sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

[HISTÓRIA: MEMÓRIA: ECONOMIA: BICAS: MINAS GERAIS] Manoel de Almeida. A agência do Banco do Brasil nos primeiros anos da década de cinquenta do século XX















Esta é uma pequena parte do diário do meu pai falando sobre seus tempos em Bicas, Minas Gerais. Ele tinha a mania de registrar o que acontecia e, como era sistemático, deixou uma imensa pilha de anotações. Sobre Bicas, utilizou umas poucas e escreveu duas páginas de seu livro cuja referência encontra-se abaixo. 




ALMEIDA, Manoel. Mémórias de um homem comum. Maceió: Instituto Arnon de Mello/Sindicato da Indústria do Açúcar do Estado de Alagoas/ Cooperativa Regional dos Produtores de Açúcar e de Álcool de Alagoas/ Associação dos Produtores Independentes de Açúcar e Álcool, 1992, p. 168/169.



Capa do livro do meu pai



Bicas era uma cidadezinha da Zona da Mata do Estado de Mina Gerais, com cerca de seis mil habitantes, a quarenta e poucos quilômetros de Juiz de Fora, cidade centro da região. Atividade econômica pouco expressiva, comércio pouco desenvolvido [...] Não havia estabelecimento industrial de maior porte [...[, as oficinas da Estrada de Ferro Leopoldina  [...] davam emprego a uns quinhentos operários. A agricultura era inexpressiva, destacando-se, apenas,  algumas plantações de café de baixa produtividade.  O que representava alguma coisa na economia era a criação de gado leiteiro, cuja produção era [...] despachada para o Rio de Janeiro.

Embora eu houvesse concordado em ir para lá como gerente, não posso dizer que a escolha tenha sido espontânea. É que não mais me interessava ficar em Penedo como contador mas não  queria afastar-me muito do Recife, onde minha filha Sávia desejava prosseguir no colegial e depois no de medicina, não me sendo possível, assim, voltar a trabalhar em Minas. Mas ao fim de 1951 eu estava ansioso por voltar ao Nordeste.

Já tinha então três filhos, dos quais Sávia era a mais velha, Luiz Sávio com 9 anos e Rita Maria, a mais nova, com seis meses de idade.  Sávia teve de ser internada novamente, daquela vez em Juiz de Fora, no Stela Matutina. O menino concluiria o primário lá mesmo em Bicas, no Ginásio Francisco Peres.

A agência acompanhando  a situação da Zona,  era de porte modesto e pequeno em tudo.  Em número de funcionários, em depósitos, no número de operações e no montante das aplicações, vindo, de muito tempo, apresentando resultados deficitários.


                                                                                                                     bicasturismo.blogspot.com
O Banco do Brasil ficava neste trecho, um pouco mais à esquerda, pelo que me lembro. Vizinho, uma loja de fazendas de um libanês, pai de um menino que foi um grande amigo meu: Kamal.  Ele migrou para Volta Redonda. Tinha um irmão mais novo chamado Hassid.  Tentei aprender árabe com o pai deles. Não saí da primeira letra do alfabeto ( LSA)

Eu não pretendia demorar-me muito no cargo, mas, nem por isso, me conformaria em deixar as coisas como estavam. Eram escassas as oportunidades da economia local, mas, mesmo assim, não estavam aproveitadas sequer pela décima parte. O trabalho foi árduo e cansativo mas contei com a cooperação irrestrita das classes produtoras e do funcionalismo da agência, merecendo destaque especial o sub-gerente Wilson Mendes de Freitas, que muito me auxiliou em tudo.

O êxito que alcancei nos dois anos e meio que permaneci na gerência da filial não atingiu, sob alguns  aspectos, o que eu desejava.  Não consegui eliminar o crônico defict operacional, mas reduzi à décima parte do que encontrei.  Porém isto, olhado por alguns ângulos, era muito além do que se poderia esperar pois o movimento das aplicações  multiplicou-se por dez e o número de rurícolas atendidos subiu a cerca de cinquenta vezes mais, mediante créditos normais e adequados. Face ao pessimismo que vigorava antes de minha gestão, o que aconteceu foi verdadeiro milagre e eu estava satisfeito com o trabalho realizado. 

Mas cada dia se acentuava a necessidade de voltar ao Nordeste e assim candidatei-me à remoção para diversas agências. Do ponto de vista funcional, muita coisa eu teria a dizer sobre  aquela fase,, se me fosse cabível estender-me mais. [...] Certo dia  recebi aviso telefônico de minha remoção para Palmares-PE, com a condição de desligar-me imediatamente. E cinco dias  depois eu havia resolvido, vendido por qualquer preço os poucos móveis que possuia, estando pronto para a viagem.


                                                                                                                         hhswoboda.blogspot.com
E lá fomos nós, via constellation da PANAIR



Até as nove ou dez horas tomei as providências  finais junto à agência e viajei  de ônibus a Juiz de Fora, tomando ali novo transporte ao meio-dia para chegar ao Rio às três horas da tarde.  Tive tempo de ir ainda à Direção Geral do Banco, lá recendo a documentação e instruções necessárias e, de volta ao hotel, comprei as passagens, de modo que à meia-noite estava tomando o avião com a família.





Estação Ferroviária  do Recife


As seis da manhã  estávamos na estação da estrada de ferro, no Recife, e tomamos o trem com destino a Palmares, onde chegamos antes das dez horas, houve tempo para almoço no hotel e, ao meio dia, início do expediente bancário, eu estava me apresentando para tomar posse.  Praticara a façanha de, mudando-me com a família, trabalhar um dia em Bicas, no interior de Minas Gerais e, já no dia seguinte, na hora certa, estar ativo em Palmares, no interior de Pernambuco, tendo viajado com volumosa bagagem, em dois percursos de ônibus, hospedagem em hotel no Rio, um percurso de avião e mais um percurso de trem, sem contar com o tempo gasto em transportes locais.



[HISTÓRIA: MEMÓRIA: MIGRAÇÃO: BICAS: MINAS GERAIS] Luiz Sávio de Almeida. Bicas em Minas Gerais (I). Família e migração: O senso de sair e mesmo assim ficar







Um beijo carinhoso em Eneida Padula, uma menina do meu tempo e que era muito bonita. E outro em sua filha Monalisa, uma bela amiga. As duas passaram a simbolizar a Bicas que recordo. Nada consultei para escrever o texto que irei apresentando. Nomes de locais e pessoas podem estar errados, embora estejam da forma como guardei na lembrança.












Minha cara Eneida


Segue a cartinha que prometi sobre nosso tempo em Bicas. Virou um cartão. Espero que tenha paciência e vá lendo devagar. Quando  estiver no tempo de recordar, eu vou escrevendo.
Um abraço
Sávio

A saga bancária de Manoel Almeida


       





 Eneida, eu não tenho uma imagem clara de quando cheguei em Bicas.  Sei que desci em uma estação  ferroviária;  vinha da cidade de Penedo, na beira do São Francisco, nas Alagoas. E suponho ter ido em um DC3 para o Rio de Janeiro. Meu pai tinha pressa em chegar; era sua primeira gerência e ele sempre foi fissurado em sua carreira.  Ele havia pleiteado a gerência de Penedo, não conseguiu; apareceu a chance de Bicas e ele não perdeu tempo. Era um desafio, um desastre de agência, com um imenso rol de dívidas em carteira, um verdadeiro abacaxi, mas do tipo que ele gostava de descascar e,  descascando bem, na certa ganharia relevo em sua vida de satélite, quando o Banco do Brasil era um gerador de emprego e transformador de uma pequena classe média em bons maridos,  partidos  a casarem com moças de bom viver.


O incrível São Francisco em  Pirapora


Penedo:   a cidade que me restou
                                                                                                                        capela-alagoas.com.br
Capela e o rio Paraíba
                






O Banco pagava bem e passar em seu concurso não era mesmo fácil. Estava Manoel de Almeida saído da agência de Maceió para a de Pirapora onde seria Contador. Voltou para Penedo na mesma posição, com a única vantagem tendo sido a de ter ficado perto da família na Capela e em Arapiraca. Na verdade, era o ramo de minha mãe cuja cabeça e vida repousavam nas histórias da Capela, mais chegada ao lado dos Albuquerques, embora filha de um Almeida. Caetana Maria de Albuquerque – conhecida por Dondon – era casada com o velho Fausto de Almeida, meu querido avô e a quem por ironia do destino,  nunca conheci. Eu já era casado quando a minha avô morreu e ela está enterrada em Arapiraca. Meu avô quando morreu, mamãe era recém casada, morava em Quebrangulo, onde meu pai tinha uma escola chamada Ateneu Quebrangulense e era secretário da Prefeitura do Município, depois de ter sido na Capela.
                                                                                                                                       en.wikipedia.org
Bicas, Minas Gerais
Seguir para enfrentar o desastre da agência de Bicas era um incentivo para meu pai, que  chegou a passar uma temporada precisando, aqui ali, da caridade pública para viver. Foi o vexame de não ter o que comer, Eneida,  que, em grande parte, deu-lhe a força necessária para não ter medo de enfrentar qualquer tipo de problema.  Ele iria para ser gerente de uma agência de baixa classe com um problema interno imenso, e estava determinado a vencer e certo de que receberia uma melhor comissão. Foi por isto que largamos tudo em Penedo e pela primeira vez na vida,  eu iria me afastar da maravilha das águas do Rio de São Francisco.

                O caminho levava ao Rio de Janeiro e ao Hotel Ambassador, onde meu pai sempre teimava em se hospedar, bem ali na Cinelândia, na Rua do Passeio. Eu não me lembro de nada desta bendita viagem. Nem mesmo de quando saí de Penedo, arrancado de minha vida e tão móvel quanto era a carreira de meu pai. Sei lá quantos anos eu tinha... Minha mãe fazia pouco, tinha saído de um parto.  Eu me lembro dela num quarto do Hospital de Penedo, lá no Cajueiro Grande. Não sei se tive medo de perdê-la. Parece que nada me passaram de temor, a não ser a incômoda sensação de ouvir dizer que eu iria ficar no canto, o que minha mãe rebatia e me dava segurança. Ela foi uma mulher fantástica, Eneida.

                Minha irmã pequenininha, quase um nada, seguia conosco. Veja como é a vida: ela vai morrer assassinada em São Paulo. Pois bem, embarcamos na Estação Leopoldina e deveria ser de madrugada. Não sei quanto durava a viagem do Rio para Bicas. O tempo para Penedo não mais existia. Meu umbigo havia sido cortado. Existia um tempo novo que eu não podia dimensionar. Mas fico com o vagão na cabeça e devo ter criado... Não sei, mas havia um  determinado trecho, subida de uma serra, que uma locomotiva especial puxava, tendo engrenagens  em cremalheira. Volto a dizer: será que criei? Sei apenas que obrigatoriamente teria que saltar na estação e que uma procissão de esposa, filho, filhas  e carregador seguiria meu pai para o Bicas Hotel ou Hotel Bicas, onde, na certa, tudo estaria reservado.




A foto não é boa, mas dá a ideia do hotel.

                Pouco me lembro do Hotel. Sei que havia uma escadaria que levava para o primeiro piso, e penso que abria em duas laterais.  Na entrada, do lado direito, ficava uma bombomnière; não  me lembro do lado esquerdo. O Hotel foi pensado simetricamente: os lados eram univitelinos.  E ele era longo, bem mais comprido do que largo.  Era uma frente que se tentava imponente, mas que jamais poderia ser pela pobreza da concepção:  uma tentativa de fazer um grande em um pequeno.  Após a entrada, pelo que guardei na lembrança, ficava o restaurante e depois dele, a cozinha.
Frequentei muito a cozinha, pois ia buscar água para o banho de minha irmã que dormia com minha mãe em seu quarto. Parece que a água era esquentada com uma resistência e eu subia e descia a toda hora que a higiene de minha irmã precisava.  Na cozinha, depondo contra a higiene, circulava uma boa quantidade de porquinho da Índia e que parece ter sido a vara indu,  do que imagino ter sido o filho do dono do hotel: suponho que o seu nome era Wagner. Dono, arrendatário, gerente, não sei.
Eu não tinha o que fazer e imagine o sofrimento de minha mãe, trancada em um quarto de hotel,  agüentando o choro de minha irmã mais nova e minhas encrencas com minha irmã mais velha. Minha irmã mais velha sempre teve educação refinada; quando vivíamos em Pirapora,  era interna no Sacré Couer de Marie, onde se rezava a Ave-Maria, falava-se francês e os talheres eram de prata.  Ela iria continuar no Stela Matutina em Juiz de Fora e eu seguiria para um grupo escolar de Bicas.
O que fazíamos os quatro alagoanos na terra mineira? Ver o trem chegar era um divertimento.  Ler revista em quadrinho,  era outro.  Papai tinha que nos tirar de dentro do quarto de hotel ou iríamos estourar.  Normalmente, ele nos levava para passear e terminávamos numa lanchonete que ficava logo após o cinema. Ele comprava algum refrigerante e, invariavelmente, um chocolate. De tanto ouvir o pedido, guardei a palavra Cremona. Era pequeno e muito crocante. Acho que foi nesse tempo que conheci duas outras coisas importantes: Grapette e Chica Bom. Refrigerante e picolé de chocolate. Quem bebe Grapette, repete.
Para me divertir, deram-me o meu primeiro brinquedo de corda; era um  jeep de  guerra comprado se não me engano, na loja do seu pai. Vivia com o jeep para cima e para baixo. Uma novidade para quem fazia seus próprios brinquedos com carretel, na vetusta,  gloriosa e mui leal vila do Penedo.  Eu ficava com ele no quarto, companheiro das horas sem fazer nada e para não abusar a minha mãe, coitada, carregando a lapada da vida que foi novamente deixar os seus, para meu pai confirmar-se como um grande homem do Banco do Brasil, como de fato terminou tendo uma carreira brilhante.
A solução seria alugar uma casa.  Dificuldade. Onde conseguir uma casa em Bicas com urgência e capaz de dar uma satisfação mínima?  Além do mais, os teréns não haviam chegado. Comprar tudo novamente? Quem vive para cima e para baixo carrega o mínimo de coisas; as principais, as de maior estima, o que é menos pesado. Tínhamos espécies de baús e parte vinha encaixotado, como os cristais de minha mãe que ela embalava com um cuidado impressionante, tanto que viajaram e viajaram e a coleção encontra-se em sua cristaleira que guardo em casa.  Imagina  o que era transportar uma quase casa para outro hemisfério; tudo sair quase da foz do São Francisco e ir bater na zona da mata mineira. Os cristais já haviam seguido de Quebrangulo para Maceió, de Maceió para Pirapora, voltado para Penedo e tomavam o de Bicas.
Não tínhamos nada e de certa forma éramos indigentes, com a necessidade de roupas de frio, desde que a nossa era feita para o calor úmido da velha Penedo, a declamada Princesa do São Francisco. Como dizia minha mãe, o frio em Bicas era tão pesado, que saía fumaça da boca.  Então,  era agüentar o rojão de não ter para onde ir, adaptar-se à comida como se fosse um outro pequeno país.  Feijão, modo de cozinhar o arroz, a gordura, tudo isto mexia conosco e  comida do hotel ia cansando, tanto quanto cansava a correria neurastênica dos porquinhos da Índia nas bandas da cozinha.  Éramos uma família de poucos metros quadrados, longe de casa e sentindo-se um pouco sem eira e nem beira. Éramos uma espera de trem e a degustação de um Cremona numa pequena lanchonete de interior,  onde um dia eu vi o famoso Dequinha do Flamengo, mas é outra história.
Eu não tenho dúvida, que havia um pequeno drama familiar se desenvolvendo. Relendo as memórias do meu pai publicadas em livro, o seu esforço para acertar-se com a vida colocava a carreira em primeiro plano e a família ía se ajustando e ele gerenciado os novos cenários que se abriam. Minha mãe unia e sustentava tudo, mas ela sentia uma imensa saudade da família nas Alagoas. Na verdade, ela trazia Alagoas dentro de si e a revivia contando interminavelmente as histórias da família.  Fui criado dentro do universo maravilhoso da Capela, tantas vezes contado e recontado  por minha mãe. Há uma geografia refeita na cabeça migrante. Alagoas resistia em Bicas. Era como se fosse dito: meu filho,  você está aqui mas é de lá.
A nossa noção de família era muito forte; tia Lurdes  largou-se de Alagoas com o marido e vieram a Bicas; em torno de um nada que havíamos saído  de Penedo,  tia Lurdes e tio Waldomiro bicaram. Como o tio Joel, irmão de meu pai, que veio ficar uma temporada conosco .  Ainda tenho foto do Waldomiro e da tia Lurdes em Maripá  e Guarará,  Juiz de Fora. Era o cuminho da família, aquele mesmo grude que havia feito com que meu pai aceitasse comissão menor, para sair de Pirapora e ir para Penedo. 
E era aquele batalhão  de gente na casa de minha avó na Capela, naqueles tempos de festa. Minha mãe e mesmo meu pai, traziam isto para Bicas; por mais que se pudesse gostar do lugar, ele não era o nosso e tudo se indicava pela falta do cuscuz. Os detalhes se maximizam em explicações, quando estamos fora e sentimos que estamos. Ali mesmo em Minas, pelos lados de Barbacena, construíram uma pergunta fantástica:  Como pode o peixe vivo viver fora da água fria?
Minha mãe era um peixe vivo criada nas beiras do Paraíba e vivida no meio da cana de açúcar  dos engenhos como Caborje que pertenceu ao meu avô Fausto, das canas de açúcar do Minhus que foi do meu bisavô, o Dindinho Néo, casado com a Dindinha Marquinhas, sendo ele Albuquerque Pontes e ela Sampaio.
Minha mãe tinha, o que antigamente se chamava de costados no rio Paraíba, no Paraibinha, no antigo e sumido Riacho Lavapés. Meu pai vinha do Monte Verde do meu bisavô José Francisco de Almeida, do Mumbaça do seu Manezinho, pai de meu pai. O Monte Verde nas vizinhanças do Riachão do Cipó, com esse Riachão do Cipó ficando na frente do Pitimiju, no caminho  para os encantados do Arrasto de Santa Efigênia. Meu pai nunca esteve em Bicas: meu pai sempre esteve na agência do Banco do Brasil; minha mãe nunca esteve em Bicas: sempre esteve na sua velha Capela onde me batizei.  E assim, todos nós chegamos onde nunca estivemos, mas vivemos. Bicas sempre foi tida como um provisório. Era uma passagem no roteiro de Manoel de Almeida.
Isso não significa que a cidade não nos interessou. Pelo contrário, foi uma boa experiência de vida, mas nós não estávamos preocupados em fazer o sul; estávamos interessados em fazer o Banco do Brasil. Vencer, era uma forma que meu pai encontrava para dar à família, aquilo que ele nunca teve. Ele foi um homem sem dúvida brilhante e profundamente ligado à família, dando-nos tudo de tudo. Ele também nunca havia saído de Alagoas. Toda sua vida consistia em voltar à Capela, onde o velho Seu Manezinho perdeu tudo o que tinha em uma das crises do açúcar banguezeiro.  Manoel de Almeida, o meu pai, chegou a pedir para viver, apesar do irmão ser  dono de uma usina de açúcar e considerado um dos homens mais ricos de Alagoas naqueles tempos. 
Tanto Bicas me marcou, Eneida, que, faz pouco tempo,  ao receber o título de Professor Emérito de minha Universidade, os lambaris do córrego que passava nas vizinhanças de nossa  casa,  surgiram claramente na minha cabeça. E eu vi que era também e humildemente, um pedaço daquele córrego que me parece era chamado de São Não Sei o Quê, ou talvez São João.
Qualquer dia, mando a segunda cartinha para você.


Um Feliz Natal