nacional. Aí muda. Então, o nascimento do movimento negro projeta-se para fora
e não para dentro. O Quebra era para dentro. O próprio NEAB vai ser criado
nesta tendência para fora. O encontro do movimento negro com a história negra
vai ser fundado no Quilombo dos Palmares, na sua grande expressão nacional. O
Quebra passa ao largo. Posso estar errado, mas a evidência do Quilombo vem caindo cada vez mais em
expressão enquanto preocupação acadêmica e uma nova temática para o movimento, neste
mesmo rumo da produção intelectual, vai sendo estabelecida e é nesse novo mundo
a bem dizer orgânico que aparecem os textos do Rafael e do Daniel na escrita,
bem como Siloé na filmografia. Concordando ou não concordando, gostando ou não
gostando este é o tripé da produção sobre o Quebra, fora do mundo da macumba.
São vinte anos entre
o artigo e a carta, entre a carta e Contexto são mais vinte. Estamos diante de mais ou menos quarenta anos
da vida dos cultos, embora eu tenha me afastado e partido para uma nova gama de
interesses. No entanto, na década de noventa do século passado fiz entrevistas
sistemáticas em vinte terreiros, mas jamais trabalhei as informações,
pretendendo publicá-las sem maiores comentários e com uma breve introdução ou,
vez em quando, trazer alguma a Contexto para que se possa, no futuro, ter uma
ideia de trajetória do processo dos centros. Fiz este trabalho auxiliado por
dois estudantes, dos quais me lembro do nome: Patrícia e Erisvaldo. Acho que
ambos eram do curso de jornalismo da UFAL. Depois aconteceram umas poucas
gravações, realizadas com a participação
de estudantes de história como Clébio, Adriana e outros.
Ouvi falar da Tia Marcelina; mas a Marcelina é algo
diferente da Tia Marcelina. Ela se construiu numa história cuja grande razão é
a afirmação de uma identidade e é a função identidade que propõe o emblemático.
São muitas as possíveis Tias Marcelina, mas elas todas são uma só, unidas no
sentido histórico que foi sendo vestido sobre sua figura ao longo dos 100 anos
de história pós-Quebra, 40 dos quais acompanhei, sistematicamente em, alguns
períodos. A Tia Marcelina que emerge de dentro dos cultos passa por este processo.
E de certa forma, a
carta é uma espécie de contraponto ao famoso texto de Abelardo Duarte que versa
sobre a chamada Coleção Perseverança. A carta pede um destaque à história
negra. A Tia Marcelina jamais foi resgatada em escritos; além de a palavra
resgate ser problemática teoricamente, ela somente poderia ser retomada pela
própria memória da religião que a encontrando vai reafirmá-la como motivação de
uma construção identitária na medida em que as tradições são fundadas. A Tia
Marcelina sempre esteve por dentro, em evidência ou não; os seus encontros com
escritos brancos são outra coisa, faz parte de outra história.
A Tia Marcelina que os cultos reverenciam é uma Tia
Marcelina diferente da catalogada, da mencionada e, inclusive, da amada por
mim. A história branca sempre tenta reduzir o Quebra a seus termos; Tia
Marcelina não está e não pode estar fora da história onde o povo da macumba –
magnífica expressão de Dona Maria do Acai, que baixa no terreiro do Manoel – a
entende, a constrói e nela se consagra. Estudar como é este processo, seria uma
bela tarefa. A Tia Marcelina pode ter tantas vidas quanto se deseje e quanto
for necessário na demanda da unidade de consagração em uma memória que a requer
e necessita. Não há que discutir.
É preciso começar a perguntar à religião, o que se entende
por história, como a concebe e até mesmo como pensa sobre uma etnografia do
tempo. Por aí, está a chave de se deixar Tia Marcelina ser tão poderosa que é a
diversidade fundando a unidade. Que história o povo da macumba pensa para si e
sobre ele mesmo? Lembro de minha inquietude quanto ao sentido da história para
os índios. Eu dizia que eles têm seus próprios historiadores e que os formados
na tradição saberiam encontrar o caminho de fazer a sua história.
Lembro de um fantástico choque teórico que recebi, em um
começo de noite no limpo do Ouricuri Kariri-Xocó. O Pajé Júlio dizia que eu
tinha uma canela enterrada lá. De fato, há um determinado rancho em uma
determinada localização e sempre fico sentado na calçada dele, e me entrego ao
silêncio. O silêncio foi passando e ficando tarde. Eu estava com um grande
amigo índio: Nunes. Decidimos cortar a mata pela estradinha do Ouricuri. Ele disse: “Professor, o senhor precisa
aprender a ouvir o silêncio!”. Olhei espantado, sentindo um quê de Castanheda
na história. Eu tenho um grande respeito por tudo que é sagrado.
Eu me virei para o Nunes e disse: “Posso pegar uma folha
para mim?”. Ele respondeu: “Pergunte ao espírito da mata, se ele
deixar...”. Então, eu procurei pelo espírito
da mata e perguntei se podia pegar a folha. Senti que recebi a permissão. Nunes
me aconselhou a andar com ela na carteira e assim fiz por meses, até que dei ao
Dário Bernardes. Acho que sem ter muito que conversar, fiz uma pergunta e
recebi uma resposta que me desconcertou. Perguntei a razão de gostar tanto de
planta. Ele então me despenca a cabeça:
“Mas professor, o senhor não é historiador?”.
Qual a ligação entre gostar de planta e ser historiador?
Continuou: “O senhor quer um historiador maior do que aquele pé de angico, que
fica na entrada do limpo? Ele sabe tudo sobre nós!”. Comecei a ver quanto a minha história era um
denada na vastidão das histórias e como o tempo tem as razões de sua própria
cultura. Foi fácil entender que o tempo
é a partilha de relações e as relações podem ser vistas de formas diversas, por
sujeitos diversos. A minha formação me impedia de entender a história exposta
por um angico, instalado no limpo de um Ouricuri.
Existem histórias que se revelam, que se entendem por meios
que não conheço e têm seu caminho próprio. É a história da Tia Marcelina. Não importa se ele era magra, gorda, baixa,
alta, se disse isto ou aquilo. Importa que
ela reine soberana na construção da memória e que seu nome é uma evocação do
passado e uma confirmação do presente: existiu, existe e existirá o povo da
macumba falado por Dona Maria do Acai. E Tia Marcelina a diversa na unidade tem
sentido e explica: ela passou a ser um ente estruturante.
Do ponto de vista acadêmica, temos os mais diversos
problemas com Tia Marcelina, Quebra e outros pretextos. No entanto, do ponto de
vista do povo da macumba, ela está muito bem resolvida, restando ver se ela é
uma referência do urbano de Maceió ou uma presença nas Alagoas. Mas isto tudo,
é o próprio andamento da Tia Marcelina. Os setores ditos excluídos,
marginalizados – termos que parecem uma ironia metodológica – resolvem-se.
Existe uma senhora chamada Lurdes, esposa do Moacir e que
morava no Tingui, vizinho a São Sebastião, antigo lugar chamado Salomé. O Tingui é um aldeamento Karapotó. Dona Lurdes é uma mulher brilhante e matou
muito bem a charada da história das etnias submetidas a vexame e talvez de
todas elas, mesmo as não vexamadas. Lurdes deveria estar brilhando em grandes
universidades; a ela devo dois grandes presentes. Um deles não interessa a este
texto e é como se come saburica na folha da moqueca ou da jurubeba, com a
pataca amarrando a moqueca. A outra foi a definição da história Karapotó, cheia
de categorias que bem iluminariam o entendimento da história que constrói a Tia
Marcelina.
É ler o que Lurdes tem a dizer, retirar as categorias e
pensar numa história concebida sem esta ancoragem acadêmica que tanto faz a
nossa cabeça. Disse a minha boa Lurdes: “A história dos Karapotó é uma história.
Uma história bonita e interessante. Já de descendentes, bisavós, tataravós, de
pai, de mãe... Vai passando de geração em geração. E cada um vai contando: meu
avô me contava assim, assim, assim, assim... Meu bisavô me contava assim,
assim, assim... Meu pai me contava assim, assim, assim... E cada um vai
contando.”.
UMA LEMBRANÇA DE AMOR PARA TIA
MARCELINA
Luiz Sávio de Almeida
SARAVÁ
As palavras negro e escravo tentam uniformizar
o que não podem; fomos gentes de todas as partes da África que foram açoitadas
para estes brasis. Isto é um assunto muito falado. O Gilberto Freire (1978), na
sua popular Casa Grande & Senzala, versou sobre o fato. Montou-se na mania
do mapeamento que enfrentou a antropologia americana e, nisto, ficou de grande
no relativismo de Mr. Herskovits. O nosso conterrâneo pilarense, o Dr. Arthur
Ramos (1934) entrou na dança, terminando por subscrever o difusicionismo de
Ellis com vistas à religião e danou-se a analisar a gente. Ainda foi bom, pois
houve tempo em que éramos matéria de Medicina Legal. Existe é um monte de tese
elaborada e quando em vez, um mestrando ou doutorando resolve escutar o
tam-tam-tam do ingome. Tá vendo, TIA MARCELINA, como existe entendido na gente?
Bom, minha TIA, todo mundo fala que por aqui,
nesta antiga e celebrada Maçaió, predominou a tal da tradição iorubana, como a
nossa linha de Orixás e, dentre eles, o nosso Xangô (Eiô! Cabecinha!), que
terminou dando o nome à própria seita. Seita era como o velho e grande amigo
Luiz Marinho, nas conversas arrastadas de sábado à tarde, chamava o grande
conjunto de terreiros. Por seita, juntava quimbanda e umbanda; juntava as
nações que existiam em nossa terra: gêge, ijexá...
Com a licença da TIA, que sabe muito mais das
forças da natureza, vivemos algumas fases diferentes. Quando a gente estava
vindo, éramos todos malungos naquele navio; a gente que já era apartada apartou
outra vez. Como é que se podia tentar viver, como antes? Que nada! Tivemos que
passar por uma nova geografia, vestir a religião dos brancos; usar a religião
dos brancos. E isto foi logo, pois lá nos Palmares já se comprovava. Depois,
conseguimos nos universalizar pela baixa renda; as piruetas de pobres
conseguiram montar as verdadeiras bases de uma religião nacional. É claro que
foi acontecendo um afastamento, até que os pontos terminaram por um balbuciar
de sons semelhantes aos das línguas dos avós, dos troncos. Hoje, a gente fala
com o Orixá, por herança. A TIA talvez sentisse o que a gente sente, mas iria
dizer que todo o mundo é analfabeto de pai e mãe.
A pobreza sempre é obrigada a abrir o seu
próprio espaço, e foi assim que montamos a quimbanda e a umbanda; foi assim que
os Orixás tiveram a nossa história; os Pretos Velhos e os Caboclos, o Padre
Cícero e o Cavaleiro de Bagdá, o Cigano e Buda sentado no Congá. Somos uma
grande geração de santos. É a religião do pequeno assalariado, do vendedor de
raspadinha, do despinicador de sururu, do menino do carrego, de todo um povo
que se eterniza nas pobrezas desta Maceió. Já tem rico coçando o ouvido de
babalorixá e as meninas de boa família, vivem de assanhamento nos dolorosos
casos de amor. Religião mesmo é a nossa, de quem tem medo de levar piaba do
santo.
A TIA sabe que nunca a vida da seita foi
pacífica nas Alagoas. Perseguição aqui, perseguição acolá. Por incrível que
pareça, no ano de 1952, quando se realizava a IV SEMANA NACIONAL DE FOLCLORE, o
Governo do Estado mandou perguntar se aquilo era religião, ou bagunça. Os
participantes, através de Edison Carneiro e de Renê Ribeiro, tiveram a coragem
de, pachorramente, responder, afirmando que era religião mesmo, com Direito
Constitucional embutido e tudo o mais. Hum...Hum, hum! Já viu TIA?
Apesar das perseguições, que foram inúmeras, nenhuma teve o
caráter sistemático e tal pompa e monta, quanto à desfechada pela SOBERANIA,
nos mando de Clodoaldo da Fonseca e da execrável LIGA DOS REPÚBLICANANOS
COMBATENTES, chefiada, como SANT’ANA (1986) anota, por um sargento que andou
sendo ferido lá pelos lados de Canudos; perdeu uma perna. Hoje, para o que era,
está uma beleza. E a morta mais assassinada, foi a minha querida e veneranda
TIA MARCELINA.
A elite
sempre tratou o Xangô como coisa de gente sem eira nem beira; ponta de rua. Por
outro lado, a confusão entre santos latinos e Orixás deve, com certeza, ter
roçado a inteligência da oficiosidade católica. O espiritismo, que estava se
afirmando nas ALAGOAS, devia correr léguas e dizer que qualquer semelhança era
mera coincidência. Ranços do positivismo deveriam identificar que estávamos,
cruelmente, bárbaros e o racismo, este sim, corria desembestado.
Acontece que, num esquisito passe de mágica, o
Xangô dos locais afastados, foi colocado no centro do poder e macumbeiro foi
catalogado como pertencente à hierarquia do Estado oligarca. A Soberania, num majestoso
rasgo de insanidade, deu o toque de que o Xangô era a religião oficial do
Estado de Alagoas, personificado na família Malta. Daí, as perseguições que
foram realizadas, a destruição dos templos, prisões, espancamentos, mortes.
Este período ficou conhecido como o QUEBRA e ainda estava presente na memória
dos terreiros de Maceió, há uns vinte anos passados, quando conversávamos com
Luiz Marinho, Joca, João e tantos que já se foram. Eles recontavam a história
da perseguição, falavam das Iaolorixás humilhadas e das fugas que se procediam.
ANACLETO, que tinha um terreiro na Rua de Santo Antônio, foi preso. Prisão que
foi anunciada no Jornal de Alagoas de 27.02.1912. MARIA DA CRUZ, que parece ser
a mesma identificada por DUARTE (1974), com um terreiro no FRECHAL DE CIMA,
escapou. Varejaram Maceió e queriam varejar o interior. Talvez, TIA, o terreiro
do ANACLETO ficasse na Ponta Grossa, na rua chamada Santo Antônio das Palhas. A
Senhora lembra? Só tinham casa coberta de palha. Saudade daquele povo, em TIA?
Os ingomes ficaram calados e muitos, juntos
com os Ilus transformaram-se em fogo ardente, qual fogueira de São João. O
Aleri ficou mudo e mudo, também, ficou o Adjá. O Xaxará de Omolu virou pagode;
o pataxó de Oxalá ficou envergonhado.
Onde estava Mestre FELIX do terreiro da Rua do
Amorim nº 11, em Jaraguá? Dr. ABELARDO DUARTE que, junto com THEO BRANDÃO,
impediram que as relíquias deste tempo fossem para os Estados Unidos, figurar
em Museu, onde estava o MANUEL GULEIJU? GULEIJU tinha o terreiro dele, pelos
lados do Mutange. E MANUEL COUTINHO, com seu terreiro na Rua que hoje chamam de
Dias Cabral? Isso, TIA, ficava na Rua do Reguinho. CHICO FOGUINHO, do
Pernambuco Novo? E o JOÃO CATARINA do Trapiche da Barra, filho de MÃE QUITÉRIA
do Gantois, na Bahia? E MANUEL DA LOLÓ, no Reginaldo? JOÃO FUNFUN e PAI AURÉLIO
da Levada? ADOLFO, do Poço? Vivos, ou com força de encantados?
O pau comeu, e feio! TIA MARCELINA tinha o
terreiro dela na Praça Sinimbu. Segundo o JOCA falou uma vez, numa festa na
casa do Celestino, ijexá, Jacintinho, tomando, um gole e outro de xequeté, o
terreiro da TIA ficava na esquina vizinha ao Restaurante Universitário. Hoje,
TIA, a senhora sabe que funciona uma Boutique? A Senhora se lembra, TIA, que
seu sobrinho aqui, morou, justamente, onde era seu terreiro?
O João, preto velho, amigo de fé, morando naquelas ruinhas
de Ponta Grossa, moço bom mas que trabalhava, também, pelas canhotas, foi quem
contou. No meio da pancadaria toda, a TIA MARCELINA não aceitou fugir. Para
onde? Distante de Axé? Longe dos filhos? A polícia veio com um monte de gente
gritando. Entraram, todos, invadindo o terreiro e a TIA foi para o PEJI. Que
melhor lugar, havia? Foi assassinada lá dentro, no PEJI, com o sangue correndo
no meio da comida do santo. E a tia sustentou; a cada chute que levava do
soldado, gemia para XANGÔ (ÊIÔ, CABECINHA!) a sua vingança e, no outro dia, a
perna do soldado foi secando, até que ele mesmo secou todo. A Tia era velha,
baixinha, franzina, um doce de côco de gente! Morreu...
Foram quatro artigos no JORNAL DE ALAGOAS ridicularizando
tudo e, especialmente, a TIA MARCELINA; a bruxa miserável, feiticeira de fedor
no sovaco. E no ano de 1916, nas edições de 27 a 29 de junho do mesmo Jornal,
ainda se martelava contra ela, numa série de artigos: O MISTERIOSO CONCLAVE.
Uns, mais eruditamente, dizem que a TIA MARCELINA morreu a golpes de sabre.
TIA MARCELINA; Coroa de DADÁ! DADÁ era o irmãozinho de
Xangô (ÊIÔ! Cabecinha!).
Pegaram tudo aquilo; o que não queimaram, jogaram numa
exposição de puro deboche. As peças foram da Liga para a PERSEVERANÇA e ficaram
expostas à curiosidade pública, com os búzios da Costa jogados na intolerância.
A PERSEVERANÇA ficava na Praça da Matriz e não, na Rua João Pessoa, onde hoje
se encontra. Em 1913 o atual Centro Sportivo Alagoano jogou muito foot-ball no
terreno da João Pessoa. As peças foram
para onde funcionam o Arquivo e a Biblioteca Pública. Depois, para a Rua João
Pessoa, nos passos de uma estonteante via sacra. Mas, se fosse somente a
exposição... Fizeram um bloco de carnaval, caracterizaram-se de filho e da
filha, desfilando e fazendo algazarra com a fé. Foi assim. Foi assim, TIA
MARCELINA morreu...
Mas não se brinca impunemente com as forças da
natureza, conforme o JOCA, fechando meu corpo, ensinou naquela sua risadagem de
Exu. Ninguém desmancha a ordem do Orixá. Apesar de tudo, não conseguiram acabar
com os terreiros. O QUEBRA aconteceu no mês de fevereiro de 1912. No dia quatro de Agosto do mesmo ano, há uma
denúncia do Jornal de Alagoas, pedindo que o povo tivesse cautela. Eis que os
xangozeiros se faziam vivos e, desta feita, lá para os lados do cemitério novo.
Maldosamente, a matéria dizia que se tratava de um antro de prostituição, para
onde iam criadas de servir. Mas, quem vai ter força contra o Machado de Xangô
(Eiô! Cabecinha!)?
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