quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

[HISTÓRIA E MEMÓRIA] Luiz Sávio de. Rua da Penha: vedetes, política e costumes Rua da Penha:








Esta matéria foi publicada na coluna Espaço de O Jornal, Maceió, na edição de 23 de janeiro de 2010.







Seguimos com Penedo, recordando. Pelo menos, diverte e fica um pequeno depoimento sobre a Rua da Penha e seus mundos na transição dos 40 para os 50. Penedo era muito grande para viver na minha cabeça, mas a Rua da Penha era um universo legal. Não digo que estou fazendo uma história cultural ou dos costumes. Estou apenas recordando e nisso aparece muita coisa que dormiria oculta, nomes que se acabariam sumindo como se o tempo fosse volátil.




Cada um tem no seu espírito as suas recordações, classificadas, arranjadas, superpostas,  as mais recentes por cima, as mais antigas por baixo, numa ordem admirável, que apenas ligeiramente é perturbada pelo decurso de um grande 
tempo, suprimindo-se algumas lembranças ou deslocando-se outras. Basta, porém, 
que uma causa desperte a adormecida reminiscência, para que venha por assim 
dizer, à tona do espírito a mais antiga imagem do passado. Esta causa pode ser qualquer,  
uma harmonia que se ouviu outrora e que novamente se ouve, um lugar por  

onde algum dia, passou-se e que se torna a ver, um painel, uma voz, uma fisionomia,  

um aspecto... que lembram-nos pela semelhança ou pelo contraste um aspecto,  
uma fisionomia, um painel que noutro tempo nos impressionaram.







Raul Pompeia em um conto: A andorinha da Torre


A rua: a comida e o tempo
                                                                                               



                                                                                   http://digitalizacao.fundaj.gov.br

O fundador da Padaria Pilar: Luiz da Fonseca Oliveira
Pilar era a marca (massa) que ficou na minha cabeça, empresa que data de 1875, de história familiar e que a partir da década de 30 fabricava macarrão. A ela associo o biscoito que eu comia com leite e costumo fazer isso ainda hoje. O biscoito   Maria tem nome de quem? Quem foi essa Maria que todo mundo come? Será que foi mesmo criado em 1874 em homenagem a uma Duquesa chamada Maria Alexandrovc, conforme andei lendo não sei onde? Se for, a Duquesa virou bolacha que em todo canto se acha. O que marca o Biscoito Maria, para mim, é o tom do gosto da baunilha. O Maisena já é mais ácido, sei lá, algo cítrico, aquele retângulo quem sabe   rombudo. Além do mais, aquele redondinho ilustrado da Maria, bom de pegar para dar a dentada o faz favorito entre os biscoiteiros ou será o Maisena? Apessoa que tinha cara redonda, a gente chamava de Bolacha Maria. 


 Sexta-feira eu me espalhava, pois era dia de peixe, e ele aparecia de várias maneiras e vezes na figura de um surubim. Piranha, lembro lindas... Hoje surubim está sumido do rio.                       
                                                      



As piranhas  também andam  umidas; eu era proibido de tomar banho no rio por causa delas; hoje, caio dentro e fico deitado sem o menor  sobrosso e nem  nado apenas de costas, como era altamente aconselhável. O rio teve suas  desilusões e nisso levou seus peixes. Piranha ainda se pega e vez em quando numa lagoa, ela entra no cuvu e faz algum estrago. Não acabaram, mas deixaram de ser a fera do rio, que ainda guarda nas suas águas este ser quase mitológico e de insidiosa vida.


A piranha e o cuvu


O Nei Lopes considera que o cuvu é um nome bantu, quicongo Kivu. O termo se encontra em palavras compostas mas não ligadas à pesca no "Diccionario da Língua Bunda ou Angolense explicada na Portuguesa e Latina composto por Frei Bernardo Maria de Cannecattim", publicado em Lisboa pela Impressão Régia (M.DCCCIV) e também aparece no "A comparative Grammar of south african languages" de 1869 e ali é ligado à água pois se relaciona a qualquer coisa como hipopótamo. 


 Mas o que importa mesmo é a beleza da pesca do cuvu e o perigo; ele é um cone; uma espécie de haste é presa nos aros e ultrapassa o último, que é justamente a parte que vai ser enfiada no lamoso. Na parte de cima, tem uma abertura e a pessoa enfia a mão para pegar o peixe, no que pode ter a grande surpresa da piranha e ela pode também estar na água ao derredor. Arranca facilmente o naco da batata da perna. O caldo de piranha dizem que é bom para retornar as ardências pessoais.


A culinária e o senso de pedir


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A traíra
Nunca fui muito amigo de pirão  de peixe; sempre fui mais partidário do frito; eu me deslumbrava mesmo 

era com o bacalhau, que naquele 

tempo ainda era bom; ele ia para 

mesa de formas diferentes: a melhor 
era assado na brasa, feitas iscas, temperado 
com um vinagrete onde o 
cheiro verde predominava.  Minha 
mãe que era chegada à pimenta, fazia 
um molho à parte e vamos lá. Minha  
mãe me fez ficar com mania de 
pimenta. O usual era tirar o caldo do 
feijão, amassar uma, e lá vai fumaça. 


A alta culinária portuguesa conheceria 
de tal mistura, pelo nome de  

molho de pobre e de tal pobreza dão 

conta duas receitas de Lucas Rigaud,  
em seu livro de algumas edições, a 
mais antiga que conheço sendo de  
1785. 
A de 1826 já era a quinta edição,  sinal do sucesso de um dos mestres 
da  cozinha de sua majestade. Ele dá a 

receita do que chama de molho de 
pobre: "Deitem em uma tijela, ou em 
uma salseira, cebolinha picada, sal,  
pimenta e água, e sirva-se frio.". Era  
mais ou menos exatamente isso.  
Parece contudo, que o exercício de 
minha mãe era mais inteligente, pela  s
ubstituição da água e eu devo considerar 
que brigatoriamente todo
peixe pede pimenta. O rei de todos  

os peixes é a traíra, mas é preciso 

saber, ter ciência. 
      Tinha razão a minha mãe; como tinha  razão Guiomar  
quando dizia  

que fava pede somente água e sal.   



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Criei inúmeras piabas.

Maria José da Capela encontrava-se com a Guiomar no meio do caminho 
entre Boca da Mata e Anadia e se 
encontrava também com a Zezinha 

da Bananeira de Baixo, louca por um 

peixe fosse qual fosse, podendo até 
ser cospe-cospe e adepta da pimenta. Viesse piaba, cará o que fosse, Zezinha (mãe da Guió) traçava com gosto e, da excelência dos seus conhecimentos saía uma máxima culinária: "Teve um olho, dá um molho!". Eu não gosto de cospe-cospe a não ser bem seco, como a piaba. 


          Já criei cinco traíras e adorava ficar vendo o comportamento delas: passava horas sumido do mundo, em companhia da Chica, mais ou menos de palmo. Fiz uma toca para ela, um cantinho escuro e bonitinho. Chica enfiava o corpo e a cabecinha ficava de fora como se fosse uma enguia e acho que as duas se simpatizam. Aí, lá vinha uma piaba toda fagueira: frescava daqui, rodopiava dali e passou dentro da área de operação da Chica, que traíra não gosta de sair para estar pescando especialmente na água clara, por isso é que em alguns cantos se faz a minjuada. O bote era rápido, espantoso, sem ao menos a piaba anônima perceber. Chica era traíra.



A Rua da Penha e o Hermes Trismegistrus


Hermes

  Era o pedir, aquilo que presidia a  cozinha de Maria José de Almeida, 
intuitiva e capaz de proezas. O pedir 
exige atenção e uma escrita. Existe 
um discurso limitado no termo gastronomia 
e amplo em cozinha e 
culinária. Considere-se que o discurso 
culinário ultrapassa o alimento 
e cria a comida e, nessa construção, a 

regra do pedir é essencial para que - 

vou ousar a construção de uma 
imagem - a condição alquímica se 
concretize e deixe de ser apenas uma 
aspiração de Hermes Trismegistrus.



 Continuando a ordem da imagem,  na cozinha lá de casa havia uma 
espécie de Corpus Hermeticum 

legível pela intuição ou pela arte do 

saber o que se pede: vencíamos as 

coisas sutis e penetrávamos no sólido, 

como está escrito na Tábua de 
Esmeralda, texto atribuído a um ser  
que detinha as três partes da filosofia 
universal.

          É este saber pedir, que levou  Darcy Ribeiro a uma comparação 

aparentemente esdrúxula ao falar em  

culinária francesa e imediatamente  
compor sobre a  apacidade do caboclo  
produzir sucos. Há relação entre  
o saber pedir e o ambiente, sinal  
inequívoco de que a cultura se 
escreve em tempo e lugar definido,  
coisa antiga e por demais dita, mas 
necessária de ser recordada vez e 
quando, para reafirmar a importância 
do local. Por exemplo, a impotência 
pediu caldo, o caldo pediu piranha, 
a piranha pediu o cozinheiro, o 
cozinheiro fez uma nova piranha que 

jamais seria a mesma piranha do rio e 

agora, alquimicamente, era a habilitadora  
de sexo humano. Há sempre 
uma necessidade que pede, como a 
fava somente pede sal e farinha.


A fundante da tradição culinária

                                                                                                                                      trekearth.com

Rio São Francisco
 É claro que se pode partir para uma série de regras implícitas no pedir da culinária, da mesa da casa naquela rua de Penedo. Em primeiro lugar, quanto mais existir, quando mais será pedido; jamais a cozinha de Penedo poderia deixar de ser cozinha de rio, justamente por Penedo ser um rio;  então, no fundo, quanto mais particular mais expressa o rio; em segundo lugar, quanto mais experimentada mais seria usada ou não, sendo uma comida que fica, aquela que permanece, um resultado do tempo.

memo.fr
Levy Strauss








Bastam esses elementos para que se tenha a culinária como história, um processo que se desenvolve e, portanto, a mesa da Penha era extraordinariamente complexa. Numa mesa cabe o mundo e, então, seriam necessários diversos mundos para habilitar a da Rua da Penha: um universo em cada particular. Estamos diante do que poderíamos chamar de micro-cozinha, existindo a macrocozinha penedense, com seu saber de excelência sobre o rio, mas esta não nos interessa aqui. Estava a intuição da Maria José, a maitre, a que sabia fazer e que sabia dizer se estava bom, se a cozinheira prestava ou não, se estava desleixada ou não. Houve uma história que se desenvolveu em decisões sobre o concreto, como apreendo (concreto da decisão) de Levy Strauss na dualidade do Cru e do Cozido. 

                                                                                                                    capela-alagoas.com.br
A encantada Capela das Alagoas







A história sentada em nossa mesa, jamais poderia minimizar o papel fundante de Dona Maria, como não poderia acabar com o de Guiomar na Vitória do Periperi, da Comadre  Myrian no Bebedouro, e mesmo da maravilhosa coalhada do Pacaviral do primo Agnelo, que chegou a entusiasmar a
veia poética do saudoso primo Natalício de Almeida - com quem eu andava léguas capelenses -, aquele que compôs um hino àquela coalhada maravilhosa, declamado para mim no portão do Cemitério da Capela, de onde se via a estação do trem, onde o Cabo Leobino foi dar de corpo e caiu sob uma bala disparada não se sabe de onde, depois de ter desarmado gente grande no tempo do Costa Rego, no afoito de cumprir ordem de governo.



                                                                                          capela-alagoas.com.br
A estação da Capela na década de 10 do século XX


Hoje a estação morta, está vizinha do Bar que não tem nome, do primo Ayrton que fundou o melhor caldo de feijão das Alagoas, no lado do Cartório do Cícero Cocó, o primo Cícero de Almeida, pegado no Forum da Capela, que se introduziu - o Forum - no lugar que foi uma bodega do meu avô, depois que fechou a da Praça 13 de Maio em Maceió, um pouquinho melhor de vida, já saído da Rua do Cisco da capital, onde morou a Tia Terezinha ou outra, pois não garanto essa parte.

Dona Maria fundava uma culinária sobre a tradição e assim a renovava, colocava seus gostos, seus sabores em evidência. Isso mostra que o herdado sempre encontra o momento do novo e isto nos leva para além da estrutura e a ver, também, o essencial pendor pessoal nos momentos da história. Gosto da discussão de Shallins que passa por aí, pela função pessoal no coletivo do tempo. As donas de casa fundavam o sabor da unidade. Guiomar fundou sua tradição por cima da tradição da Bananeira de Baixo e dá-se um fervor meio alquimista, pois ela nem rompia e nem  interrompia a Bananeira, no imediatamente novo de cada prato de feijão que dava a todo novo dia para o seu povo comer. Dona Guiomar transitava. 


A fundante, a memória e o sabor

 Não fosse Dona Guiomar, jamais haveria uma determinada lembrança, retorno de sabor/Guiomar. Isso não é genético ou linear; simplesmente, Guiomar era fundante ou seja, a balizadora do novo. Era o que se dava com Dona Maria que vinda da Dindinha Mariquinha, sentiu o novo da Caetana Maria de Albuquerque - a Dondon - e levou o novo-novo para seu filho. Imagine-se a ausência de Maria José e Guiomar? Tenho vontade de me definir como um gosto no renovar da tradição. É muito complexo, difícil discutir como se fundava o gosto de cada casa da Rua da Penha, elas com suas histórias próprias. E Maria José não era estanque; lia, recortava receita, colava ou transcrevia para seu caderno que ainda conservo comigo, espécie de relíquia da memória familiar.  Maria José tinha seu gosto, mas devia pensar no de todo mundo. Lembro de ouvir uma conversa: "Eu gosto, mas nem Manoel e nem os meninos gostam; aí, não mando fazer". Era uma fundante basicamente para os outros.







Isso abre o meu senso piegas e digo 
ser difícil algo mais evangélico do 

que uma mãe na cozinha, quando 

deseja, é bem verdade. 
Há uma musiquinha de letra 
brocoió de David Nasser - composta 
com Herivelto Martins - e gravada 
pela Ângela Maria e João Dias.


                                                                                                                                                                       



É a mesma Ângela 

Babaluuuuuuuuuuu meia tentando 

ser uma espécie de Yma Sumac 
carioca, falando para um orixá do 
Caribe, equivalente a Obaluaiê justamente, 
el negrito Babalu, agraciado 




com fumo e cachaça, no maior 

papo de encruzilhada, o Babalu da 
Santeria, o 

que parece mais coisa de 

exu. Babalu foi gravado em 1958 e 
não presenciei a macumba cubana 
dentro das casas da Rua da Penha; 
já havia saído de lá.































 Pois bem, a 

música do David Nasser lembra da 
mãe cozinha: O avental todo sujo 
de ovo. Era a mãe doméstica, a mãe 
do domus efetivamente viva. Mas, 
evidentemente, a minha mãe não se 
resumia a isso, mas passava pelo 
caminho, como toda e qualquer 
mãe que pegava no pesado daquilo 
que era o lar, doce lar, um local de 
insana trabalheira












[ HISTÓRIA: MULHER: MARIA DA PENHA] CAVALCANTE, Stela Valéria de Farias. Pequenas notas sobre A LEI MARIA DA PENHA










Esta matéria foi publicada no tablóide Contexto do jornal Tribuna Independente, Maceió, na edição de  9  de Outubro de 2011




            Conhecida como Lei Maria da Penha, a lei número 11.340 decretada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo ex-presidente do Luiz Inácio Lula da Silva em 07 de agosto de 2006; dentre as várias mudanças promovidas está o aumento no rigor das punições das agressões contra a mulher quando ocorridas no âmbito doméstico ou familiar. A lei entrou em vigor no dia 22 de setembro de 2006, e já no dia seguinte o primeiro agressor foi preso, no Rio de Janeiro, após tentar estrangular a ex-esposa.

            Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

            O art. 2o. estabelece que toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.

            No art. 3o são asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. § 1o O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

            A Lei Maria da Penha estabeleceu no artigo 5o. o conceito de violência doméstica e familiar contra a mulher como qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
Art. 6o A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.
Art. 7o  São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.




PRINCIPAIS INOVAÇÕES DA LEI MARIA DA PENHA

·      Define a violência doméstica e familiar contra a mulher.
·      Estabelece as formas de violência doméstica contra a mulher, como: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Determina que a violência doméstica contra a mulher independe de orientação sexual.
·      Cria Juizados Especiais de violência doméstica e familiar contra a mulher com competência cível e criminal para abranger todas as questões.
·      Proíbe a aplicação de multas e cestas básicas como pena, retira do rol dos crimes de menor potencial ofensivo.
·      A pena para o crime de violência doméstica passou a ser de 03 (três) meses a 03 (três) anos.
·      A mulher somente poderá desistir da ação perante o juiz.
·      Proíbe a entrega da intimação pela mulher ao agressor.
·      Possibilita a prisão em flagrante.
·      A mulher vítima de violência doméstica será notificada dos atos processuais, especialmente quanto ao ingresso e saída da prisão, do agressor.
·      A mulher deverá estar acompanhada de advogado ou defensor em todos os atos processuais. Se a violência doméstica for cometida contra mulher com deficiência,  a pena será aumentada de 1/3.
·      Cria as medidas protetivas de urgência estabelecendo, entre outras, o afastamento do agressor do domicílio ou local de convivência do casal, bem como encaminha a ofendida, juntamente com os seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou atendimento.
·      Suspende o porte de arma do agressor.

[HISTÓRIA: MULHER: :VIOLÊNCIA: MARIA DA PENHA] CAVALCANTI, Stela Valéria. 5 ANOS DA LEI MARIA DA PENHA: CONQUISTAS E DESAFIOS










Esta matéria foi publicada no tablóide Contexto do jornal Tribuna Independente, Maceió, na edição de  9  de Outubro de 2011

              
                                                                                            rodolfopamplonafilho.blogspot.com
         




A violência contra as mulheres é um problema que atinge crianças, adolescentes, mulheres adultas, e idosas em todo o mundo. Decorre, principalmente, das desigualdades nas relações de poder entre homens e mulheres, bem como da discriminação de gênero ainda presente tanto na sociedade como na família.
                                                                       
            
      Até poucas décadas, a sociedade e o poder público não tinham grande preocupação em prevenir e reprimir a violência doméstica. O assunto era tratado como um problema privado das famílias, que dispensava a intervenção do Estado. O movimento feminista teve participação marcante na conquista dos direitos civis e políticos,  lutado em defesa da igualdade de direitos entre homens e mulheres, dos ideais de direitos humanos, defendendo a eliminação de todas as formas de discriminação e violência, tanto nas leis como nas práticas sociais.

            A violência doméstica e familiar destaca-se no panorama mundial como um dos maiores obstáculos à efetivação dos direitos humanos das mulheres. Dela decorrem as seguintes espécies: violência física, psicológica, sexual, moral e patrimonial.

            A partir da Constituição de 1988 houve uma grande mudança de paradigma, pois o Estado saiu da condição de mero espectador para assumir o dever de promover ações preventivas e repressivas destinadas a combater a violência no âmbito das relações familiares. Entretanto, o art. 5o. da Constituição Federal de 1988 que instituiu a igualdade formal entre homens e mulheres, não conseguiu diminuir as desigualdades e os índices de agressões praticadas contra as mulheres, pois, especialmente a violência doméstica continua em patamares epidêmicos no país.

                                                          ultimasdejoinville.blogspot.com


            Dados da Organização Mundial de Saúde - OMS, insertos no relatório divulgado pela Anistia Internacional, aponta que 70% dos assassinatos de mulheres no mundo são cometidos por homens com quem elas tinham ou tiveram algum envolvimento amoroso e que no Brasil, de cada 100 mulheres brasileiras assassinadas, 70 são no âmbito de suas relações domésticas.

            Pesquisa realizada em 2009 pelo Instituto Ibope/ Avon concluiu que a violência doméstica está no topo das preocupações das mulheres brasileiras 56%, seguido da Aids 51%, violência urbana 36% e câncer de mama 31%.

            A violência doméstica compromete 14,6% do Produto Interno Bruto (PIB) da América Latina e 10,5% do PIB do Brasil, já que a mulher agredida falta ao trabalho e ainda faz uso do sistema de saúde pública para tratamento médico, sendo considerada, portanto, problema de saúde pública.

                                                                               cienciahoje.uol.com.br
           
          Vários fatores contribuem para isso, entre eles: a ineficiência do atendimento prestado às vítimas pelo sistema de justiça; a exigência de representação oferecida exclusivamente pela mulher; a insuficiência das políticas públicas de proteção e assistência às vítimas e seus familiares, bem como pela ausência de programas sociais voltados ao tratamento dos agressores.

            A efetiva proteção dos direitos humanos demanda não apenas políticas universalistas, mas específicas, endereçadas a grupos socialmente vulneráveis, enquanto vítimas preferenciais da exclusão. Isto é, a implementação dos direitos humanos requer a universalidade e a indivisibilidade destes direitos, acrescidas do valor da diversidade.

            O grande desafio do novo milênio é como atuar para que o reconhecimento dos direitos humanos seja capaz de gerar políticas públicas e ações eficazes que concretamente contribuam para a plena fruição desses direitos por parte das mulheres, proporcionando-lhes uma vida livre da violência.

            A Lei Maria da Penha, n. 11.340/2006, foi idealizada com o objetivo geral de contribuir para o efetivo combate às várias formas de violência doméstica e familiar. Seus objetivos específicos são: prevenir, coibir, punir com maior rigor e contribuir para a proteção das vítimas da violência doméstica no Brasil, cumprindo, assim, com os tratados e convenções internacionais já ratificados pelo país.

            A Lei Maria da Penha consagra um novo microssistema jurídico de enfrentamento da violência doméstica e familiar. Embora se trate de diploma recente, muito já foi feito por sua efetivação: criação de juizados de combate à violência doméstica e familiar em vários Estados da Federação; núcleos de atendimento especializado nos Ministérios Públicos e nas Defensorias Públicas; ampliação das redes assistenciais de proteção; aplicação das medidas protetivas de urgência em favor das vítimas e contra os agressores, entre outras. Pesquisas recentes apontam que 68% da população brasileira conhece a lei, dos quais 83% reconhece sua eficácia no enfrentamento à violência doméstica e proteção da unidade familiar (Instituto Patrícia Galvão).

                O tratamento legal diferenciado em favor da mulher em situação de violência doméstica está em consonância com os objetivos fundamentais estabelecidos na Constituição Federal, como a cidadania e dignidade da pessoa humana, impondo a intervenção do Estado, voltada para erradicar a violência de gênero e promover a igualdade material entre os homens e mulheres.

                                                                                                                mds.gov.br

                Não é somente a integridade física da mulher que é protegida, mas a sua própria dignidade. Nesta situação específica de violência contra a mulher, a lei especial é necessária, bem como é legítima a atuação do Estado.

            Após cinco anos de vigência, a Lei Maria da Penha foi considerada pelo UNIFEM – Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher - como uma das 3 legislações mais avançadas no mundo (Relatório Global “Progresso das Mulheres no Mundo de 2008/2009).

            Segundo o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o número de processos de mulheres contra a violência doméstica aumentou 150% entre 2006 e 2011. De lá para cá, foram mais de 110 mil processos, que condenaram quase 12 mil homens agressores.

            A lei, que conta com 80% de aprovação da população, segundo pesquisa da Fundação Perseu Abramo realizada em 2011, aumenta, por exemplo, em três vezes a pena para lesão corporal leve em âmbito doméstico. Além disso, acabou com a troca de detenção para autuados por pagamento de multa ou cestas básicas.

                Desde a criação da lei, a central de atendimento à mulher, o Ligue 180, do Governo Federal, já recebeu 240 mil denúncias. A maioria relatou ser agredida pelo marido e na frente dos filhos. 

                São cinco anos de paz para uma das vítimas. Antes da Lei Maria da Penha, ela não conseguia se livrar da violência do ex-marido. “Antes, ele me agrediu, eu dei parte, ele pagou uma cesta básica e voltou a me agredir. Logo depois que a Lei Maria da Penha entrou em vigor, ele foi preso”, lembra. Outra vítima espancada durante a gravidez, conta que conseguiu que o marido fosse proibido de chegar perto dela. “Não tenho contato nenhum. É uma nova vida. É uma vida sem violência”. 

                Nesses cinco anos, a Lei Maria da Penha já deixou uma lição: o mais importante para quem sofre violência doméstica é denunciar logo, denunciar cedo e evitar que uma ameaça ou uma agressão verbal se transformem em uma tragédia.

            Não há dúvidas que a Lei Maria da Penha trouxe instrumentos importantes para uma postura pró-ativa do Estado brasileiro perante o problema da violência contra a mulher, dando-lhe instrumentos de atuação mais eficientes para a realização da justiça em seu significado mais profundo, não apenas como a aplicação fria e cega de regras, mas como um instrumento de mudança social em prol da emancipação do ser humano em sua completude.