quinta-feira, 8 de novembro de 2012

[Banco de Imagem] Luiz Sávio de Almeida. Setenta anos de idade e, então, falta pouco



Setenta anos de idade e, então, falta pouco









[Memória] Luiz Sávio de Almeida. A redação: vício maravilhoso


O Jornal. Maceió. 06.11.2012. p. 6


A redação: vício maravilhoso

 

 

 

Luiz Sávio de Almeida

 

 

 


                Volto a escrever para jornal; para mim, é difícil viver fora de uma redação, mesmo que indiretamente. Foi em jornal que comecei a escrever, convivendo com bons companheiros como Arlindo, Marcos Guerra, Manoel Chaparro e tantos outros nas instalações de A Ordem, em Natal, Rio Grande do Norte, enfiadas no prédio que viria a ser a nova catedral da Arquidiocese.  Contudo, trabalhei mesmo em um pequeno jornal e que apurou a minha forma de escrever. Trata-se de Vida Rural, editado pelo Serviço de Assistência Rural, também em Natal e ligado à Igreja. Além do mais, fui redator da Emissora de Educação Rural, com noticiários voltados ao homem do campo.
No mais, também para o campo, escrevi o que se chamava de rádio-teatro e tive a companhia de Nazira Vargas e Socorro Santos; atualmente, a primeira é antropóloga e a segunda médica. Arlindo continua jornalista, Marcos é advogado, Chaparro é professor de jornalismo na USP. Acho que o jeito de escrever ficou pronto naquele tempo, depois que tive a coragem de publicar dois folhetos de feira. Um deles, por acaso, encontrei em um site sobre a esquerda católica e o outro se escafedeu. O primeiro foi uma encomenda de D. Eugênio Sales para uma campanha de consciência no voto e trabalhou um bordão da CNBB: “Voto não se vende, consciência não se compra”.  O segundo escrevi com um compadre meu, infelizmente morto. Era um cantador de viola: Chico Traíra. O título era A fachada do gigante ou as dores do Brasil, vendido por ele e por mim nas feiras do interior do Rio Grande do Norte. O apurado se transformava em carne de bode, cachaça  e cerveja.
Posso dizer que fui criado, intelectualmente, entre redações de rádio e jornal. E não posso deixar de reconhecer que foi uma época maravilhosa, talvez a melhor pelo que se juntava de boemia e camaradagem. Minhas redações sempre foram angélicas; não me lembro de problema e nem de algum cavalheiro do mal. Nenhuma encrenca; apenas o dissabor do suicídio de um grande e bom amigo, mas ele já estava em São Paulo, trabalhando na Editora Abril. Isso sem falar no desmanche de 1964.
Aqui em Maceió, colaborei com O Semeador, o jornal do Freitas Neto, o Jornal de Hoje, Correio de Maceió, Jornal de Alagoas, Gazeta de Alagoas e outros, mas meu envolvimento mesmo foi com O Jornal e Tribuna Independente, dois projetos que falam, sobretudo, para o futuro. Foi aqui onde nasceu Espaço, uma experiência de encontro com a imensa massa de matrícula universitária existente atualmente em Alagoas. Espaço gerou livro, citações.  Seus temas formam um denso painel sobre Alagoas e muitos nomes novos foram mostrados ao público leitor.
É a fenomenal atração pela redação, que me carrega para este novo encontro que espero seja fértil, bom, humano. É um diálogo diferente, mas interessante, pelo menos para mim. Dá uma ideia de disciplina, saber que toda terça tenho a obrigação do texto, mas maravilhoso mesmo é o cheiro da redação que passo a revisitar.

[Texto: Literatura: Graciliano Ramos] Luiz Sávio de Almeida. Um pequeno comentário sobre Graciliano



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ALMEIDA, Luiz Sávio de. Um pequeno comentário sobre Graciliano. Diário Oficial do Estado de Alagoas. Maceió.  

 
Um pequeno comentário sobre Graciliano
Luiz Sávio de Almeida

 



Graciliano viveu a necessidade de definir sua vida, como qualquer um de nós. A diferença estava na genialidade, na capacidade de expressar a vida com palavras escritas. Seus dias em Viçosa, Quebrangulo e Palmeira foram de aprendizado sobre nosso cotidiano e levaram a que fundasse uma obra capaz de universalizar um tempo e um espaço, conseguindo demonstrar que a partir das especificidades é possível aclarar a generalidade.
Do ponto de vista de construir sua vida, seria difícil considerar que não desejasse novos horizontes; seria uma aspiração normal. Sabia que estava necessitando da circunstância, mas sacava que poderia transcendê-la. É o que suponho ter passado por sua cabeça. A Prefeitura é uma espécie de acaso. É algo que devemos nos habituar: o acaso, o inesperado, o peso do fortuito. È aquilo que vem sem ser esperado e assume uma posição central e vai ter uma série de consequências se desdobrando. Ela gerou um Graciliano público, um Graciliano evidente, apesar de que ele de muito era escritor.
Até que o Relatório não é tão grande coisa do ponto de vista de uma peça literária se não entendermos que é inusitado e contraditório. Inusitado pelo que aparece de chofre, contraditório pelo choque entre o novo e o velho. Era e não era um Relatório da Prefeitura de Palmeira dos Índios? De repente, a subversão gracilianesca rompe Palmeira dos Índios? Era um passo para fora do universo das Palmeiras, envolvendo educação, cemitério, estradas... Esteve empenhado na construção da malha rodoviária que propunha Álvaro Paes pelos trinta, quando o sertão tinha que chegar ao mar.
O Relatório não é um manual de civismo com lições para a ou para b. Graciliano, suponho, detestaria a ideia de um moralismo provinciano. Na verdade, ele deu um chute na barraca, sem a força suficiente para derrubá-la. O Relatório é o andamento do acaso prefeitural. A vinda para Maceió era um salto e foi assim que deve ter sentido, passando pela responsabilidade do Diário Oficial e depois chegando à alta administração na área de educação.
Deveria ter suas ligações à esquerda e nisso implica-se o Partido Comunista, mas não era membro. O PCB teve sua primeira célula alagoana em 1928, na rua São José, casa de Américo Sapateiro que depois pertencerá à polícia secreta integralista, tendo saído do Partido em face de disputa pelo comando local, depois de ter sido preso em 1932 e seguido para o Rio de Janeiro na companhia de alguns líderes como foi o Gororoba. Em face de 1935, o Partido é destroçado, havendo tentativa de reconstrução mas sem que tivesse condições de ganhar maior presença pública até o envolvimento do Brasil na guerra, aliado da União Soviética. Bom, não se encontra o nome de Graciliano ligado, por exemplo, à Aliança Nacional Libertadora, frente que se lançou contra a ditadura e salvo rumores de conversas no Café do Cupertino e em pequeno bar, pouco se sabe da militância. Mas é preso em 1936, algo nunca efetivamente explicado, tido com comunista de ferro.
Nunca aflorou o nome de Graciliano como militância comunista, em minhas longas conversas com Alberto Passos Guimarães e com José Maria Cavalcanti sobre estes tempos. Uma vez, conversando com Rachel de Queiroz, ela disse que iria dar em segredo, as tais razões da prisão, mas que eu somente poderia divulgar depois da morte dela. Espirituosa como sempre, disse-me que morreria logo, logo... Retruquei que não era isso e sim que ela poderia ficar com o segredo dela, pois não me interessava saber; quando ela morresse eu não poderia provar nada e fiquei sem saber sobre o tal sigilo que eu seria obrigado a manter durante toda minha via, morrendo escravo da curiosidade.
Existiram boatos e conversas sobre isto; quem sabia era o Graciliano e enterrou-se com ele. Era mais um dos acasos a fazerem consequências históricas? Não se pode duvidar quanto ao fato de que mesmo estando ligado ao governo, ele poderia ser e estar comunista sem envolvimento direto com o Partido. A verdadeira mentira tem astúcias de verdade; não se “planta” alguma coisa contra alguém e que possa ter efeito, sem nexos prováveis dentro da realidade. Diz o povo que onde há fumaça, há fogo: o que é plantado pode ser verdade e, então, toma-se a hipótese bem construída como a verdade categórica. Era uma grande oportunidade para destruí-lo, palavra que deveria ter vindo entre aspas.
O fato básico é que ele vai amargar Fernando de Noronha e parece-me que seu comunismo vai ser construído no sofrimento, até que se filia e milita no PCB. A frase anterior parece piegas, mas apenas acentua o aprendizado que teve: a escola do cárcere político. É uma bela caminhada que começa pelos sertões para se universalizar sobre o Brasil. É claro que este modo de ver a vida e ver o mundo teria implicações em todas as suas atividades. O fato de ser um escritor marxista e filiado ao PCB não lhe retirou a crítica e aconteceu acentuada polêmica interna sobre o curso de sua obra.
Na verdade, o fato de Graciliano ter pertencido ao PCB não é vital para qualquer coisa em seus textos; o vital é seu compromisso com um sonho de igualdade que nunca foi uma simples quimera. Ele nos ajudou a ter o nosso País de São Saruê, legítima visão de quem tem fome e sede e que vai bem mais além do que uma Coconha mediavalesca; Graciliano nos ajudou a encontrar os nossos pobres esta é uma das melhores razões para que se escreva.