Um pequeno bilhete sobre livros infantis
Contexto dedica sua edição de hoje aos
livros infantis, em texto elaborado por Simone Cavalcante, editora, escritora e jornalista, com mestrado
em Estudos Literários pela Ufal. Simone produziu os programas Autoria e
Caralâmpia, voltados à divulgação da literatura na TV Educativa de Alagoas.
Autora dos livros: A cultura alagoana para crianças, Literatura em Alagoas, Os
segredos da mata, Bob no país das verdurinhas, Ventania e o mapa do tesouro, e
do audiolivro Histórias para ouvir e cantar.
De muito vem se dedicando à literatura infantil e dando contribuição à
história de nossa literatura, além de ter-se dedicado ao estudo de Jorge de
Lima. Vamos ler Simone, pensar no que é
dito sobre a importância da leitura para a
criança e saber do que se desenvolve em Alagoas nesta importante área
cultural.
Sávio de Almeida
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CAVALCANTE, Simone. Literatura infantil: janelas abertas para um Brasil leitor. Tribuna Independente. Maceió, 11 mar. 2012. Contexto.
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Literatura
infantil: janelas abertas para um Brasil leitor
Simone Cavalcante
Há muitos obstáculos a
transpor para que o livro se torne um artigo de fácil acesso, de presença
constante na realidade da maioria das pessoas, tomando lugar na mesa do café,
na cabeceira da cama, ou na prateleira da estante; atraindo o olhar para as
vitrines das livrarias e dos sebos; ou motivando uma descontraída visita a
biblioteca. Mas seria possível sonhar com um país de leitores?
Cada vez que alguém
abre um livro, uma janela se abre nessa direção. Daí a importância de tornar a
leitura um hábito presente no cotidiano de casa e sala de aula. Em contato com
textos infantis e infanto-juvenis, as crianças e os jovens descobrem outros
mundos abertos ao lúdico, à imaginação e à consciência de mundo. Os livros os
transportam para reinos encantados e desencantados, onde podem habitar por
alguns momentos e, dessa estada, experimentar as mais variadas sensações.
O texto literário
possui, além do valor estético, outras dimensões abertas à exploração de cada
leitor. O livro infantil, em especial, tem o privilégio de conter duas espécies
de narrativa – a textual e a imagética – o que acentua seu potencial de
exploração. É possível contar e recontar o enredo por diferentes trilhas sem a
perda do elemento surpresa e das possibilidades de interpretação.
Mas ainda hoje, mesmo
com seus desdobramentos, a literatura infantil sofre uma espécie de preconceito,
sendo por vezes considerada uma escrita menor por alguns teóricos desavisados.
Caminhando na contramão, esse segmento continua dando grandes saltos, tanto nos
aspectos da autoria, riqueza textual e recepção – com o aparecimento de mais
profissionais no mercado e a conquista de um maior número de leitores –, bem
como no avanço de técnicas de produção (pop-ups, scanimations, recursos
sonoros) capazes de atrair até mesmo os olhares e ouvidos daqueles mais
distraídos.
No Brasil, quando se
fala em livro infantil, salta do senso comum a figura de Monteiro Lobato. Sem
sombra de dúvida, ele é um marco no ramo editorial, tendo assumido os papéis de
escritor, editor e distribuidor, à frente de empreendimentos de sucesso como a
Companhia Editora Nacional. Lobato soube captar as tendências mundiais,
implantando métodos de produção novos para o país, como a adoção da capa
ilustrada e a criação de uma grande rede de distribuição e circulação, formada
por intelectuais, amigos e livreiros. Um desses métodos, por sinal curioso, era
o envio de circulares para várias cidades, solicitando a políticos e pessoas conhecidas
endereços de pontos de venda onde pudesse escoar sua produção. E do seu
networking, nem mesmo o açougue escapava.
Se a personagem
Narizinho tinha o nariz arrebitado, Lobato, seu criador, era dono de um bom
faro editorial. Foi por suas mãos que surgiram várias coleções e séries de
livros que lançaram seus autores no plano nacional. As séries infantis e
didáticas tiveram um alcance estrondoso, sendo adotadas pelo sistema público e
privado de ensino. Ainda hoje a obra desse escritor tem uma considerável
repercussão, confirmada pela reedição de seus livros e pelos remakes de episódios
para TV de O Sítio do Pica-pau Amarelo, baseados nos seus enredos. Aqui estão
algumas demonstrações do potencial criador deste autor-símbolo, festejado todos
os anos no Dia Nacional do Livro Infantil, 18 de abril, data de seu
nascimento.
Pensar a literatura
infantil além de Lobato e do Dia do Livro é um exercício de abertura para a
riqueza desse universo. Antes e depois dele, outros autores e autoras se lançaram
ao ofício de escrever livros infantis e buscar formas permanentes de
aproximação com o público, tomando, muitas vezes, caminhos desafiadores. É o
caso, na atualidade, da escritora Lygia Bojunga que, depois de conquistar prêmios
internacionais de peso no segmento infantil e juvenil (Hans Christian Andersen
e Astrid Lindgren Memorial Award
– ALMA), decidiu abrigar sua produção no selo
Casa Lygia Bojunga. Quem sabe, talvez, cansada de um mercado editorial em que o
autor parece ser quem menos recebe pelos direitos da criação.
A aventura
de produzir livros para crianças continua febril como na época de Lobato. O
Brasil é, hoje, uma referência nesse segmento literário, tendo um mercado
interno bem movimentado por uma rede de editoras com alto grau de
profissionalização e concentrada nas capitais e metrópoles, convivendo com uma
produção independente distribuída em todo o território. É impressionante também
a circulação de títulos fora do país, em traduções que percorrem vitrines de
feiras internacionais, como a de Bolonha e Frankfurt.
Seria
impossível citar aqui todos os autores, mas talvez você, leitor, já tenha
ouvido falar de nomes como Ana Maria Machado, Pedro Bandeira,
Ruth Rocha, Elias José, Sylvia Orthof, Ziraldo, Tatiana Belink, Ângela Lago e
Maurício de Sousa. Ao lado dessa lista canônica, outros autores despontam na
cena nacional, afinal, o trem da história não pode parar. Lenice Pimentel,
Jonas Ribeiro, André Neves, Cléo Busatto, Giba Pedroza, Celso Cisto, Almir
Mota, Benita Prieto, Daniel Munduruku são alguns dos escritores que, tomando
lugar no tabuleiro, formam uma nova conjuntura da literatura infantil
brasileira.
Contando
a nossa história
Em Alagoas, embora incipiente
em termos quantitativos e tecnológicos, a produção literária vem sendo
conduzida pelas mãos de escritores e ilustradores com estilos diferentes de
contar suas histórias. A produção atual está aberta a diferentes
interpretações, fugindo do moralismo e do didatismo que por muito tempo
povoaram boa parte da literatura brasileira e universal feita para crianças.
Por aqui, a escrita de
textos para os pequenos teve o caminho iniciado por nomes como Rosália Sandoval
(Curso elementar de português, gramática infantil), Graciliano Ramos (A terra
dos meninos pelados), Hildebrando de Lima (Lições do tio Emílio, pela Companhia
Editora Nacional) e Judas Isgorogota (Um pirralho na floresta). Estes últimos
eram, por sinal, muito amigos de Monteiro Lobato. No entanto, tendo esses
autores consolidado sua trajetória em outros estados do Brasil, suas obras, à
exceção dos escritos do Mestre Graça, ficaram, praticamente, desconhecidas
pelas novas gerações.
Décadas depois, nos
anos 90, surge um divisor de águas: a aparição da escritora Ruth Quintella. O
conjunto de sua obra inaugura e melhor representa a fase contemporânea de nossa
literatura infantil. Apesar dos cabelos brancos e do corpo franzino, ela vive
numa inquietude permanente, utilizando a experiência adquirida ao longo do
tempo como professora para disseminar o prazer de ler, assumindo,
simultaneamente, os papéis de autora, ilustradora e contadora de histórias.
Daí por diante, novos
fios coloridos vão se tecendo na grande renda de palavras e imagens de nossa
literatura. Com textos em forma de conto ou poesia, fazem parte dessa rede
autoras como Fátima Maia, Luciana Fonseca, Cleo Soares, Socorro Cunha, Marijôse
Albuquerque, Juanina Ribeiro, Claudia Lins, Regina Barbosa, Isvânia Marques,
Maristela Pozitano, Sara Albuquerque, Eliana Maria, Adélia Souto, Luana
Teixeira, Geisa Andrade, Leonardo Pimentel, Tiago Amaral, Ricardo Cabús, Luiz
Alberto Machado, Diógenes Tenório, Daniel Libardi.
Se no texto de
literatura infantil as imagens também contam histórias, quem ilustra divide
espaço de coautoria do livro nas dimensões visual e narrativa. E nesse sentido,
é mais do que justo destacar ilustradores como Pedro Lucena, Weber Salles,
Ddaniela Aguilar, Eduardo Menezes, Paulo Caldas, Yuri Ávila, Nataska Conrado,
Wagner Bagetti, Vick, Claudio Jorge, Bruno Clériston, Thiago Oli, Chris K,
Emanoel Melo, Jefesson Henrique e o Estúdio Alba. Em cada trabalho, eles buscam
combinar seu conhecimento visual com o uso de diferentes técnicas e recursos –
aquarela, pintura a lápis de cor, manipulação digital, acrílica sobre papel.
Sem editoras
comerciais, os autores independentes financiam sozinhos os custos de publicação
do seu livro, e uma minoria consegue patrocínio em editais federais estaduais e
empresas privadas. Parte dessa produção é absorvida pela Coleção Coco de Roda,
mantida pela editora da Imprensa Oficial. Mas falta ainda uma política pública
de promoção, aquisição e circulação de livros que, enraizada na educação,
valorize as produções locais, regionais e nacionais.
Indo na contramão, organizações
sem fins lucrativos como o Sesc desenvolvem cursos, oficinas e encontros
literários. A ONG Oásis, com seu projeto Baú de Leitura, vem atuando com
formação de contadores de histórias em Palmeira dos Índios e outros municípios
do agreste. Em Maceió, a ONG Ideário realiza ações de leitura em grotas,
enquanto, em Piaçabuçu, o Ponto de
Cultura Olha o Chico aposta nas rodas de contação. Essas instituições difundem
o gosto pela leitura de textos infantis em áreas de vulnerabilidade humana ou
em lugares com baixo acesso a equipamentos culturais.
Ciente de sua responsabilidade
social, a ONG Teteia, voltada para a formação cidadã, vem tomar lugar também na
lista de instituições preocupadas com a leitura. Contando com o apoio do BNDES,
do Banco do Nordeste e do Governo Federal, a organização abraçou o projeto Trem
das dez – leitura a todo vapor, que consiste na distribuição de caixas de leitura contendo dez livros de
autoras e autores alagoanos e a realização de oficinas de contação de histórias
e de capacitação sobre técnicas de leitura literária.
Com a realização do
projeto, no primeiro semestre deste ano, 3.500 exemplares de livros serão
distribuídos gratuitamente para escolas públicas de Maceió e Marechal Deodoro. Fazem
parte da caixa os livros: A casa da reinação, de Tiago Amaral, A bela bruxa
Lilita, de Ruth Quintella, No reino de Bilinguindone, de Claudia Lins, O gato e
o rato de Socorro Cunha, O sequestro de Chiquita, de Leonardo Pimentel, Uma
bebê impossível - que saudade da vovó, de Luciana Fonseca, Ventania e o mapa do
tesouro, de minha autoria, Tatibitati e os mitos da mata, de Fátima Maia e A
galinha saudosa, de Ricardo Cabús.
Além da circulação via
projetos culturais, algumas produções circulam nas pouquíssimas livrarias de
Alagoas e fora do Estado, quando recebem selos de editoras regionais e
nacionais. Por outro lado, seja pela atuação individual dos autores ou pelo
trabalho de educadores e distribuidores, parte dessa produção vem tomando, aos
poucos, lugar nas salas de leitura e bibliotecas de escolas públicas e
privadas.
Pelo sistema de
adoções, muitos autores vêm incluindo seus livros nos planejamentos pedagógicos
das escolas, havendo em abril uma grande concentração de convites para que
participem de feiras literárias e bate-papos com as crianças. Mas o livro não deveria
estar na escola e na vida como o pão de cada dia, servido durante todo o ano em
projetos tomados de contação de histórias e visitas a biblioteca, a exemplo de
ações como Lê pra mim?, Histórias da Tia Felícia e Leitor Nota 100.
Se
há livros, como formar mais leitores?
Para chegar às mãos dos
pequenos leitores, o livro infantil percorre uma cadeia produtiva com várias etapas,
impulsionada por ações como as políticas de aquisição e circulação do livro do
Ministério da Educação (MEC), o Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), os
selos de recomendação da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ)
e os editais e concursos literários. Mas o acesso limitado e a falta de
estímulo à leitura ainda são problemas a serem enfrentados para que a leitura
literária se torne um hábito consolidado no país e, em Alagoas, particularmente.
Se os programas do MEC
para compra de livros funcionam como apregoam as propagandas governamentais,
como saber de que modo esse acervo está sendo utilizado em sala de aula? Será
que existem ações de leitura efetivas e sistemáticas, ou as bibliotecas
continuam sendo fechadas a cadeado como depósito de livros? As crianças podem
circular livremente nas salas e cantos de leitura, ou devem ficar lá na hora do
recreio como punição pelo mau comportamento? O livro de ficção infantil tem
espaço garantido nas prateleiras, ou dão lugar unicamente a textos didáticos?
Os professores insistem em ensinar literatura como meio de exploração de
aspectos da língua portuguesa ou como linguagem isenta de qualquer
obrigatoriedade?
Como diz o escritor
Saramago, “Tudo no mundo está dando respostas, o que demora é o tempo das
perguntas?”. Questionar a prática da cultura literária no ambiente escolar
ajuda a compreender por que o ato de abrir um simples livro de contos de fada,
folheá-lo e interpretá-lo, para muitos, parece ser algo distante ou trágico. Ao
falar de livros infantis, a seleção dos melhores e mais apropriados conteúdos
não caminha sem a discussão da forma como essas histórias tocam o imaginário e
o repertório diferenciado de saberes dos alunos.
A exploração de novos
sentidos no conteúdo lido pela criança, a capacidade de alargar seu olhar para
a relação da obra no tempo e lugar, a ligação dela ao fio do encantamento de
uma história para toda a vida, dependem da condução de vários fatores. Um deles
é preparar educadores e bibliotecários para o desafio da mediação de leitura. A
Biblioteca Pública de Alagoas e de outros estados, apoiadas pelo Programa
Nacional de Incentivo à Leitura (Proler), já vem realizando seminários e cursos
nessa direção. O Sesc e grupos como a Trupe Gogó da Ema, Carochinhas e Trupe
Navegantes, preocupam-se em difundir técnicas de contar histórias.
Mas chama a atenção o
fato de poucas universidades e faculdades apostarem na literatura infantil e
juvenil como disciplina de curso. Afinal, sem os recursos da formação, como os
educadores saberão empregar métodos cativantes para a conquista de novos
leitores? E de modo mais absurdo, como justificar o fechamento de bibliotecas
escolares para darem lugar a laboratórios de ciência, sala de aula e outros
fins, como aconteceu, no ano passado, com a Biblioteca do Centro Educacional de
Pesquisas Aplicadas (Cepa)?
Daí a urgência de marcos
regulatórios, como a criação de planos nacionais e leis estaduais de incentivo
ao livro e à leitura, como o fez os estados da Paraíba, Pernambuco e Ceará.
Dessa forma, escritores, leitores, editores, distribuidores, livreiros,
educadores e agentes literários, terão mais força para cobrar dos governantes investimentos
permanentes na área. A lei impede o fechamento de bibliotecas e motiva novas
inaugurações; incentiva a formulação de projetos de leitura; e impulsiona a
revisão de algumas metodologias ultrapassadas no cotidiano da escola pública e
privada que, longe de contribuírem para a formação de novos leitores, criam um
fosso entre as crianças e os livros.
Enquanto as mudanças
caminham, a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Livro,
prestes a alcançar sua terceira edição ainda este mês, vem apontando alguns dados
positivos nos últimos anos. Primeiro, é o fato de a leitura ser entendida como
algo prazeroso para a faixa etária de crianças até seis anos de idade. Segundo
é a influência das mães no gosto dos filhos pelos livros; às vezes, utilizando
somente a oralidade como via, considerando que muitas delas nem concluíram os
estudos. Ler ou contar de memória histórias dentro de casa, bem como investir
em projetos sistemáticos de leitura na sala de aula, são passos decisivos para
o ingresso da criança numa espécie de cidadania literária.
Essa cidadania nada
mais é do que o seu direito de ter acesso a livros, de ficção, sobretudo, em
diferentes gêneros e suportes, do papel ao meio digital; de poder curtir
momentos prazerosos de descoberta das histórias, sem se submeter a métodos
tradicionais que insistem em associar literatura com exercícios de gramática ou
a questionários limitadores, verdadeiros “purgantes” e “pílulas” que nem mesmo
Jeca Tatu ou Emília, personagens famosos de Lobato, teriam coragem de provar.
Se tem um vocábulo
capaz de responder o que é literatura, seja para criança ou para adulto, é a
palavra liberdade. E tudo leva a crer: a liberdade de escolha e interpretação
de obras, a criação de leis efetivas, a convivência com os livros nos espaços
da vida pública e privada, são janelas abertas para a democratização da leitura
literária no Brasil.
A literatura seja ela infantil ou não do Estado de Alagoas deve ser difundida e valorizada, parabéns pelo artigo.
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