domingo, 27 de maio de 2012

[Religião: Protestantismo] Luiz Sávio de Almeida. Batistas, espíritas e anarquistas: política e complô nas alagoas








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ALMEIDA, Luiz Sávio de. Batistas, espíritas e anarquistas: política  e complô nas alagoas. Tribuna Independente. Maceió, 13 Mai. 2012. Contexto.
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Um pequeno bilhete sobre protestantismo e a  necessidade da discussão de sua historia em Alagoas

Faz tempo que ando interessado no conhecido texto do missionário Kidder sobre sua passagem em Maceió. Não que o livro seja obra prima: é sofrível e apressado.  Na verdade, eu me rendi à sua fala sobre nosso porto e, por curiosidade, fui entrando na vida do autor,  aumentando meu  contato com  sua obra.  Não me tornei expert, mas um amigo – como diriam os antigos escribas –  bio-bibliográfico. 

Sempre anotei, despreocupadamente,  o que lia sobre protestantes mas tudo foi ficando à espera de tempo para um tratamento sistemático. Tentei incentivar a realização de  estudos de história  na área da Igreja Batista, Assembléia de Deus e Adventista.  Publiquei artigos sobre a necessidade dos evangélicos produzirem sobre a história de suas igrejas e sobre a necessidade de outras pessoas se debruçarem sobre o processo histórico do grupo em Alagoas.

Sempre fiz uma anotação aqui e outra ali e hoje trago algumas delas, sobretudo construídas em função do livro de Kidder.  É uma espécie de viagem em torno de um missionário e também em torno de minhas lembranças. É como se o texto fosse mistura entre diário e pesquisa. Parte dele estava anotada em diversos cadernos.
Espero que estas observações sejam úteis para fomentar a produção de uma história sobre protestantes que deve  ser discutida e desenvolvida em Alagoas.

Sávio de Almeida




Batistas, espíritas e anarquistas: política  e 
complô nas alagoas

A entrada do protestantismo – basicamente na segunda metade do século XIX – é uma situação complexa do ponto de vista político pelo afrontamento ao mando católico, por conta da intrincada relação do catolicismo com o Estado e modo de construção da sociedade nacional. Lidar com o estado e com a estrutura de valores correntes  não deve ter sido fácil para os que se pretendiam iluminados numa área considerada por bom tempo  como,  missionariamente,  em segundo plano, em face da prioridade que era dada à África e Ásia. 

Este seria um confronto com fórmulas associadas diretamente ao formal do poder  – o catolicismo oficial – e as assumidas no dia a dia do ser católico, inserido nas formas cotidianas da prática associada à sociedade desde os inícios da colonização, formando um corpo de comportamentos que seria, em parte,  o que vem sendo chamado de catolicismo popular ou modos  de concepção e litúrgicos elaborados pela não oficialidade católica.

Então era um confronto de tríplice área de tensão: por cima,  onde estava o nível de autoridade formal, por baixo, onde estavam as práticas cotidianas e, finalmente, na relação que se fazia entre ambas. Em Alagoas –  como de resto no pais – , tinha-se o complexo do clero associado ao poder e às práticas religiosas de formulação não oficial,  além da grande integração que se procedia  através das pregações dos missionários católicos, onde o poder da palavra, da relação com as obras e a pregação fundada no temor ao inferno davam corpo à mentalidade religiosa que se desenvolvia. As chamadas santas missões e a pregação sistemática pela legião de vigários colados ou encomendados faziam um obscuro catolicismo: o de trevas permanente.

REDE DE PACTOS E CONVENÇÕES

O rompimento desta cerca não seria fácil, especialmente pela rede de pactos, convenções e enlaçamentos do agrarismo com a religião. Ela era parte direta do modo como terra e poder atingiam a esfera religiosa e, daí, a particularização do modo de ser do re-ligare alagoano ou a união das duas cidades que Agostinho havia teimado em separar. O  protestantismo seria levado a compor em longo prazo, e isto foi determinando as resultantes políticas de sua atuação, tendendo do conservador à direita, em um caminho que passa a ficar muito claro, sobretudo na década de sessenta do século XX. Isto se dá, inclusive, quando diminui a força do agrarismo em razão dos processos da urbanização que atingiu Alagoas.

Um dos instrumentos mais contundentes para plasmar a consciência religiosa foi  a verdadeira instituição que eram as Santa Missões,  basicamente harmonizadas  com as desobrigas. Mello Morais Filho consegue em um texto simples, assumir a densidade do que as missões acarretavam pelos sertões, pelo adentrado das terras, mas elas também arrastavam nos centros urbanos, criando inclusive Igrejas e Cemitérios, dois pólos da mesma e singela questão da morte.

A desobriga estava entranhada na tradição, o cumprimento do preceito quaresmal e fazia parte das barreiras essenciais ao protestantismo que se enunciava timidamente no Brasil pelos tempos de Kidder. Era um sistema de razões teológicas que se apresentavam – por exemplo – em um livro  de grande circulação chamado de A Missão Abreviada e tida por Cascudo como dos mais populares no Brasil, mesmo nível de Carlos Magno e os Doze Pares de França e do Lunário Perpétuo. Apareceu em Portugal por volta dos fins da década de 50 do século XIX,  escrito por um Padre chamado Manoel José Gonçalves Couto. Conservo um exemplar comigo, depois de uma procura intensa e por um longo período.

Estamos diante de controles sociais  montados para a garantia do mando no complexo do agrarismo, com o catolicismo sendo um dos mais importantes elementos inerentes ao quadro desta configuração do poder e da composição do local. Este caráter de controle foi estudado por Silva (1988) quanto aos sertões. Santana trata de uma possível ambigüidade das Santas Missões; elas não negavam a condição das tradições populares, mas afirmavam a romanização. Talvez fosse melhor dizer, que eram braços oficiais perto da construção não-oficial, uma forma de articulação que o protestantismo jamais poderia dispor à época. Elas decorriam do rumo tridentino conforme Maia (1991) e fortaleciam a destinação religiosa na sagração de um complexo de fé significado na cultura.

A IMPRENSA EM ANDAMENTO

Toda uma ordem de negociação deveria ser estabelecida pelos protestantes, da mesma forma que vai  ser dada com o espiritismo, que também ingressa como fator de mudança e a cada passo vai procurando, mantendo suas características,  assemelhar-se, perder o estigma do absolutamente diferente,  demonstrar-se dentro da vida normal da sociedade e portanto fazendo parte dela no que se implica a ordem do poder. O espiritismo aparecia nos mesmos contornos políticos do protestantismo. Em 1896 circulava em Penedo,  o União Espírita: Orgam da Delegacia da União Espírita de Propaganda no Brazil, demonstrando que já havia uma distribuição territorial de grupos espíritas em Alagoas e não era algo territorialmente ainda enquistado.

Em  1897 dava-se a  presença possivelmente do mesmo União, mas com outro título:  União: Orgam consagrado ao espiritismo e às questões sociais. Conheço  dois números (1900 e 1901) do órgão de uma entidade espírita em Maceió chamada Grupo São Vicente. O jornal era O Espírita Alagoano: Orgam do Grupo S. Vicente de Paula e que antes era intitulado O Spirita Alagoano; possivelmente, havia um grupo de posição teórica diferente do que foi mencionado frente ao kardecismo; ele tinha um jornal em 1901, em Maceió, intitulado A Sciência. Um pouco mais adiante, no ano de 1908 tem-se o Lumem e mostra uma presença espírita mais avançada, desde que era órgão da Federação Espírita Alagoana, na realidade, segundo Joaquim Diégues, uma revista de circulação mensal, impressa  na Typographia Trigueiros. A maçonaria era bem mais antiga, mas não há embate público como o dado com o protestantismo e o espiritismo. Aliás, será publicado pela Lithographia Thrigueiros em 1901, e dedicado a D. Antônio Manoel de Castilho Brandão, um livro do Cônego Domingos Fulgino da Silva Lessa (1901), contendo artigos por ele publicados em o Apóstolo no Rio de Janeiro e retomando suas discussões com os livres pensadores. Os artigos foram escritos à época da questão religiosa e a republicação em Maceió em 1901 significava que ainda tinha sentido o embate, apesar da aparente paz que foi celebrada.

Já em 1874 circulava Labarum: Órgão da Maçonaria, editado em Maceió e que foi até, pelo menos 1876; no mínimo entre 1899 e 1901 circulou O Malhete: Orgam de Propaganda e Defesa Maçonica (Maceió) e em Penedo tínhamos A Luz: Liberdade, Igualdade e Fraternidade, órgão da Loja Maçonica Luz do São Francisco. A existência de uma imprensa engajada nos leva a pensar que havia uma inteligência organizada, não importando a representatividade quantitativa e mais: a leitura tanto foi uma estratégia de penetração do kardecismo quanto foi do protestantismo. Na listagem de Jayme de Altavilla aparece A Luz (1919) e que contava com a participação de um intelectual da época e ativista espírita: Hugo Jobim, filho de Nicodemus Jobim. Seguramente, as atividades espíritas em Alagoas estarão avançadas nos finais do século XIX, onde já existia o Centro Melo Maia e se consolida de tal forma, que nos meados do século XX, Leopoldo Machado (2010) nos relatos sobre a Caravana da Fraternidade a considera como Meca do espiritismo no Brasil. Aliás, a Caravana era associada à consolidação da Federação Espírita Brasileira, pelos fins dos anos quarenta do século passado.

Sabe-se através de Joaquim Diégues da existência em Maceió de O Christão Brasileiro (1901) que  era mensal, distribuído, com escritório situado na Rua Nova, n 13 e circulava sob a responsabilidade de J. E. Hamilton. O mesmo pastor foi responsável por  O Evangelista que circulou em 1902. Penso ser Jephthah Erastas Hamilton, nascido em Loisiana, casado com Laura Black e postulou a China como local de missão, mas foi designado para o Brazil em setembro de 1889, seguindo depois para o Para onde, em 1904 morreu de febre amarela. Eram jornais batista. Em 1908 e circulando até 1909  teve-se O Domingo. Pelo menos entre maio de 1885 a fevereiro de 1886 circulou O Evangelista: Orgam da propaganda evangélica nesta cidade, publicado em Maceió; em 1902 tem-se O Evangelista: orgam dedicado aos interesses do evangelho.

O famoso complô maximalista

 A trama de confrontação com o espiritismo e o protestantismo aparece no fantástico e extraordinário acontecimento passado na Maceió do século XX e no ano de 1919, um quase nada após os trâmites políticos do Quebra de 1914 que, dentre outros fatores, demonstra a geração dos cultos afro-brasileiros na cidade, bem como a força do que era chamado de baixo-espiritismo. Se existia um baixo-espiritismo e isso já aparecia em  Pedro Nolasco Maciel, existia, digo,  também um alto-espiritismo a demonstrar-se nas entidades que iam sendo criadas. É como se a identidade resultasse em  necessidade radical de negociação para ser aceito e ter folga de operacionalização, como se deu com os próprios cultos afro-brasileiros que começaram sua validação política no governo de Muniz Falcão.

É a teia política alagoana tradicional que vai receber afronta dos novos atores políticos e sociais: espíritas e protestantes especialmente e, nisto, fica bem demarcada a presença batista  em torno de oitenta anos após a  tímida passagem de Kidder por Alagoas, na sua tarefa de inteligência de penetração e de distribuição de um elemento subversivo: a Bíblia. Por volta de 1919, dá-se um complô contra as instituições alagoanas, formado por uma frente maximalista, espírita e batista. A imaginação católica congrega seus grandes inimigos em uma frente contra as instituições, como se estivesse diante da possibilidade de destruição do que era o cerne do afrontamento que recebia: os pequenos grupos de anarquistas, espíritas  e batistas.

Quem sabe, procurava-se um novo Quebra: o achatamento político de uma “esquerda”  e de enunciados de natureza doutrinária, ambos radicais em contradição à sustentação do agrarismo. Evidentemente, jamais existiu tal complô, mas nas finalizações da belle epoque alagoana,  ele era oficialmente decretado pela Diocese e pelo Poder Executivo e vai ter plena vigência nas páginas dos jornais.

Na particularidade de nossa esticada belle époque tropical, o nosso ajustamento demandava um acerto de contas com o batuque africano, com as ressonâncias kardecistas do alto-espiritismo, com a presença batista sendo uma  acentuação protestante em nosso universos político. Intolerância é nada menos e nada mais, do que uma sofisticada prática política. Oitenta anos (±) após Kidder percorrer as ruas de Maceió,  uma cidade diferente assistiria ao espetáculo criado pela Diocese de Maceió e pela segurança pública, louca por livrar-se dos anarquistas, dentre eles Otávio Brandão.

O CORONEL DO EXÉRCITO E SUA PREGAÇÃO KARDECISTA

Tudo se deve à vinda de um Coronel do Exército (segundo consta em informações verbais, em grande parte, à época, o espiritismo estava presente entre os militares do 20BC), com a finalidade de fazer a divulgação da doutrina espírita. Ele tenta um auditório e a Igreja Católica chega a ameaçar de excomunhão à diretoria de qualquer entidade  que o abrigasse. Ele então exige a possibilidade de falar em prédio público, argumentando que o estado é laico e, com isso, consegue pauta no Teatro Deodoro.  Há de se ver que a arrogância da cúpula católica fez a grande propaganda do evento. As sessões enchem e os anarquistas dos lados da Rua Santa Maria  aproveitam para a panfletagem, tirando partido da situação.

 Foi suficiente para que se tivesse o famoso complô, forças desestruturantes da sociedade unidas para corromperem Alagoas. O Coronel fez suas conferências e, nesse compasso,  a Igreja Católica colocou adversários diferentes em um mesmo saco, em um ato de absoluta histeria. É de se notar  como os batistas incomodavam tanto quanto espíritas e o punhado de anarquistas, uma demonstração de que o perigo não residia na quantidade, mas na capacidade que os grupos dispunham para confrontar a estrutura do agrarismo alagoano.

Maceió vive em torno de duas semanas de exacerbada discussão. A cúpula da Igreja Católica chegou a ameaçar de excomunhão a quem quer que  desse espaço para as conferências do Coronel, terminando por render-se ao irrecusável argumento de que os próprios do Estado eram laicos e, portanto, todos teriam acesso. A tentativa católica tinha sido de um golpe fulminante e sem temor de correr riscos, embora não tivesse a ideia do poder de enfrentamento que o coronel jogaria em cena; era como se a oficialidade católica não tivesse entendido que algo poderia mudar, que nada poderia permanecer imutável, se bem que a marcha de anarquismo, espiritismo e batistas estaria estreitamente vinculada às modificações dos padrões de urbanização de Maceió.

O confronto ganhará  múltiplas dimensões e a República não o amenizará; a letra constitucional anunciando a liberdade religiosa, jamais implicaria em que o poder a desejasse; equivaleria a abrir mão de processo secular de dominação, nesta intermediação com o futuro e mercado de salvação das almas. E isso se refletiria no cotidiano, na sequência da normalidade de vida, diferente do inusitado do complô maximalista. O incremento da urbanização dará ênfase à integração, mas de Kidder a este fenômeno, vai para mais de século.

A NATUREZA DA REPRESSÃO

A natureza da repressão ao protestantismo assumiria os mais diversos aspectos, desde a mobilização direta de instrumentos de estado até à hostilização pessoal, sobretudo montando a marca do estigma e isto vai ser levado  para a linguagem, onde aparecem ou se reforçam  alguns termos como nova-seita, crente,  Frei Bode, capa verde, anti-cristo, a maioria delas levando à ideia do demoníaco, do absoluto mal encravado no arsenal das criações fantasiosas derivadas das pregações em púlpito ou no comício religiosos das desobrigas cujo último representante está na figura de Frei Damião espécie de vice Padrinho Cícero. Dos termos que levantei anteriormente, só a palavra crente não tinha o senso diabólico imediatamente conferido, e nem era associada diretamente ao quinto do inferno.

A tática da exclusão consistia em inúmeros caminhos e o primeiro deles era não reconhecer denominações: tudo estava sendo nivelado numa mesma categoria de inimigo. Não era a denominação que interessava, mas o conjunto. Então o protestantismo era uma totalidade. Não havia uma identidade batista ou presbiteriana em jogo, mas um conjunto que seria levado ao modo da nova-seita. Este termo estava pressupondo pelo menos duas condições:  remeter a uma antiga indicação e continuar dando à palavra seita uma carga semântica negativa. A palavra seita negava o trato de uma religião, tudo sendo originário de posturas falsas e portanto não era o erro que se antepunha, mas a noção de fraude.

O bode – Frei Bode no começo – antepunha um Frei Santo a um Frei Satânico, no que se estava insinuando a existência de balidos e não de cânticos. Os cânticos religiosos  estavam de muito consagrados como o a nós descei Divina Luz, como o ave, ave Maria.  E tudo fazia o ritual das Filhas de Maria, do Apostolado da Oração coadjuvantes essências do paroquialismo católico, o modo do agrarismo expressar-se no particular da religião,  enfaticamente situados no conjunto religioso até a década de 60 do século XX, espécie de laços entre a romanização e o lugar. A Pia União  das Filhas de Maria consagrava localmente as virtudes da mulher cristã. Era natural que o protestante jamais estivesse mergulhado nas cores e sabores do local: a salvação precisava de outro mundo, um novo modo de ser e as raízes estariam nos Estados Unidos da América do Norte, com uma mensagem, também, sobre o sistema capitalista, como diversos estudos destacaram.

O agrarismo está implicado neste andar dos protestantes que vão precisar da urbanização para que haja suporte para a expansão cujos resultados apresentam-se nas estatísticas atuais. Na verdade, fica pendendo a pergunta: a que nível político e de poder chegaram as relações do protestantismo, capazes anteriormente de levantarem um complô maximalista e hoje estar, em sua grande maioria, associado ao sistema? Este e outro aspectos merecem a preocupação acadêmica.

[Droga: Menor] Luiz Sávio de Almeida. Menores e drogas em Alagoas et SANTOS, Gutenberg Ives Araújo dos. O consumo e tráfico de drogas por menores em Maceió: um pouco sobre causas, consequências e soluções





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 Tribuna Independente. Maceió. 06 Mai. 2012. Contexto.

SANTOS, Gutenberg Ives Araújo dos. O consumo e tráfico de drogas por menores em Maceió: um pouco sobre causas, consequências e soluções.Tribuna Independente. Maceió. 06 Mai. 2012. Contexto.
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Um pequeno bilhete sobre menor e drogas



Contexto divulga um estudo realizado por estudante de direito sobre a relação entre menor e drogas. Trata-se de trabalho de jovem iniciante em pesquisa e que merece acolhimento como estímulo e, ao mesmo tempo, reconhecimento quanto a seu interesse em querer  cooperar com a discussão relativa aos rumos de nossa sociedade e papel do direito na construção nacional.

Contexto tem como objetivo  geral, contribuir para que se pense Alagoas. Então é um espaço aberto  para qualquer tipo de pensamento, desde que o texto tenha a necessária qualidade.  Um de seus pontos específicos consiste em estimular pesquisadores que se iniciam no ofício, abrindo a possibilidade de publicação, não somente como incentivo, mas como indicação de que a temática deve ser discutida. Ler um estudante que se inicia no ofício de pensar, é estimulante.

Apesar da grande diversificação de temas, Contexto não é fragmentado,  em virtude, justamente, do fio condutor que é Alagoas e o propósito de cooperar com o refazer de nossa sociedade. Por outro lado, Contexto deseja ser um grande depoimento para o futuro e quanto mais trouxer de juventude, mais cumprirá seu papel.
Sávio de Almeida




Menores e drogas em Alagoas

Luiz Sávio de Almeida



Como dissemos em nosso bilhete, um  dos objetivos de Contexto é dar espaço àqueles que se iniciam no mundo da pesquisa; estudantes que começam a vislumbrar uma possibilidade de caminhar pelo mundo acadêmico. O texto desta edição deve ser lido nesta perspectiva de iniciação, um quase ritual de começo, texto rico de intenção, vontade de falar, produzir e contribuir. O jovem que começa a desenvolver a iniciativa de produzir deve ser amparado de todas as formas possíveis, e esta é uma obrigação de Contexto. Por isto, trazemos a contribuição de um estudante de direito: Gutenberg Ivis Araújo dos Santos, membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Direito, Sociedade e Violência (CESMAC). Contexto deseja ser  um incentivo para que Gutenberg se dedique cada vez mais à aventura de pensar e a missão de cidadania que é a de se pronunciar, falar para a sociedade, tornar-se um intelectual público.

O autor demonstra sua preocupação com uma questão extremamente grave: o relacionamento entre menor e droga. Sem qualquer sombra de dúvida, o menor é o grupo de mais extrema vulnerabilidade à droga, especialmente depois que o crack passou a determinar um novo tipo de performance do tráfico, colocando-o no centro do consumo e distribuição.

A imprensa é fértil em noticiar casos e o panorama do envolvimento do menor em Alagoas é montado cotidianamente: uma morte aqui, uma escola invadida, uma família... O grande vilão é o crack;  é seu preço barato e sua forma de ser comercializado que o leva a invadir a cidade com uma força assombrosa, cujos tentáculos baixos dão o espetáculo do crime, enquanto os altos tentáculos permanecem ignotos e se beneficiando de toda a miséria que causam.   Alguns deles têm que aparecer com urgência; não se pode mais continuar fazendo a população ver apenas a brutalidade do pequeno cotidiano, da droga em varejo; é preciso que ela veja além do traficante miúdo.  Este cara que aparecerá é terrivelmente hediondo, como todo traficante é pelo assalto realizado contra a dignidade humana. Ele sim, é o artífice da grande tortura. 

Quando Gutenberg escolhe o tema da ligação entre menor e droga, sua consciência de cidadão, que sempre deve estar lastreando o trabalho acadêmico, sente a relação íntima entre direito e sociedade; aparece a necessidade de manter-se o direito com sua destinação comunitária, parte integrante da construção, portanto, da comunitas. O manejo da argumentação sobre o fato é montado no lastro constitucional,  que sempre argumentará com o sentido do bem comum, ou daquele que perpassa pelas estruturas cotidianas dando indicações concretas que uma garantia mínima de vida se estabiliza na sociedade e, uma delas, é a forma de ter-se a nação vivendo o máximo possível, aquilo que é chamado de justiça social.

 A territorialização do crack acerbou o domínio territorial e a geração de um contexto anti-nação, aparentemente pulverizado.  Talvez, esta seja a tarefa mais urgente que o estado brasileiro tem à sua frente: destruir a logística da droga. É que o combate ao tráfico é uma questão do tipo “omnibus”; é como que se,  ao falarmos de outras resoluções,  montássemos um tom tautológico sobre o universo de problemas urbanos.  Não é que tudo se derive da droga e nem que a droga esteja em tudo. Não é dar à droga um caráter universalizante sobre o mundo da violência, mas entender que ela é central e que o estado brasileiro precisa enfrentá-la como prioridade zero.

O leitor encontrará neste texto, a posição de um estudante, sua forma de ver e abordar a questão, colocando em relevo a posição do corpo do direito. É uma reflexão que demonstra o caminho que ele poderá percorrer. As ilustrações foram retiradas do acervo da Tribuna Independente; raro é o dia em que menor e droga não estejam nas páginas dos jornais e o mesmo, necessariamente, acontece com a  Tribuna Independente que dedica sua atenção à análise do que vem acontecendo nesta nossa Alagoas, mormente nos contrafortes da valorosa Maceió.


 















O consumo e tráfico de drogas por menores em Maceió: um pouco sobre causas, consequências e soluções

Gutenberg Ives Araújo dos Santos


Atualmente, vivenciamos em Maceió uma situação grave que merece atenção especial. O problema é a crescente onda de consumo de drogas por menores de 18 anos e o envolvimento deles com o tráfico. A discussão acerca dessas questões é de fundamental importância, pois estamos diante de situações que deixam a nova geração maceioense vulnerável, comprometendo a perspectiva de vida que os menores terão.
Apesar de o consumo e tráfico de drogas acontecerem com alta frequência em nossa cidade, as ocorrências parecem ser poucas registradas pelo Estado e por organizações da sociedade civil, haja vista que não existe uma política efetivamente montada para gerar um sistema de informação pública consequente. A ineficiência de um programa sistemático que verifique e trabalhe com essas situações é preocupante, pois dificulta a possibilidade de diminuir as consequências produzidas pela droga, que afeta a segurança, a saúde, a educação, o bem-estar e a paz social.
Percebe-se que, mesmo com todos os problemas sociais e pessoais decorrentes do consumo de entorpecente, a droga, mormente o crack, consegue escravizar crianças e adolescentes, disseminando-se com extrema facilidade e rapidez, invadindo lares, destruindo vidas e gerando cada vez mais dependentes.
Se os menores envolvidos com entorpecentes sabem das perigosas consequências que a droga produz, por que ela se torna tão atrativa para o consumo? É difícil dar uma resposta à questão, pois cada usuário tem um padrão de vida diferente, tem uma história e motivos que o levaram ao vício.
Um menor com uma situação econômica bem favorecida pode sentir atração pelas drogas e pelo tráfico em virtude da curiosidade, da busca por maiores emoções, da sensação de prazer, da diversão ou por problemas pessoais de diversas qualidades. É o ‘’brinquedo ilegal’’ que os pais e familiares não permitem utilizar, mas que o dinheiro fornece a possibilidade de compra. Por outro lado, para um menor que não possui uma situação financeira favorável, que é refém das desigualdades sociais e econômicas impostas pela sociedade, a droga tem um poder de atração diferenciado, inclusive, por estar em outro extrato de renda.
Em meio às diferenças quanto ao poder atrativo da droga, existe uma particularidade que pode ser encontrada tanto em menores de classe alta como também de classe baixa. Estamos nos referindo aos menores que visualizam o consumo e o tráfico como saídas ou solução para os seus problemas. É o momento em que ele pode escapar da opressão e dos infortúnios de sua vida e sentir o curto período de ‘’prazer’’, mesmo tendo que arcar com as consequências, que não serão poucas. 
É difícil afirmar quais são os fatores que levam um jovem a se envolver com droga, até porque cada usuário, como já mencionamos, tem uma história de vida e um caminho que o levou até ao vício. Entretanto, podemos destacar alguns fatores que podem influenciar de forma significativa. O primeiro seria a educação familiar, pois a família é elemento imprescindível no período de formação da personalidade da criança e do adolescente.
O ideal seria que a família proporcionasse um acompanhamento afetivo, psicológico, moral, social, fornecendo um suporte para que o menor pudesse confrontar-se com os problemas que irão surgir durante a sua vida. Não existindo esse acompanhamento no processo de formação, inclusive sem discutir padrões de ‘’certo’’ e ‘’errado’’, ele provavelmente se encontrará mais frágil, vulnerável.
A diferença crucial que traçará o caminho a ser tomado por esse jovem será o ambiente em que está inserido e as pessoas que convivem com ele. É muito comum que menores experimentem substâncias por incentivo de amigos e/ou influência do ambiente. Num caso contrário – a chance de um adolescente deixar-se levar por qualquer tipo de fator externo que o induza ao consumo – é consideravelmente mais remota.
Ainda na questão da educação familiar, é importantíssima a discussão sobre um bom tipo de conduta para o adolescente, pois o mesmo, nessa fase da vida, encontra-se em constante busca de identidade. A partir do momento em que a família não dialoga sobre o perigo que envolve certos tipos de comportamentos – chegando até a consumir drogas na frente do menor – automaticamente faz com que lhe desperte o interesse, deixando possivelmente o entendimento de que o menor tem liberdade suficiente para poder experimentar.
A inserção do menor no mundo das drogas também acontece em face do preenchimento de algum tipo de necessidade psicológica ou frustração. Isto pode acontecer por diversos conflitos ocorridos durante a vida. Neste momento, o apoio de familiares e amigos é imprescindível, pois as sequelas causadas por um fato que tenha marcado negativamente a vida do jovem contribuem para que ele busque refúgio nas drogas.
Sendo assim, a família e os amigos podem ser uma das principais forças no combate ao consumo e tráfico de drogas por menores. Entretanto, ao mesmo tempo em que esses elementos são importantes, também carregam um potencial enorme para desencadear problemas que levem o jovem a esse mundo ocioso, em virtude do poder de influência que os entorpecentes possuem.
Apesar de o envolvimento de menores com as drogas ter uma ligação com fatores associados ao indivíduo, o enfoque social merece destaque, pois nem sempre os problemas surgirão dentro do lar e poderão ser resolvidos pela família, pelos amigos ou pelo próprio indivíduo. São problemas que estão além da vontade ou escolha desses jovens, e que só podem ser resolvidos através da reorganização e transformação da sociedade.
Situações adversas e de cunho social como – a desigualdade econômica, preconceito, discriminação, educação de baixa qualidade, precariedade na saúde pública, desemprego, entre outras mazelas da sociedade – são fatores que propiciam significativamente o consumo e o tráfico. Até porque, não se pode exigir que o menor usuário abandone o vício se o Estado não fornece meios suficientes para isso. Principalmente, quando pensamos no caso do menor de baixa renda, que muitas vezes não pode desfrutar com condições dignas de sobrevivência, tampouco realizar os seus sonhos.
Obviamente existem menores que tiveram uma família, uma educação e todo um suporte que lhe ofereceu a possibilidade de tomar decisões corretas para a sua vida. Entretanto, nem todos tiveram a opção de escolher o caminho longe das drogas, e por isso não podemos cobrar deles atitudes de um jovem com uma postura correta e de cidadão, pois ele não recebeu esse tratamento e atenção do Estado.
Sendo assim, não podemos colocar todo esse fardo nas costas do menor. O governo também é responsável em face da ineficiência na prestação dos serviços sociais mencionados anteriormente. No que diz respeito à sociedade, também é possível atribuir-lhe uma parcela de culpa, pois, em algumas situações, constatam-se o preconceito, a discriminação e a indiferença perante o terrível pesadelo que assombra os menores envolvidos com drogas.
Convém considerar que criminosos aproveitam-se da dependência causada pelas drogas para lucrar em cima dos usuários através do tráfico, mantendo com eles uma ligação muito próxima. Nessa situação, é preciso separar o bandido do usuário. O consumidor da droga, inclusive o menor, é a principal vítima nesse caso, pois está condenando a si próprio, destruindo a sua própria vida.   
Dessa forma, não podemos julgar nem condenar o jovem usuário, pois, no momento em que ele inicia o consumo de drogas, o pensamento está focado em fugir dos problemas que o levaram a esse rumo. Entretanto, o menor precisa entender que somente acumulará mais problemas, pois as consequências do uso dessas substâncias serão gravíssimas, tornando-se, na maioria dos casos, um caminho sem volta, pois uma única dose pode levar à dependência.
Esse poder de dependência que as drogas exercem sobre o usuário é altíssimo, existindo dois tipos: a física e a psíquica. Na dependência física, o organismo acostuma-se a determinada substância, existindo a necessidade orgânica de receber doses. Na dependência química, o usuário tem uma sensação de prazer, bem-estar, ao consumir a droga, ou seja, é um desejo psicológico.
Diante de todos os problemas abordados anteriormente e que fazem parte do cotidiano da sociedade maceioense, é de necessidade urgente que se realizem medidas para o combate ao consumo e tráfico de drogas por menores de idade. É fundamental que o Estado atue junto à sociedade a fim de evitar as consequências ocasionadas pelo envolvimento do menor com as drogas.
A educação familiar, já mencionada anteriormente, pode ser uma importante ferramenta. É primordial não somente um acompanhamento no período de formação do adolescente, mas também no momento em que ele torna-se um usuário, pois o acolhimento da família, dos amigos e do Estado pode ajudar na sua reabilitação. Abandonar o usuário à própria sorte somente vai acarretar na destruição da vida desse indivíduo.
Com uma função imprescindível, o Estado necessita atuar positivamente no combate ao consumo de drogas por menores. Primeiramente o nosso problema deve ser tratado em questões como a saúde, educação escolar, esporte e lazer. Com um papel secundário, os órgãos de segurança devem trabalhar coibindo as atividades criminosas, protegendo a sociedade e não discriminando o menor usuário ou ferindo os seus direitos.
Dessa forma, é importante que o Estado acolha o menor envolvido com drogas, efetivando na prática o art. 227, da Constituição Federal, que dispõe ser ‘’dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão’’.
O governo também poderia trabalhar na construção de mais clínicas de reabilitações, oferecendo um suporte psicológico, educacional, cultural e lazer, visualizando não somente a regeneração do usuário, como o seu retorno para o convívio em sociedade. É lamentável que tenhamos tão poucos centros de recuperação de menores usuários para a demanda existente em nossa cidade, algo que dificulta e desestimula o adolescente a buscar meios que ajudem na sua regeneração.
Ressalto que também é importante o investimento na educação. Escolas com uma boa qualidade de ensino, oferecendo uma infraestrutura adequada, merenda para todos os alunos, entre outras melhorias, oportunizariam aos menores um maior gosto pelos estudos, desviando o foco de atividades ilícitas. Outro ponto que merece destaque é a aplicação de recursos financeiros na área do esporte e lazer para a criança e o adolescente. Disponibilizando-se meios que evitem a procura da rua como espaço para diversão, afasta-se do menor a possibilidade de entrar em contato com as drogas.
Por fim, os governantes também têm a responsabilidade de fazer campanhas e trabalhar na reeducação da sociedade, pois atualmente existe um preconceito enorme com os usuários. Estigmatizar esse menor somente vai dificultar o seu processo de reabilitação, com grande possibilidade de o mesmo, no futuro, cultivar problemas para si, como também ser prejudicial à sociedade.
Sendo assim, é fundamental a conscientização do menor no tocante aos perigos do consumo de drogas, a que se associa a importância da família, dos governantes e de todos os cidadãos nesse processo. Ressalto que não é uma batalha travada somente pelos menores usuários, mas também por toda a sociedade em busca de um melhor bem-estar social, paz, segurança e saúde para todos.

REFERÊNCIAS

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Entrevista realizada com a Psicóloga Clínica e Escolar, Especialista em Psicologia Clínica e Saúde Mental, Joseni Araújo dos Santos. Entrevista concedida a Gutenberg Ives em 05 de novembro de 2011.

Entrevista realizada com Maria Lopes. Material integrante do acervo do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Direito, Sociedade e Violência (CESMAC). Entrevista concedida aos alunos Flávio Salgueiro e João Paulo.

PIRES, Cristina do Valle G; et al. O dia-a-dia do professor: adolescência – afetividade, sexualidade e drogas. 6 ed.  Belo Horizonte: Fapi, 2002. 5v.


VIZZOLTO, Maria Salete. Drogas – respostas para as dúvidas mais freqüentes. Pinheiros: Geração Saúde. 1998. Coleção: Geração Saúde.




[Urbanização: Memória: Penedo] Luiz Sávio de. A Penha em Penedo: uma rua em preto e branco e suas janelas coloridas




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ALMEIDA, Luiz Sávio de. A Penha em Penedo: uma rua em preto e branco e suas janelas coloridas. Tribuna Independente. Maceió, 22 abr. 2012. Contexto.
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Um pequeno bilhete sobre uma Rua em Penedo

       Estamos desenvolvendo um trabalho de documentação sobre Penedo e nosso destaque é a memória da Rua da Penha. Sem dúvida, é um trabalho que passa por nossa vida pessoal, desde que fomos criança naquele pedaço da cidade. Contexto presta hoje, uma homenagem à cidade de Penedo e convida para esta espécie de crisma da Rua da Penha, este ente maravilhoso do urbano penedense.
      Este trabalho, graças ao Professor Sérgio Onofre, teve condições de se desenvolver com a participação de duas alunas de turismo da Universidade Federal de Alagoas, campus daquela cidade: Laissa Maria da Silva e Francismara Costa Torres.  Ambas são a coluna mestra de nossa edição e merecem o nosso reconhecimento e o nosso elogio pelo modo sério como encararam este grande exercício de evocação que anda na fronteira entre uma etnografia urbana visual e a imagem como relação histórica e estimulante da evocação. Este número bem poderia chamar-se Rua da Penha: evocação nº 1.

Sávio de Almeida



Laise Maria da Silva: estudante de turismo da UFAL  no campus de Penedo e Coordenadora Estudantil de nosso Projeto. Parte do material fotográfico publicado é de sua autoria. Vice-Coordenadora do Projeto Piassabuçu







Francismara Costa Torres. Coordenadora do Projeto  Memória de  Piassabuçu. Estudante de Turismo da UFAL, campus de Penedo.  Coordenadora Adjunta do nosso projeto em Penedo. Parte das fotos publicadas é de sua autoria. 



A Penha em Penedo: uma rua em preto e branco e suas janelas coloridas

Luiz Sávio de Almeida






Os começos da Rua da Penha


       O que seria uma rua? O que estaria significando? Difícil conseguir uma forma de juntar todas as possibilidades que a palavra abre, com vistas ao enfoque a dar ao texto e às experiências vividas.  Temos a rua como artéria, mas temos e densamente, a rua como vida e experiência coletiva.  Em nosso caso, interessa uma rua que é componente da articulação do território da cidade e que integra parte de suas áreas centrais baixas e altas.  Aliás, diga-se de passagem, é pela Rua da Penha que circulam, também, os que saem de Penedo em direção a norte e ramificações a oeste e leste. A Rua da Penha é um tronco.

A rua e nosso lugar

Adentrando a Rua da Penha






Desde que me entendo de gente, que a rua é uma subida e a descida sempre foi pelas Rosário estreita, a que vai desembocar no largo antes da Catedral. Isto é sinal que a cidade de Penedo é montada em partes altas e baixas. O Cajueiro Grande, de rua larga, possibilitava ser mão dupla e o trânsito pesado vindo do ou para o rio bifurca-se na praça do coreto. A Rua da Penha é uma linha que acompanha uma colina, rua plantada em corte e guardando correspondência ao Rosário Estreito e a intimidade entre ambas é testemunhada pela declividade do Beco da Preguiça, ele mesmo uma ladeira.  A rua começa no oitão do Gabino Besouro e vai até a Praça, mas, na minha geografia urbana de Penedo, ela entra sem cerimônia pela Praça e para na altura do Colégio das Freiras, onde sempre demarquei o início do Cajueiro Grande.


Área da Casa do Penedo

Eu morei quase defronte do Beco da Preguiça; entre ele e a casa dos meus pais, ficavam a bodega do Seu Cazuza e a casa do Dr. Agnelo; na verdade, era somente atravessar a rua e já estaríamos no Beco da Preguiça; na minha contagem, morávamos no terceiro quarteirão, contando após a subida acentuada da ladeira em frente ao Ginásio Diocesano que o povo chamava, não sei a razão, de Jegue Doido, na magia de transformar o gê em ji. Vindo da parte baixa, a rua seria alimentada pelo trânsito pesado que passasse pela frente do Jegue Doido, subisse a ladeira à esquerda – não tinha como ir direto – e dobrasse à direita, na entrada ao lado do Gabino Besouro; poderia vir pelo ramo do Convento, mas seria trânsito leve de carro de passeio, como ainda hoje se dá. 

O encontro com o Beco da Preguiça

Cada casa é um caso



O tempo mudou a Rua da Penha; o belo sobrado em frente à Igreja caiu; algumas fachadas sentem o peso do desgaste do tempo, mas ela, seja como for, sempre teve o poder de evocar, de ser uma evocação.  Em que reside e se funda este poder, a não ser na possibilidade das lembranças sobre ela e por via delas, a rua torna-se repartida, comungada pelos que vivem e viveram seu mundo. Na Rua da Penha existem atualidades, desatualidades e transições. A rua pressupõe algum tipo de comunhão sobre o passado e é uma comunhão sobre a diversidade de vidas e soluções. Deste modo, nenhuma casa repetiria a outra ou, em outras palavras, em cada casa uma história ou cada casa é um caso e, como sabemos, cada caso é um caso de tal modo que evocar, no caso, exige a filigrana das particularizações.

       A diversidade de vidas na rua a transforma em um mosaico do que se costuma chamar de destino, situações individuais de vidas, numa série de imponderáveis que obrigatoriamente irão fazendo sentido no fracionamento e algumas vezes no conjunto.  E quanto mais a vida passa pela rua, quanto mais vidas vão se formando, equacionando, propondo.  Jamais nós poderíamos pensar que um casarão cheio de troféus do Santa Cruz fosse um dia transformado em restaurante, que uma casa seria transformada em centro de memória e nem mesmo jamais poderia pensar, quando morávamos na Rua da Penha,  que iríamos buscar-nos nela e ela teria o que nos responder.  A rua seria cativa da memória? Esta é uma pergunta que martela as fotografias que foram produzidas nesta andada pela fronteira entre uma etnografia urbana visual e a imagem como relação histórica. Também se trata de uma andada entre uma relação pessoal e o produzido por terceiro, de tal modo que o individual entra pela descaracterização das cores e pelos cortes, a evocação necessitando do toque de quem evoca no aprofundamento da relação entre o sujeito e sua história.

Chegando na  Praça

As famílias e os casos

A Rua da Penha demanda unidades de habitação e nelas, via de regra, estão as famílias. A casa tem uma história, a família também e ambas são um conjunto definido. São muitas as vidas que passam em uma casa, e muitas as casas que fazem uma rua. As histórias das casas e das famílias podem se cruzar de modo intenso, ou apenas superficialmente no conjunto dos seus membros ou na particularidade de alguns. Mormente quando as amizades eram traçadas com os pais de família, tinha-se muito mais do que apenas a vizinhança; haveria o vizinho, mas haveria, também, o amigo das famílias. Por via dos meus pais, a grande ligação na Rua da Penha foi com Seu Pontes e Dona Virgínia; a ramificação secundária foi com o Dr. Agnelo e Dona Ida.  Um era o vizinho do lado direito e, por sua vez, vizinho da Bodega do Seu Cazuza: este era o Dr. Agnelo cujo consultório funcionava  na sala da frente de sua residência. O vizinho da frente era Seu Pontes e morava na casa que antes fora da Dona América que, ao enviuvar, foi morar mais abaixo com  seus pais.

O senso da evocação


O engraçado é que o nome Penha me faz interligá-la a Luiz Gonzaga e à Igreja da Penha no Rio de Janeiro. Sempre dou este salto de Penedo para o Rio de Janeiro e lembro a virada de carro que Luiz Gonzaga sofreu, merecendo um baião composto parece que por seu irmão Zé Gonzaga: “Luiz Gonzaga não morreu, nem a sanfona dele desapareceu, seu automóvel na virada se quebrou, o zabumba se amassou, mas o Gonzaga não morreu”. Disso veio o agradecimento de Luiz Gonzaga em outro baião: “Demonstrando a minha fé, vou subir a Penha a pé, pra fazer minha oração...”. Ligo dois elementos importantíssimos em minha formação: Penha e Luiz Gonzaga.
 O sanfoneiro foi à Penha para demonstrar a sua fé; eu vou à Penha para me encontrar no velho calçamento, um imenso sabor de minha experiência como alagoano, numa espécie de referência teórica de que identidade é uma construção por via de experiências vividas: identidade é uma vivência. Na minha arqueologia pessoal, juntam-se calçamento e Luiz Gonzaga no grande abrigo de vida que é a rua. É que tudo evoca.  Estou dentro de uma arte que foi dominada por Nelson Ferreira em dois de seus frevos magistrais, justamente chamados de Evocação 1 e 2. Nelson Ferreira sai chamando pelos nomes: Felinto, Pedro Salgado, Guilherme, Fenelon... Individualiza para perguntar sobre os blocos famosos. Os nomes naquele senso imenso de carnaval estão ligados a blocos. Todos os nomes de minha Rua da Penha estão ligados a uma determinada situação, a uma determinada condição.

Evocar... Quem sabe todos estes nomes que surgem são infinitamente postos na história de uma rua, que, na verdade, em parte era o resultado de um caminho, de uma saída da cidade que se formava. Cada nome chama o que se recorda, e a rua passa a ter uma vida espalhada e todo um imaginário se trança por uma lógica que aquele que evoca nem mesmo conhece e nem percebe. Há todo um imaginário da Rua da Penha que se dilui no tempo, como se as representações que se decorrem fossem determinadas pela coletivização de um tempo que depois vai ser evocação.  É que seguindo mais de perto a discussão de Doise ou talvez a ampliando, na ordem das representações, o tempo é o elemento fundamental.  A rede que se estabelece numa rua, tende a ser efêmera enquanto representação e permanente enquanto evocação. É por isso, que a linguagem popular cria uma fórmula genial para desatar este nó teórico que nosso texto vai dando: No meu tempo...!  Os tempos então se confundem: o tempo da rua será o tempo que era nosso e, interessante, por este trabalho tenho a noção de que continua sendo.

A rua é uma rede, como qualquer outra, ou seja, um modo específico de relações e, neste sentido, tudo da rua é um relativo a tudo na rua.  Como se nota, há uma matriz que se apropria ao chamá-la de minha rua, algo bem mais forte do que a rua em que moro. Quando o tempo a destaca de mim, quando os entrelaçamentos ficam vazios da experiência atual, quando ela se torna uma evocação ela assume uma condição específica na linha da memória. Toda rua tem seus Felintos; é por isso que sempre foi belíssima a pergunta cheia de homenagens feita por Nelson Ferreira: “Cadê Mário Mello?”. A experiência atual se acaba quando o poeta diz: “Partiu para a eternidade!”. A eternidade que pode ser evocada. Depois, o poeta frevístico traz a resultante da evocação ou o que vamos chamar processo de evocacionalização na fórmula do lá vem Mário. Mário Mello foi encontrado, assim como encontro a Rua da Penha, numa das formas de sua vida.



Cadê a Rua da Penha? O que existe de permanente na rua enquanto ela existir é a própria rua, e ela é um composto pelo tempo; quando vou à Rua da Penha, vou a uma história e viabilizo a mim mesmo nesta história.  Neste passo, eu sou também a alma da rua, elemento com o qual João do Rio teve um belíssimo encontro. A rua certamente tem alma e a rua é um universo de memória. É esta mistura de arrazoado teórico e evocação, que me levou a querer documentar sistematicamente a Rua da Penha, aquela rua suave, apesar de ser uma artéria de denso tráfico, uniformemente plasmada em renda, se bem, que se diferencie de padrão nas cercanias da pobre igreja, cujo teto me fascinava nos tempos de menino, com a santa nos olhando na missa, estivéssemos onde estivéssemos.
Neste ponto, vejo-me diante de uma categoria que Graciliano Ramos ressaltou: o sentir. Ele escrevia ao poder sentir. Isso é parte da minha fascinação pela Rua da Penha: eu consigo efetivamente senti-la. O sentir dava longo curso à escrita do Graciliano Ramos; desejo apenas comparar o sentir, pois qualquer outra seria descabida. Eu evoco a Rua da Penha por poder senti-la. Tem algo a ver comigo e então eu posso percebê-la. E a ela dou a minha dimensão pessoal. Será que eu sou a Rua da Penha? Seguramente uma parte de mim é.



Um pouco sobre o trabalho

Sérgio Onofre conseguiu duas estudantes para trabalharem e partimos para ensaiar a documentação da Rua da Penha, começando pelas fotografias e vídeos, depois cadastrando para realizarmos entrevistas com os moradores mais antigos da rua, em busca de suas evocações. O trabalho tem como título provisório: Memorial da Rua da Penha. Começamos e do material do primeiro teste que foi realizado, escolhemos umas poucas fotos, transformando algumas em preto e branco e realizando cortes, de tal modo que fosse traçado o contraste entre a grandeza panorâmica sobre a rua e o detalhe das janelas das casas, considerando a janela como um limite entre o público e o privado. É daí o nome desta matéria, que publicamos em homenagem, à velha e querida cidade do Penedo, deixando a rua em branco e preto e dando o tom colorido de suas casas, a partir das janelas, bem como evidenciando a espécie de mistério entre a casa e seu caso.





É preciso levar em conta, a espécie de alquimia que se realiza: enquanto as fotos são produzidas na atualidade do fotógrafo, pela intervenção nas cores e na composição, nos as desatualizamos. É uma forma de possibilitar a evocação que sempre leva a um passado misturado com o tempo, sinal, mais uma vez, de que a memória é um processo e não a cristalização de uma informação. A evocação vai pinçar o traço que se torna a bem dizer fundante da busca da experiência ou da vivência que é bem mais do que o vivido: é a circunstância do vivido. A escrita com a luz – que é a fotografia, mas aqui com as implicações da infografia na marcha da tecnotrônica, termo de Darci Ribeiro –, foi continuada na medida em que tudo se desloca para o processo da evocação. O que foi produzido não tem compromisso com a realidade, embora indique sobre ela; na verdade, o grande objetivo seria transformar a rua num senso ubíquo com ele sendo estendido ao tempo e relativo aos casos da própria rua. A utilização aqui e ali de casas e casos não é um divertimento com a linguagem, mas uma indicação da singularidade no coletivo urbano da rua que nos interessa. A rua passou a ser uma população de possibilidades e dela retiramos a amostra da evocação. Será que a rua foi virtualizada? A evocação necessariamente virtualiza? Ampliar a discussão seria fugir ao objetivo deste texto que é simples: uma viagem na Rua da Penha.



As fotos transformadas em preto e branco foram trabalhadas em contraste e brilho, visando direcionar o olhar, pedir interrogação, dar sentido coletivo à imagem. A foto colorida recebeu apenas o corte, procurando levar uma pergunta: se a janela fosse aberta, que filme se iria ver, considerando que se cada casa é um caso, cada janela abre para um processo de natureza acentuadamente misteriosa? No momento, é o que nós temos a oferecer: Laissa Maria da Silva, Francismara Costa Torres, eu e também e com toda razão: Sérgio Onofre.
A rua foi trabalhada sistematicamente; foi fotografada no início e depois, em intervalos regulares de passos, o pesquisador formava um ponto e na posição leste fotografava o extremo oposto, olhava noroeste e passava para a posição oposta, dando-se a mesma sequência, mudando o que deve ser mudado. Cada foto foi registrada em ficha específica, constando a data em que foi tirada, o autor e a hora. Somente as que fizeram parte do teste em sua totalidade foram trabalhadas; algumas poucas janelas não pertencem a este conjunto. O primeiro resultado do projeto está aqui.  Contexto quer agradecer a parceria do curso de turismo da Ufal, a Sérgio Onofre e, sobretudo, a estas duas meninas que trocaram lazer por conhecer, por enfrentar o campo, exercitar o olhar. É o começo da vida acadêmica que se esboça.
Agora, ande na Rua conosco.