quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

[Violência: Homossexual::Criminalização: Cidadania] Luiz Sávio de Almeida. Um desabafo sobre a violência nesta inefável Alagoas





Um pequeno bilhete sobre a violência

Luiz Sávio de Almeida


Estamos trazendo uma pequena reflexão sobre a violência em Alagoas. É interessante estarmos tropicalmente e, segundo alguns,  em plena pos-modernidade,  convivendo com uma poderosa Esfinge de cor grega fosca: Decifra-me ou devoro-te.  O decifrar sob pressão da morte passou a ser um quadro estranhamente cotidiano nas Alagoas. Onde estará o nosso Édipo? No governo, em vilegiatura, em qualquer um de nós ou devemos esperá-lo como um salvador que anda preguiçoso?



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ALMEIDA, Luiz Sávio de. Um desabafo sobre a violência nesta inefável Alagoas. Tribuna Independente. Maceió, 13 set. 2011. Contexto.
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 Um desabafo sobre a violência nesta inefável Alagoas

Luiz Sávio de Almeida

É interessante notar uma situação aparentemente trivial; sempre que algo vai podre neste reino da Dinamarca, reaparece a cidadania agônica, aquela que somente é argumentada na hora das agonias públicas. De repente, aquele que é empobrecido durante toda sua vida, passa a ser visto como o cidadão que deve ser chamado para ajudar – como peça indispensável –, na resolução do problema, ou seja: trazer o miserável para o palco e dar-lhe significação cidadã, quem sabe, num verdadeiro exercício de destruição do próprio senso constitucional.
Foi assim na cólera: de repente, a pobreza era chamada a saber como defecar com eficiência pública, ela, diga-se de passagem, que jamais teve condições para ser eficiente na privada.  O trágico é que há razão neste chamamento por mais doloroso que seja, embora ele tenha que existir envelopado em um pedido de perdão: Perdoe Grota do Índio; perdoe! Sem tal exercício de humildade, muito pouco poderá ser feito, especialmente quando se tem o clima gerado por anos de omissão pública.  A chamada elite alagoana tem que se debruçar junto às casas mal ajambradas que ajudou a construir e convencer que pode carregar um propósito honesto.
O Estado precisa se fazer acreditar. Se a mudança se desse em um circuito fechado, de muito se poderia ter resolvido as mazelas do sistema. Um objetivo social que se funda numa ideia de equação já está desmanchado antes mesmo de começar. A mudança precisa apelar para uma mentalidade e essa é a única possibilidade de fazer com que as chamadas “políticas públicas” saiam de reuniões e cheguem como prática efetiva às áreas do povo.

Por onde anda o problema da violência

É preciso que se comece a discutir um elemento singelo: o problema da violência vem sendo matéria de discurso ou de  ações capazes de encaminharem um princípio de solução? Em outras palavras, nós gostaríamos que fosse vencido o quase-dilema-público: o cidadão tem mais medo do traficante do que confiança no Estado? Não tenho, no momento, qualquer dúvida em dizer que sim e então: o tráfico vira, a bem dizer, um poder paralelo a somar as misérias de todos nós?
A grande vantagem nossa, é que os traficantes estão aparentemente atomizados, parecendo não haver possibilidade de um extenso pacto territorial. O crack trouxe a figura de um novo tipo de traficância. No buraco de uma grota vive aquele que semeia o farto da miséria entre sua própria gente. A modernização da droga foi conseguida de uma forma inteligentemente perversa: a multiplicação do nocivo a menor custo. E isso possibilitou uma multiplicação ad infinitum, pulverizando os territórios de controle até um limite do impulverabilizável. Qual é tal limite? Possivelmente, trabalhar tal questão termine por nos levar a ponderar sobre os  fundamentos que assentam a política, a economia e gestão da droga.
 Por tal caminho, notar-se-á a existência de uma coluna dorsal; isto parece  óbvio, mas ela distribui os riscos e os resultados nos diversos territórios. Se isto for verdade ou uma hipótese que deva prosperar, onde a dorsal estaria locada nas Alagoas? Poderemos ver para além do traficante que mata por vinte mil réis? Haverá um capo dos capi, a estrategicamente dividir para governar? Será que o caos do tráfico é aparente? Será que não se tem uma direção assentada para seus rumos? Será que a estratégia do desenvolvimento de territórios particulares não é uma maximização operacional e confunde e tira o enfoque na estruturação da dorsal?

A economia criminosa

Se dermos ao termo crime um sentido mais elástico, entendendo como criminosos os fatos que violentam a democracia, o ilegal em Alagoas pode ser bem mais poderoso do que o legal?   O que poderíamos chamar de economia da transgressão ou da economia política da ilegalidade pode estar concorrendo com muito mais força e peso nos remansos da renda e do produto do que a afirmação da legalidade?  O que poderia acontecer com nossa economia, na medida em que se desse uma repentina honestificação das Alagoas? Imagine-se tudo somado: a droga, a sonegação de impostos, o engabelamento dos direitos do trabalhador, a sonegação previdenciária, a lebre levantada por inúmeras operações que já foram executadas pela Polícia Federal, o assalariamento do compadrismo, o débito para com os serviços públicos, a pirataria e mais e mais... Tudo somado deveria dar uma cifra espantosa e assumir uma proporção imensa sobre o valor do Produto Interno Bruto.
Como se pode verificar, a droga é apenas um elemento no conjunto da ilegalidade e a seu lado correm esses vícios que estão, a nosso ver, carcomendo tanto como o próprio crack e tomara que não se perca o foco sobre eles, sob o argumento da importância do crack.  O combate à droga passa, portanto, pela renovação do Estado. Ele tem que se fazer respeitar pela população e tudo começa, novamente, pela necessidade de ser convincente ao pedir desculpas, ao dizer batendo no peito três vezes: mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa. Miserere nobis. Agnus Dei qui tollis peccata mundi, dona nobis pacem.  No arremedo de celebração que fizemos, está o caminho da integração, da comunitas a ser construída.  A droga para ser destruída requer um projeto de comunidade, requer um Estado e um povo andando no caminho da reconstrução. Comunidade não pode ser confundida com localidade. A consciência de que é possível ter-ser um mundo novo, é a essência da questão; mesmo que não se saiba como ele deva ser, tem-se que estar disposto a procurá-lo.

Alguns casos emblemáticos: o homossexual degolado

Alguns casos noticiados pela imprensa durante o mês de agosto são emblemáticos no que se refere à violência e o primeiro nos leva a pensar no risco que alguém corre ao ter uma vida homossexual em Alagoas. É o caso do Denilson professor e ator de teatro e homossexual assumido que terminou degolado.  Ele não é um caso fora do comum, é a repetição de anúncios e mais anúncios. Nossa vinculação com Denilson se deu durante sua participação em A Farinhada, onde fazia a personagem Chico Chalé.  Ele terminou vivendo o seu drama homossexual sem pescoço, numa brutalidade extraordinária.
Ser homossexual em Alagoas é situação de risco. Há uma intolerância fantástica percorrendo os estratos sociais e obrigando a que os gays adotem formas de vida que são perigosas, algumas das quais podendo ser fulminantes, mormente para os que vivem uma vida livre, construindo seus desafios pessoais.  A morte de Denilson cobra à consciência cívica de Alagoas, pede que se deixe os preconceitos de lado, que se entenda as diferenças como mais um motivo de aproximação e não de negação. Será que saberemos aprender com nossos mortos? Qual a razão de sermos tão perversos, ao ponto de negarmos a generosidade ao deixarmos o outro lançado na infâmia do preconceito?

Um segundo emblema: o tráfico esquartejante

Um segundo caso é diretamente ligado ao uso da droga e nos leva à dona de casa esquartejada no conjunto Carminha, onde, além da droga, entra o sórdido. Teria sido um recado da droga? Ela quer ser vista exatamente daquela forma? Para a droga mandar cometer aquele crime da forma como foi praticado, seria um desperdício de maldade. Ela sabe que é temida, sabe como resolve seus problemas, não seria estratégico provocar o sistema daquela forma: tiraram a senhora de dentro de casa, deram tiros, arrancaram o braço e anunciaram que ela era cabueta.
Será que a droga vai anunciando o terror? Pelo menos estamos diante de um sinal que permite a abertura da hipótese: é perigoso para ela deixar que isto aconteça no seio do seu próprio lupem.   O chefão pode perder o controle. Aqueles homens que mataram a senhora no Carminha, caso estivessem representando o tráfico na sua versão local, estariam obrigando o poder a agir de alguma forma inusitada e o Estado sentiu a necessidade de responder com algo de vulto, numa espécie de repetição alagoana do que foi o carioca do Alemão. Em outras palavras, a algo espetacular houve a necessidade de outro espetacular.  
A audácia do Carminha foi o traficante achar-se sem limite, e com a necessidade de mostrar um lado sádico do processo, que, pelo que conhecemos, não esteve tão escancarado antes. Daí: ou se dava uma resposta imediata, ou a sociedade mais uma vez procuraria o Estado e não acharia sequer o seu mínimo. Não vamos discutir se era necessário ou não, ocupar o Carminha. Jamais as autoridades que ordenaram a operação estariam de fuzarca pública. Mas acontece que o Estado ficou com outra batata quente na mão, à qual somente o iluminado do poeta pode ajudar a demonstrar: E agora José? O que faço com este Carminha que conquistei? Deixo, à guisa de ligação com o Estado, um soldado a trabalhar a chamada comunidade?
Nesta altura do campeonato, algum grupo tarefa já deveria ter sido constituído somando a área social do governo para um trabalho que tomando o Carminha como ponto, estivesse sendo irradiado para todo o complexo do Benedito Bentes. E isto somando as áreas municipal, estadual e federal.  Existe recurso? Sei lá! Alguém bastante objetivo diria: Se vire! Impossível não é! Neste caso de praticamente uma guerra urbana, antes de entrar tem que estar preparado para responder à angustiante questão: como ficar? Uma política de segurança tem que urgentemente saber como conquistar e como estar e, sem dúvida, ele não é apenas pensar na Polícia Comunitária, mas no desenvolvimento de área, melhoria mínima e essencial em seus níveis de vida e integrações urbanas.
A Polícia Comunitária não pode ficar como uma espécie de carteiro sem Correios. Existindo, deve ser lastreada com ações de Estado e com isso, a base do desenvolvimento social deve ser tomada como prioritária no Governo.  A arrancada da renda foi vista pela professora Ruth Cardoso e ampliada sensivelmente no Governo Lula com sua política de combate à fome: operar transferência de recursos, acesso a serviços, refazendo o perfil da pobreza deste país.

Um terceiro emblema: o crime na ESMAL

Muitas vezes saí exatamente por aquele mesmo portão com o seu Alfredo, algumas delas com José Malta Marques, querido amigo. Não era raro ficarmos conversando: Fátima Pirauá, Carlos Cavalcante, Dirceu, juízes e também amigos.  Malta Marques é Desembargador. Jamais, mas jamais mesmo, em tempo algum, passou pela minha cabeça que poderia estar na rota de tiros. Aliás, eu tinha confiança e muita, pois lá na frente do prédio estava uma espécie de atalaia policial, uma posição de vigilância de uma guarita; vizinho à direção que os tiros tomaram, estava uma espécie de Corpo de Guarda. Mas não era este fuzuê de segurança, o que me deixava tranqüilo. Agora vejo que era a sensação de o lugar ser inviolável, pois afinal de contas era uma escola e, por outro lado, uma escola especializada para atender a um dos maiores refinamentos de uma sociedade e que é seu corpo de juízes: Escola Superior da Magistratura de Alagoas. Ledo engano. Eu morreria sem saber que estava morrendo, da mesma forma como deve ter acontecido com o subtenente: morte de absoluta surpresa, quase inverossímil para quem morre.
É que o crime nivelou o espaço: ele não tem o sentido do que é público e do que é privado, quem sabe por pensar-se fora da sociedade civil e do Estado.  Por outro lado, os que atiraram no subtenente, jamais poderiam ter a ideia de que ali estava uma escola, ainda por cima superior, e ainda por cima da Magistratura. Pelo o que se sabe, o que interessava era a arma, um objeto a ser roubado como eles roubariam em qualquer situação. Então, para o crime, o espaço é homogêneo, enquanto nós temos, por dever constitucional, de pensarmos nas heterogeneidades: nós temos um daqui para ali e eles não têm o de lá para cá. Tanto faz para ele, que seja uma Escola Superior da Magistratura, que seja uma Escola Rosalvo Ribeiro, que seja um bar da subárea da orla, o carro do Denilson, a casa no Carminha...  Restam as expressões que aprendi, ao ler história em quadrinhos no meu tempo de menino: Pelas barbas do Profeta! Macacos me mordam!
Mais eruditamente, prefiro lembrar de Cícero e suas Catinilárias e a primeira ainda conservo na cabeça na ordem direta e indireta, uma das condições para passar no vestibular de Direito do meu tempo. Lúcio Sérgio Catilina deu trabalho e acho que o espírito dele anda solto nas Alagoas: Quosque tandem, Catilina, abutere patientia nostra. Tradução: Até quando enfim, Catilina, você vai ficar enchendo o nosso saco?  Quem responderá? Quem poderá falar em nome de Catilina?
Foi natural que o espanto chegasse ao Poder Judiciário; de uma hora para outra, ele que é um dos três poderes, viu-se na categoria de qualquer um, absolutamente posto na equalização que o universo do crime operacionaliza. O Estado vem sendo atingindo por todos os lados, até mesmo na corporação policial, pois são inúmeros os registros de presença de policiais em episódios criminosos. Alguns juízes vivem sob proteção; as escolas são roubadas e arrombadas, os Correios deixam de realizar trabalho por conta da senda dos carteiros. Somos todos um mundo estreitado pelo crime que vai do pequeno ao grandola.
E o cidadão vai sendo minado. Por exemplo, eu somente fico parado em um sinal de trânsito quando realmente é impossível romper a proibição de seguir.  Não confio, especialmente à noite, a partir das 20 horas.  De repente – e ainda como ilustração – recupero as regras que meu pai me havia ensinado, por conta de outras situações e que muitos de minha geração devem ter ouvido: Cuidado com esquina! Não dobre uma esquina de peito aberto, parta para o outro lado da rua! Cuidado com banca de revista! Nunca puxe arma; somente use se tiver coragem, mas pelo amor de Deus não teste; é preferível ser frouxo.
 E continuavam os anúncios da segurança paternal: O cemitério está cheio de valentão. Se desejar matar a cobra, esteja disposto a arrancar-lhe a cabeça, se não a arte do Cão aparece e a cobra pode se armar novamente contra você... Nisso misturo fala de pai com fala de tio e por aí seguia o aprendizado da sobrevivência e o arsenal de anos de experiência familiar e pública que passa por minha cabeça a todo o momento em que estou na rua nesta espécie de sempre alerta perverso a que somos obrigados a viver. Dois filhos já foram assaltados e mais de uma vez e vejo-me repetindo – esperando que sirva – para seus ouvidos a mesma poética que ouvi de meu pai ao dar-se trato sobre minha segurança pessoal.
É o próprio Estado que se vê vítima em seus serviços; uma Universidade Federal de repente encontra dois cadáveres em um dos seus campi; é uma Escola Rosalvo Ribeiro que de repente sente os tiros e morre seu vigilante. O crime desta forma parece estar em condições de conter o Estado Nacional, desalojar seus serviços e, também, interfere na organização da sociedade civil, traçando regras, pondo limites, cobrando ao cidadão pelo uso da via pública, tendo, portanto, o poder de taxar e ir construindo a sua própria legalidade ao, inclusive, manter seus tribunais e padrões de julgamento.
Às vezes penso que estou aumentando, carregando nas cores; eu jamais poderia dizer que se encontra nascendo um Estado paralelo, pois seria forçar a barra, mas sem dúvida sinto uma organização contraditoriamente amorfa e difusa, com o poder suficiente para ditar parâmetros de comportamento. É como se eu obedecesse bem mais ao crime do que o Estado, porque os seus sinais de segurança eu não encontro. Paro o carro olhando a rua, vendo as pessoas, pré julgando pela aparência, incorporando preconceitos e na verdade, eu me sinto avacalhado pelo crime como se eu estivesse criminalizado pela interferência e incidência que ele passou a ter no meu cotidiano.  Não me sinto tranquilo quando um filho sai à noite. Há um trato: se for demorar, telefona e me diz. Não quero saber onde está e nem com quem está; isso pertence a eles, mas quero saber se demorarão.
Cidadão e querido leitor: o que acontece com você e a violência? Será que você romanamente aceitaria uma Delenda Carthago transformada em Delenda  Droga, onde a palavra fica com pinta de primeira declinação: droga, droga, drogam, drogae, drogae, droga.  Bom, bem mais simples é  injuriar-se: Esta droga é uma droga!.



[HISTÓRIA: MUSEU: COMÉRCIO: ASSOCIAÇÃO COMERCIAL: MACEIÓ: ALAGOAS] Benedito Ramos..MUSEU DO COMÉRCIO DE ALAGOAS – A REALIZAÇÃO DE UM SONHO





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RAMOS, Benedito. Museu do Comércio de Alagoas – A realização de um sonho. Tribuna Independente. Maceió, 18 set. 2011 . Contexto.
http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8820169997764778745#editor/target=post;postID=4036388933515586806
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Um pequeno bilhete sobre uma Associação

Sávio de Almeida



          A Associação Comercial de Maceió mantém dois museus e Contexto vai visitá-los, a partir de um texto de Benedito Ramos, Coordenador de Ação Cultural e Social da entidade.  Contexto parabeniza a instituição pela iniciativa; muitas outras entidades poderiam estar no mesmo caminho, ajudando a valorizar o que nos pertence como herança e como atualidade. Contexto publica  em anexo, parte de um relatório com menções à economia de Alagoas para o ano de 1868.  É de notar a preocupação da entidade com a guerra do Paraguai e com o desempenho do algodão e do açúcar, mercadorias que eram fundamentos essenciais da geração da renda e produto da economia provincial, distintas em seus processos de acumulação, mas interligadas em um mesmo  e único processo econômico e político em andamento na formação histórica.
            A  Presidência da Associação Comercial entrou em parceria com Contexto e solicitou a publicação de material sobre os museus e  sobre a documentação que  a entidade pode disponibilizar para a pesquisa, o que está sendo redigido, também, pelo Benedito Ramos. É intuito de Geminiano Jurema publicar esta documentação no primeiro semestre do próximo ano. Aproveitaremos a oportunidade para adiantarmos textos sobre a formação histórica de Alagoas, utilizados como notas de aula no Mestrado sobre Dinâmica do Espaço Habitado (UFAL) e um deles trata da Associação Comercial.





MUSEU DO COMÉRCIO DE ALAGOAS – A
 REALIZAÇÃO DE UM SONHO

Benedito Ramos

INTRODUÇÃO

Quem vê o Palácio do Comércio não pode imaginar que alguma outra entidade tenha tanta participação na história de Alagoas como a Associação Comercial de Maceió que ali  reside desde 1928, quando o prédio foi inaugurado, após cinco anos de construção. A existência  da Associação remonta a 22 de julho de 1866, quando alguns comerciantes se reuniram, sob a liderança de José Joaquim de Oliveira, no salão da Antiga Sociedade Dramática Particular Maceioense, para planejarem a fundação de uma associação. Três meses depois, em 7 de setembro de 1866 estavam realizando a primeira assembleia, com 100 participantes, sendo que pelo menos 46 eram do ramo algodoeiro.

Restaurado em 1999, o prédio foi aberto ao público em 2000 com a promessa de uma participação também nos destinos culturais de Alagoas. De lá para cá, dois museus foram criados: o de Tecnologia do Século 20 e o Museu do Comércio de Alagoas. Este último estava prometido havia 81 anos, um sonho do presidente Homero Galvão, a quem coube inaugurar o Palácio do Comércio na memorável noite de 16 de junho de 1928.

A promessa de criação do museu do comércio ficou adormecida até 2000 quando a Associação contratou um Coordenador de Ação Cultural e Social, para criar e administrar o espaço que se destinaria ao público visitante. Havia um compromisso neste sentido, com o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, após a restauração. A biblioteca surgiu primeiro, quando foi renovada com duas doações importantes de acervo: do escritor, advogado, membro da Academia Alagoana de Letras e Instituto Histórico, Paulo de Castro Silveira e do Industrial Maurício Gondim. A formação desta biblioteca com mais de 4 mil volumes e, cerca de 30 mil títulos, sobretudo de autores alagoanos, tem sido acrescida de outras doações importantes, como a do advogado Floriano Ivo Junior e agora, recentemente, do Engenheiro Químico, Luiz de Medeiros Novaes, cuja contribuição ao setor sucroalcooleiro veio preencher uma lacuna na demanda das pesquisas sobre esse tema. A biblioteca de Novaes, após inventariada faz parte, separadamente, das estantes do Museu de Tecnologia do Século 20, juntamente com outras contribuições nesta área.

A vocação do Palácio do Comércio como local de exposições surgiu logo no princípio de 2000 quando abrigou o acervo do Museu Théo Brandão, enquanto o prédio daquele Museu estava sendo restaurado. Outras exposições, inclusive a do acervo da pinacoteca da Caixa Econômica e do Museu Histórico Nacional estiveram no seu salão principal. Mas paralelamente começou a ser feita uma verdadeira campanha no sentido de buscar entre os comerciantes e população um acervo destinado a criação do Museu do Comércio. Não demorou muito e havia uma sala cheia de máquinas e equipamentos, computadores antigos, telefones, rádios e tudo o que podia compor uma bela exposição de tecnologia, mas nada que pudesse inspirar um circuito museológico destinado ao comércio. E foi o que aconteceu. Alguns meses depois estava sendo inaugurada a exposição temporária “Tecnologia do Século 20”, que recebeu a participação da coleção de máquinas fotográficas antigas, do acervo particular do fotógrafo e jornalista José Ronaldo. A mostra terminou e foi criado o Museu do mesmo nome, até por conta da importância que teve o século 20 no desenvolvimento tecnológico que inspirou o terceiro milênio.

Mesmo sem museu o comércio era representado por uma sala contígua à Biblioteca, onde ficavam os móveis administrativos da antiga Associação Comercial de Maceió, com as escrivaninhas altas os livros de estatísticas, mesas de trabalho, estantes e alguns outros retirados do uso ainda hodierno. Era um escritório-museu que bem representava as atividades do início do século na entidade.

Outra contribuição importante veio da exposição realizada em 2005 com tema: Jaraguá – História e Urbanidade. Foi nesta ocasião que muitas imagens importantes foram ampliadas e plotadas. Algumas ainda hoje fazem parte do Museu do Comércio de Alagoas, como a foto da inauguração do prédio e a reunião que decidiu a sua construção.

A FORMAÇÃO DO MUSEU DO COMÉRCIO

         Para cumprir o desejo do presidente Homero Galvão, o Museu do Comércio ainda deveria ser criado. No entanto, o tema parecia muito amplo para o desenvolvimento de um circuito num dos pavilhões laterais, composto por quatro salas. Não havia porque abordar o comércio primitivo ou a história dos fenícios. O mundo ocidental, sobretudo as Américas tinham iniciado sua relação com a Europa por conta do comércio. Foi a busca do caminho marítimo para as índias que motivaram as viagens de Vasco da Gama em 1498 e de Pedro Alvares Cabral em 1500. Enfim a busca das especiarias para atender ao mercado europeu seria o mote perfeito para iniciar o circuito da Sala Novo Mundo. Nela o visitante percebe não só a situação política de Portugal, através de suas bandeiras como a trajetória administrativa da colonização, numa cronologia marcada pelas datas dos acontecimentos mais importantes. Dois mapas ampliados da Capitania de Pernambuco mostram Alagoas, já representada pelo seu principal rio – O São Francisco e suas duas lagoas Mundaú e Manguaba. A Capital Santa Maria Magdalena das Alagoas do Sul, juntamente com Porto Calvo e Penedo aparecem nas reproduções das gravuras, assim como na cartografia, de autoria de Franz Post, que acompanhou Maurício de Nassau durante a invasão holandesa.

Continuando o circuito chega-se à Sala Comércio e Desenvolvimento a partir da ação pirata no contrabando do pau-brasil, seguindo pelo tráfico de africanos até a transferência da Família Real Portuguesa e criação do Reino Unido do Brasil a Portugal e Algarves. É com a presença de Dom João VI que o comércio brasileiro começa a ser sistematizado. Até então todas as exportações eram feitas diretamente a Corte Portuguesa e com a abertura dos Portos o Brasil é livre para negociar com outros mercados. É nesta ocasião que são criadas as Juntas de Comércio. Uma coleção de decretos, leis, alvarás, cartas régias e editais faz parte de um acervo disponível ao pesquisador, no próprio museu.

A independência do Brasil é marcada pela nova bandeira da nação brasileira e o início do primeiro e segundo império. Uma rica iconografia mostra a família real e o Imperador em tamanho natural. Mais adiante as inovações tecnológicas que transformam o antigo engenho em usina, onde a primeira delas, a Usina Brasileiro é mostrada juntamente com seu fundador o Barão de Vandesmet, juntamente com sua família.

De forma muito tímida a indústria têxtil aparece através da imagem da Fábrica União Mercantil, fundada por José Antônio de Mendonça, o Barão de Jaraguá. No entanto, em pesquisa recente, observamos que a participação do algodão na economia de Alagoas tem uma importância vital, a ponto de motivar a própria criação da Associação Comercial de Maceió,  razão pela qual, brevemente estaremos corrigindo este favoritismo ao setor açucareiro.
Ainda nesta sala, considerando a cronologia do circuito, aparece a fundação da Associação Comercial de Maceió, cuja ata da primeira assembleia abre a sala seguinte, em letras graúdas, junto ao retrato de seu fundador José Joaquim de Oliveira. Uma pequena vitrine protege a memória da entidade em pequenos objetos, documentação, cartas, pena, mata-borrão e primeiras edições do estatuto da entidade.

A sala seguinte é da Associação Comercial de Maceió, reservada a guardar os móveis de expediente, com suas escrivaninhas, birô, cadeiras e livros de estatística da entidade. Ao entorno uma mostra iconográfica dos acontecimentos que marcaram a vida da Associação, como as fotografias ampliadas, da inauguração do Palácio do Comércio, a reunião de 17 de maio de 1921, que iria defender a construção do edifício, assim como o banquete oferecido a Getúlio. Tem-se, também,  a fotografia de Mons. Capitolino de Carvalho, senador da província e  que no exercício do governo estadual, sancionou Lei  que permitiu a retenção de 100 réis por volume exportado,  para fins da construção da sede da Associação. E esteve presente na festa de inauguração do Palácio, onde ocupou lugar de honra, à cabeceira da mesa, junto com Álvaro Paes e Costa Rego, dois outros governadores de Alagoas. Também em imagem original, está o presidente Antônio de Melo Machado que se tornaria deputado da Constituinte no Governo Getúlio Vargas.

Uma coleção de moedas mostra ao visitante as mudanças do padrão monetário de réis para cruzeiro. E ainda uma curiosidade: as moedas utilizadas dentro dos limites dos engenhos ou usinas de açúcar, para compra nos chamados “barracões”.

Dois outros retratos marcam o espaço: o primeiro do fundador, num desenho a pastel, realizado pelo artista Rosivaldo Reis e outro do segundo presidente, o comendador Manoel de Vasconcelos, sócio do Barão de Jaraguá, na Fábrica União Mercantil, pintado em Paris no Atelier de Vienot e Morriset, juntamente com dois outros retratos em tamanho natural, do Imperador Pedro II e do Visconde de Sinimbu, os dois últimos colocados na Galeria dos Presidentes no terceiro piso.

É nesta sala, onde ficam guardados os 11 livros de ata da Associação Comercial de Maceió, a partir de 1866. Hoje estes livros estão sendo transcritos, digitados e colocados a disposição do pesquisador, graças a uma parceria entre a Braskem, Associação e Universidade Federal de Alagoas, com a participação de duas estagiárias do curso de história, com conhecimento de paleografia. Esta ação tem permitido a Coordenadoria de Ação Cultural reescrever a história da entidade e conhecer documentos importantes como a coleção de telegramas para Liverpool, principal praça importadora do algodão alagoano, desde 1874, após a implantação do telegrafo na cidade. Outros documentos importantes são os livros de registro das exportações e importações realizadas, este último com revelações inéditas sobre a vida social, através dos produtos que chegavam aos empórios da capital.

A última sala, denominada Jaraguá, representa na sua iconografia a evolução da sociedade e da urbe, profissões ou trabalho junto aos principais trapiches ou ao comércio local. Um quadro plotado em larga escala faz uma cronologia do bairro a partir de 1611. É uma sala destinada a atender pesquisadores. Para isso existe uma mesa monumental cercada por cadeiras antigas, sempre personalizadas com o símbolo da entidade. Uma coleção de Leis e Decretos do Governo Republicano está exposta sobre uma grande escrivaninha, também a disposição do pesquisador.

BIBLIOTECA, PESQUISA E PUBLICAÇÕES

      Colocar a Associação Comercial de Maceió em sintonia com a Universidade Federal de Alagoas, faculdades e escolas, promovendo e incentivando a pesquisa sobre economia regional, tem sido uma tarefa gratificante. A maioria dos professores e pesquisadores desconhecia o acervo, bibliográfico, documental e iconográfico da entidade. Depois a ausência de formalidades no atendimento, a facilitação do acesso às obras, mesmo as consideradas raras. Para os documentos antigos sempre é oferecido luva de tecido e local apropriado para consulta, assim como a possibilidade do pesquisador agendar sua bibliografia antecipadamente. Enfim o fornecimento de imagens digitalizadas, textos e livros digitais de bibliotecas importantes como: Biblioteca Nacional de Portugal, Biblioteca Nacional, USP, Instituto Camões e outras. Tudo pode ser cedido gratuitamente através de arquivo digital.

No início de 2011 foi lançado o primeiro número do encarte O PALÁCIO, com oito páginas em papel jornal, formato A4, com aparência dos antigos jornais tipográfico da década de 1950. Já na sexta edição, hoje inscrito no Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, o encarte tem como linha editorial a publicação de artigos de cunho científico, notadamente na pesquisa histórica, preferencialmente de alunos e professores, privilegiando os temas regionais e o Bairro de Jaraguá. Esta publicação tem o apoio de diversas empresas que garantem com seus anúncios a tiragem mensal de 1500 exemplares, durante o ano inteiro.

Alguns trabalhos de pesquisa realizados por alunos da UFAL, no Palácio do Comércio estão publicados, assim como diversas contribuições de intelectuais alagoanos. Com uma distribuição garantida, a partir da remessa dos boletos de pagamentos dos associados, também aos anunciantes que recebem uma cota mensal de 10 exemplares, havendo ainda circulação entre alguns equipamentos culturais como: Casa do Patrimônio (IPHAN), Arquivo Público, Museu Théo Brandão, Fundação Municipal de Ação Cultural, Secretaria Municipal de Turismo, Academia Alagoana de Letras, Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, UFAL e outras entidades. O encarte também pode ser encontrado na recepção do Palácio do Comércio, na Rua Sá e Albuquerque, 467 em Jaraguá.

A instituição também admite voluntários, nas áreas de biblioteca, arquivo, pesquisa e paleografia, através de contrato temporário, com a garantia de certificação de sua passagem pelo setor. Hoje a entidade possui cinco funcionários,  dois deles na biblioteca e três no setor de pesquisa.

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 Um documento e tópicos sobre a vida das Alagoas em 1868


Relatório da Junta de Direção da Associação Commercial de Maceió. Apresentado à Assembleia Geral em 22 de Julho de 1868.
(Grafia conforme consta no documento)

[...]

Situacção Commercial

[...] a prolongação de guerra [...] com a Republica do Paraguay [...] tem concorrido para a paralização do commercio em geral, e esta Provincia tem-se rescentido, como é natural [...]. A baixa do cambio nas praças do Rio de Janeiro e Pernambuco com quem temos estreitos relações commerciais, tem feito e continua a fazer grande mal ao commercio pelo panico e paralização que d’ahi tem originado: não tem porem havido fallencia.

Agricultura

Apesar da Falta de braços escravos de que a Agricultura há muito rescente, e [...] de braços livres que tem sido tirados para a guerra, é vos lisongeiro dizer-vos que a produção agricola da provincia não tem diminuido, principalmente garanto os dois ramos da cultura mais importantes que temos – algudao e assucar – [...].

Algudão 34

A entrada [...] foi superior a dos annos anteriores. [...]  Este genero continua a merecer boa reputação nos mercados extrangeiros depois da instalação da Inspeção Commercial, porque pelas ultimas cotações tem elle estado superior em preços ao da Bahia, sendo digno de louvar o empregado do commercio, que tem sabido corresponder a confiança n’elle depositada.

[...]

Estabelecimento de Credito

O único que existe é a Caixa Commercial o qual tem limitado suas tranzações, dando todavia a um accionista o devidendo  6% por semestre. Sua acções porem sem motivo plausivel estao com desconto de 10 a 15% .

Companhia União Mercantil

Esta companhia [...] axa-se  bem montada e trabalha regularmente. consome annualmente cerca de 2:530 arrobas de algudão, produzindo pouco mais ou menos  7024 pessas com 175:581 varas de panno de diversas qualidades apropriado principalmente para roupa de escravos, e para saccas de assucar. É para extranhar que o panno desta fabri- ca não tenha muito consumo nesta Provincia, sendo quase toda exportada para Pernambuco onde tem prompta extracção, sendo até preferido por sua qualidade as de algumas outras fa bricas do paiz, que para hali é exportado. Esta companhia não tem ainda dado devidendo a nois accionistas porque tem sido seos lucros empregado em obras e machinas, verão porque suas acçoes soffrem desconto nesta praça.

Via Ferrea e Navegação entre Maceió e o Pilar, e Porto de Desembarque

A facilidade das vias de communicação e transportes é inconstetavelmente um grande elemento do progresso para a vida commercial.  É por isso que nos congratulamos em vos annunciar que o grito da locomotiva já se faz ouvir nesta cidade, e que dentro em poucos dias teremos o (?) do vapor a espancar a velha rotina de navegação da Lagoa Manguaba. A companhia Bahiana de Navegação a Vapor com quem o Governo tinha contratado a navegação da Lagoa Manguaba e uma via Ferrea urbana, q ligasse o porto de Jaraguá a esta cidade, e ao Trapiche da Barra, já realizou parte do seo contracto abrindo ao tranzito publico a secção da via ferrea de Jaraguá e Maceió, e e dentro e pouco o fará o Trapiche da Barra. O vapor que tem de sulgar as aguas d’aquella Lagoa brevidamente sahirá do estalleiro e principiará a funcionar: é questão de dias. Enquanto a Ponte de Desembarque em Jaraguá ainda não tem principio, tendo aquella Companhia obtido um praso para reliazar este grande melhoramento.

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