terça-feira, 27 de dezembro de 2011

[TEMÁTICA INDÍGENA: PRODUÇÃO ACADÊMICA: UNIVERSIDADE: ALAGOAS] Luiz Sávio de Almeida. Indígenas e historiografia em Alagoas

 Esta matéria foi publicada em O Jornal, junho de 2008

            A semana passada estive na  Universidade Federal de Campina Grande para participar de seminário patrocinado pelo Laboratório de Estudos em Movimentos Étnicos e que tratava sobre Indígenas e Quilombolas: Perspectivas Cruzadas. Participei de uma mesa de trabalho sobre História Indígena e tratei do caso de Alagoas, tentando ser necessariamente provocativo para que fôssemos um caso a possibilitar reflexão sobre o Nordeste.  Talvez por acaso, atingi o problema, mostrando que o crescimento dos estudos indígenas em Alagoas tem ocorridop or via das ciências sociais e, por outro lado, a historiografia tem se mantidoa pática. Na verdade, comparando as produções nas duas áreas, a historiografiat em sido insignificante.

            Quala razão? Difícil de responder.  O fato é ue os índios foram retomados em Alagoas pelas ciências sociais, o que ficac laro, desde a redemocratização, ao aparecerem os trabalhos pioneiros de Clóvis Antunes e Vera Calheiros, com o primeiro contendo maior tônica política e as egunda enquadrando-se com maior propriedade na área acadêmica,  desde que se doutorou  com temática relativa aos Kariri-Xocó do PortoReal do Colégio.  A retomada veio acompanhada de  acentuada mudança no modo de ver e de encarar os índios.  Os estudos anteriores eram determinados pela visão do índio sem posição na correlação de força política,  herdeiros que eram das vertentes historiográficas de Caroata e Dias Cabral.

Os estudos posteriores entenderam-se como participantes da própria luta política dos povos indígena sem busca de nova posição, face ao contexto da chamada sociedade nacional. As ciências sociais em Alagoas captaram este momento, mas a historiografia não, o que se deve, talvez, ao perfil ideológico presente nos dois grupos: uma ciência social politicamente avançada e de compromissos com a própria redemoctaização e uma historiografia conservadora, sem maior compromisso com a transformação quese dava, o que transperecia nos momentos políticos internos do CHLA na UFAL. É preciso ter cautela com estas colocações, pois as generalizações podem ser njustas.

Por outro lado,  a história cuidou menos de  se renovar do que as ciências sociais; a pós-graduação chegou bem mais cedo no âmbito da sociologia,  da política,  da antropologia.  Evidentemente,  isto não é determinante,  mas interfere significativamente, de modo que se deram dois contextos distintos com relação aos estudos relativos a índios.  Uma pessoa fundamental na incorporação do índio ao cotidiano da Universidade foi a professora Sílvia Martins que marcou presença junto aos alunos e mantém um grupo vivo, já tendo encaminhado estudantes para a pós-graduação. Hoje a Universidade conta com pelo menos três grupos ligados aos índios. Cada um contribui e, de certa forma, a Universidade Federalde Alagoas é, possivelmente, a que mais tem produzido sobre o assunto no Nordeste.

Pesam nomes  como Clarisse, Sílvia,  Siloé, Nascimentoe outros tantos, inclusive, com ampliação para o campo da saúde. No  momento, parece-nos alto o interesse da área de Nutrição quanto aos índios, na medida em que trabalha a questão da segurança alimentar. Anteriormente, esta preocupação foi notável na área da medicina, coma contribuição extraordinária da Dra. Rosana Vilela. É  que as ciências sociais souberam – ao cresceramno campo indigenista-  manter diálogo com outras áreas da universidade, enquanto a história permaneceu enquistada. Há uma esperança: o que vem  sendo organizado cientificamente nos campi da UFAL e da UNEAL.  Quem sabe conseguirão que a história se engaje? É possível, não resta dúvida.

[HISTÓRIA: MEMÓRIA: CEMITÉRIO: PALMEIRA DOS íNDIOS: ALAGOAS] Luiz Sávio de Almeida. Graciliano Ramos, o cemitério e a Maria Topada

Este artigo foi publicado em O Jornal, no mês de junho de 2008



            Sempre tive curiosidade sobre o cemitério de Palmeira, por conta dos famosos relatórios do Graciliano Ramos. Tenho dois tios enterrados no São Gonçalo (Joel e Júlio Calisto), mas enterro de parente não possibilita a busca dos réis do prefeito.  Ontem fui a Palmeira  para ver o cemitériodo Graciliano  e  fui na companhia do Ricardo Amorim, o bom doutor em meteorologia,  Fernando Rizzotto, o bom designer, Isaias, o bom motorista e Capelo, o bom fotógrafo. Estava na companhia de homens bons: anda com os bons e serás um deles. Nunca consegui ser.



Palmeira dos Índios

A Capela dos meus pais
 No caminho, a parada para ver o leito doParaíba nos lados do Escuro, carroças mergulhadas na água e animais morrendo sob o peso indomável da areia molhada. Na Viçosa, o local da casa do pai do Graciliano;  depois, marchar e ver um pouco do que teria sido Quebrangulo e rever a casa de meus pais, o local ondef uncionava o Atheneu Quebrangulense, invenção grecobrangulense do meu pai, o velho Manoel de Almeida, professor de nomeada na região.  No meio do caminho, a necessária passagem por Capela, o cumprimento às águas encachoeiradinhas do Paraíba, a demanda ao reino do Cajueiro, a parada no Escuro.

 O cemitério de Palmeira é emendado: o velho com o novo. A parte antiga é para cima e a parte para baixo é nova. Existe vestígio do antigo muro, espécie de estemunho: pequena enfieira de catacumbas. Ali, maravilhosos túmulos-igreja surgem do encantado da morte,  com três exemplares que a prefeitura deveria conservar.  Estamos no campo da arte e  arquitetura cemiterias, coisa que lembra um velho e falecido amigo,  o Clarival do Prado Valadares, especialista no assunto.

Conversa vai e vem, conheci a figura notável que é a coveira Neuza, simpática,  agradável no meio dos corredores de túmulo.  Veio dos lados de Pão de Açúcar tangida pela seca e agarrada ao marido.  Ele virou coveiro e foi querendo adoecer e terminou doente e findou morrendo. Ela foi ajudá-lo: uma coisinha aqui e outra ali, terminou cavando cova. Virou viúva e,com toda a justiça, ficou no lugar do marido ocupando a vaga existente.

O bom amigo Clarival
Nenhum os coveiros até aquele momento havia cumprimentado alguma assombração.  Como a maioria dos cemitérios, os mortos ficamem paz.  Neuza me disse que  a situação mais triste por ela presenciada foi a chegada de corpos despadaçados em desastre na Serra da Pia. Pedaços lançados na cova aberta, pessoas espatifadas. Neuza jamais esqueceu, mas, na realidade,  foi difícil lembrar-se de ter ocorrido uma situação triste, como se a convivência com a morte a fizesse separar-se da imensidão de dor que  passou por perto dos seus olhos.

            Mais depressa, lembrou-se de história engraçada dos mundos do São Gonçalo. MariaTopada entrou bêbeda,  foi andando e desviando das covas por aqui e por acolá. Viu um lugar bom, deitou,  dormiu. Os coveiros não viram Maria Topada, trancaram o portão e saíram por volta das cinco horas da tarde. Ela acordou pelas cinco da manhã e o portão trancado. Ficou na espera de um salvador e nisto veio o pãozeiro com o balaio na cabeça. Quando ele passou pelo portão, Maria Topada disse agoniada: "Me tire daqui!". O pãozeiro saiu correndo até o açude,  em um derrubar  balaio do pão até chegar e lá embaixo. O açude nada entendeu, mas o pãozeiro caiu e quebrou a padaria como diriam os antigos.

[HISTÓRIA: MEMÓRIA: GEOGRAFIA: IMAGINÁRIO: BANHOS: MACEIÓ] Luiz Sávio de Almeida. A hidrografia saudosa da bela Maceió




Esta matéria foi publicada em O Jornal em 2008




            Faz tempo que procuro lembrar de alguns lugares desta Maceió. Parece que se invultaram...  Sei que ainda existem, mas não sei por onde continuam a começar e a terminar, com novos nomes e novas paisagens;  mesmo sumidos, estão em mim, pegados como o inexorável da recordação. Por onde passava a velha estrada do contrabando? Por onde se entrava para Duas Bocas?  Não sei mais!  E, aliás, nunca soube direito que contrabando era esse... Talvez barriga branca, como chamavam o saco de açúcar sem marcação. E ainda martela a pergunta sobre as Duas Bocas... Seria um antigo engenho pertencente ao território da Comarca de Maceió?

O asfalto, as casas, as construções atropelam a lembrança; o novo embaraça o velho, o urbano se faz e refaz, significações acontecem e às vezes espantam pelo inusitado.

Tudo mudou, a rodagem mudou, a pista mudou, as entradas mudaram e eu mesmo mudei.

Há um senso grego nesta minha cisma: ninguém toma banho duas vezes no mesmo rio, princípio da contradição: o ser não é, está sendo. É espantoso como o princípio está arraigado no prosaico da vida, na feitura do cotidiano. Eis que tudo mudou na Maceió que me viu nascer, em plena noite de guerra e no mais escuro e acautelador black-out.

Tenho para mim que as estradas deveriam seguir para os lados atuais do Benedito Bentes, pegar os rumos da Cachoeira do Meirim e talvez caminharem para os lados da Saúde. Elas seguiam em busca do litoral, como as águas do riacho da Caveira, vez em quando por mim freqüentado. Nada melhor do que a água fria de riacho em tempo quente: estimula e naquela era não havia poluição, com a gente se molhando no que era cristalino, vendo piabas fugidias a correrem em bando pelas beiradas do leito estreito.

Maceió possuía banhos de bom calibre. O Banho da Grota da Caveira me deu  namoros. Ali pelos lados da Serraria existiam lugares de primeira: o Banho da Grota da Palha que ficava pelos lados do Ecopark; o da Caveira nas bandas do Benedito II; o Poço Azul pelos lados do atual Jardim Petrópolis; o Banho do Rio do Meio anda absolutamente poluído nas vizinhanças do Bendito I.  Penso que persiste o Banho do Pratagy. Parece que havia, também, o Banho do Rio da Prata.

A saudade do banhos bateu quando estava numa conversa com dois amigos: o José Mário Barbosade Lima e o Isaías Batista de Lima conhecedores dos meandros do Tabuleiro, motoristas profissionais, acostumados a andarem de farol alto ou baixo pelo mundo e carregando cargas e cargas, com o primeiro jogando caçambas de areia de praia nas terras do Stela Maris e o segundo carregando material de construção na mesma área.

Chego a ver a água branca, a areia que parecia efetivamente lavada; nada daquela laminha chata. Nada de isopor e de isonor; a garrafa ficava na água que dava conta de esfriar. Nunca fui de cerveja; sempre achei que ninguém bebe cerveja: urina-se.Sempre gostei de uma cachaça e com caju sempre foi especial.  Hoje, chego perto apenas do caju. Cajarana também era gosto fino e combinava. Água, caju, cachaça e companhia eram coisas do bom e do melhor. Como diriam os antigos, eram da pontinha da orelha, tudo azul.

Andei por umbanho na Mata do Rolo e andei no Catolé. O Catolé era soberbo, bem tratado,  a piscina de pedra, a sensação do mergulho...Mas a Grota da Caveira e seu riacho eram o mais bom do mais melhor. O chato eraapenas a ladeira, mas somente na subida pois na descida todos os santos ajudavam.Ao subir era preciso ser cavalheiro e dar a mão e ao descer era o desembestoabraçado.  Moral da história: p'ra baixotodo santo, realmente, ajuda, mesmo que exista uma caveira e seja estranha anamorada.

[HISTÓRIA: POLÍTICA: LEGISLATIVO: CRISE: ALAGOAS] Luiz Sávio de Almeida. O Poder Legislativo deve sair fortalecido!

Esta mantéria foi publicada em O Jornal em 2008





 



As coisas sempre devem estar em seus devidos lugares;  é importante verificara distinção entre Assembléia Legislativa e Poder Legislativo.  Ela é  parte da estrutura do Estado. O PoderLegislativo é sustentação da democracia,  não podendo ser confundido com o que se faz com a Assembléia e jamais se poderia pensar que tudo o que se faz numa Assembléia expresse, obrigatoriamente,  este Poder.     Esta é uma diferença que, embora óbvia, deve ser examinada com cuidado.  O Poder Legislativo tem que ser preservado; sem ele inexiste a possibilidade de democracia. O que se deseja é a existência de uma Assembléia que responda à sustentação democrática expressando a integridade constitucional do Poder.

Numa democracia, as crises são por demais importantes e as soluções encontradas devem consolidar o caminho do futuro estadual. Desta crise, a imagem do Legislativo tem que sair fortalecida. Há diferença entre uma Assembléia Legislativa configurada constitucionalmente e a prática que nela se pode realizar. Jamais se poderia entender que desmandos sejam praticados pela Assembléia Legislativa do Estado de Alagoas, sendo fácil entender a possibilidade de que desmandos sejam cometidos na Assembléia que opera em Alagoas. Há uma diferença singular e radical. Se por ventura uma administração chega a praticar ilícitos, isto não seria imputável nem ao Poder  e nem à Assembléia.  Pelo contrário: eles seriam prática antilegislativo, pelo fato de que ele é o poder responsável pelo que se deve qualificar como legítimo. 



Deve sempre ser questionado o que se faz na Assembléia, o que faz o Deputado, pois é quem monta a performance histórica da instituição. Nossa prática de Assembléia deve ser radicalmente criticada, ela mesma – a prática – eivada de fraude logo na primeira eleição que ocorreu no século XIX, dando-se movimento de grande proporção contra alguns dos eleitos. Aliás, foi convocada segunda eleição em face da reação de Câmaras; nem todos os primeiros eleitos foram mantidos.

O que está em jogo é a forma de administração de uma Assembléia com indicações de ilegalidade, robustas o suficiente para gerarem situação a ser esclarecida pelo judiciário, Poder que fala quanto à legitimidade das circunstâncias.  A Polícia Federal é apenas uma forma de intermediação, um instrumento, no caso, do Executivo da órbita federal. Ela não decide: instrumentaliza, apóia. Jamais poderia ir além disto.

            Estes comentários decorrem de conversa com um motorista de taxi, que  se referiu a mote muito escutado atualmente.  Estávamos em corrida e uma notícia invadiu o taxi. Ele  disse: "Por isto que não voto mais!". Eu ri e retruquei: "Talvez por isto meu amigo, é que o senhor jamais deva deixar de votar!". E fiquei pensando como a população estaria reagindo, o que estava passando na cabeça do chamado povão. Não sei! Sei apenas que a Assembléia Legislativa do Estado de Alagoas deve ser preservada  Ela não é uma fraude, podem fraudar, minimizar a função, mas a dignidade da representação direta do Legislativo é matéria intocável.   O Poder Legislativo é fundamental na democracia. O cidadão tem que respeitar seu deputado e ele dar-se a respeito. Estamos diante de algo muito simples. Devo confessar, contudo, que tenho saudade do tempo em que se dizia Vossa Excelência com extremo orgulho. Uma grande Excelência foi Melo Mota, não importa o que pensava: importa a dignidade de ser e estar Deputado. Uma grande Excelência foi Dilton Simões e tem-se muitos nomes. O mundo não se resume à loucura da maldade nem ela qualifica e determina o político

HISTÓRIA: POLÍTICA: COMUNISMO: ALAGOAS: GRACILIANO RAMOS] Luiz Sávio de Almeida.A PRISÃO DE UM COMUNISTA QUE PROVAVELMENTE NÃO MILITAVA


Coleção Graciliano

ALMEIDA, Luiz Sávio de. A prisão de um comunista que provavelmente não militava. Graciliano, Maceió, nº 1, 2008

[HISTÓRIA: POLÍTICA: COMUNISMO: ALAGOAS: GRACILIANO RAMOS]


lA PRISÃO DE UM COMUNISTA QUE PROVAVELMENTE NÃO MILITAVA

Luiz Sávio de Almeida

             
           



 É praticamente demonstrado que o Partido Comunista se estruturouem Alagoas a partir de 1928, somando antigos anarquistas de 1919 e novos componentes. É em 1928 que se funda a primeira célula, na rua São José,residência de Américo Sapateiro que, posteriormente, irá pertencer à Ação Integralista. Antes, ocorriam contatos a partir de Recife e Bahia send possível que Américo  tenha realizado a coordenação que resultou na célulaem sua casa.  Após a greve de Jaraguá e dos demais acontecimentos que marcaram a história da esquerda em  Alagoas nos finais da segunda décadado século passado, o movimento operário, segundo apreciação de um jornal defeição comunista (editado esporadicamente, desde 1927) havia perdido força, especialmente após o controle – aduzimos - policial das reuniões operárias e dopacto entre maltistas e democratas para a derrota do socialismo, comungado após Jaragua. Este socialismo deveria ser liquidado em nome dos valoresda civilização cristã ocidental.

               O Proletário falava na necessidade de se retomar o movimento e mencionava o sucesso eleitoral de Otávio Brandão no Rio de Janeiro. O fato éque surge a célula na residência do Américo Sapateiro cuja militância  éconhecida desde 1910, quando pertencia aos quadros da Federação dosTrabalhadores. A célula era denominada AA e dela fazia parte Sérgio Pueirame,Presidente do Sindicato dos Trapicheiros e velho militante na esquerda,José Costa Neto que dirigia O Proletário, Olympio Santana também antigomilitante. Posteriormente, o Partido cresce o suficiente para que se tenha aeleição do primeiro Comitê Regional. Nesta oportunidade, tem-se um grandeproblema interno, pelo  fato de que Américo Sapateiro perde a secretariapara Horácio Gomes de Melo, afasta-se da organização mas continua aliado. Olympio Santana será tesoureiro e são montadas comissões: Juventude, Agrária, Mulher Trabalhadora. Horácio era  também sapateiro; paulatinamente Américo se afasta, passa a ligar-se ao sindicalismo governamental e posteriormente vai se filiar à Ação Integralista, fazendo parte de sua polícia secreta.
Mestre Graça

               A vida do Partido vai ser abalada em razão da Revolução de Trinta, mas ele temcondições de vida orgânica e secreta, emergindo com poder de fogo político noano de 1932, período de intensa disputa na área trabalhista pelas implicaçõesda política governamental na área sindical,  em choque com comunistas eindependentes. É por inspiração de governo que nasce em 1932 a Federação dosTrabalhadores de Alagoas, mas surge, também, a União Geral dos Trabalhadoresque, no dia 1º de Maio faz passeata. Em dezembro de 1932 começam as greves e osmovimentos que levarão a outra formidável ação policialesca, com o tradicionalprende-prende e deportação de liderança.

              
Zé Lins
            


O Partido se retrai, continua a 
Raquel
vida clandestina e viverá o clima de 1935.Antes, contudo,  a vida política de Alagoas ganha complexidade, quando seorganiza em Maceió, pela iniciativa de José Lins do Rego, a Ação Integralista.O encontro de Plínio Salgado, com a platéia alagoana foi realizado na Perseverança, presidido por Domingos Fazio Sobrinho, falando Moacir Palmeira e José Lins do Rego. Evidentemente, os confrontos eram permanentes e é no clima que se delineia depois de 1935 que vai se dar aprisão de Graciliano Ramos.

               Em nenhum momento, o nome de Graciliano aparece nas lutas políticas. Os nomes de intelectuais que se diziam ser comunistas eram  Alberto Passos Guimarães e Waldemar Cavalcanti. Em longas conversas comigo, Alberto jamais mencionou o nome de Graciliano Ramos como militante. Nem a Raquel de Queiroz (trotskista à época) falou de qualquer atividade partidária do Graciliano, e mantivemos alguns bons papos sobre Maceió, embora ela detestasse recordar aquela época pelo imenso sofrimento pessoal que viveu. Num dos papos, conta as versões  corridas sobre prisão de Graciliano e lança:  "Meu filho, somente diga estas coisas depois que eu morrer!".  Fiquei embaraçado, ela notou e arremessou o torpedo: "Fique tranquilo menino, eu morro logo!".  Começamos a rir e falei: "Então não me interessa saber. A conversa não tá gravada, como é que vou provar que você disse? Pode guardar para você as suas coisas!".  E rindo terminamos este telefonema.

         Na verdade, ela desejava fazer alusão ao que circulava: a) prisão por naturezapolítica ideológica; b) prisão em face da fofoca política ou perseguição pessoal; c) prisão em face de problemas pessoais.  Quem sabe tudo não semistura numa aura  que parece misteriosa? O fato é que o pessoal, o político ou ambos  conspiraram para que surgisse um texto que representaria as vidas de encarcerados, numa referência à memória dos que eramditos portadores de pensamento ilegal.  O fato é que, com relação à suaprisão, Graciliano contou o que desejava fosse sabido.



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Meu primeiro contato com Graciliano foi através de Memórias de Cárcere. Depois fuilendo devagar uma coleção editada, caso não me engane, pela José Olympio.Estava nos 17 para a frente. Anos depois, utilizava seus romances para debatercom os alunos temas de sociologia rural. Evidentemente, a escrita não reproduza realidade das vidas, mas Graciliano mergulha de tal maneira no cotidiano quesuas contradições surgem e foi a tensão presente na sua fala sobre arealidade que a ele até hoje me prendeu.

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[HISTÓRIA: MEMÓRIA: PENEDO/ALAGOAS] Luiz Sávio de Almeida, Minhas recordações de Penedo (I)




Matérias esparsas











Esta matéria foi publicada em O Jornal, Maceió, no mês de Dezembro de 2007
         


Não lembro quando cheguei; não recordo da primeira vez em que cumprimentei a cidade.Sei apenas que desci das nuvens em teço-teco, vindo de Pirapora, Minas Gerais,com meu pai  - funcionário do Banco do Brasil –, transferido para ocupar a função de Contador na Agencia. Desta viagem, restaram retalhos na minha cabeça, construções fantasiosas às vezes alimentadas, aqui e ali, por expressões imprecisas que foram ouvidas durante outras quadras de vida, gerando um universo de memória onde fantasia e realidade se encontram. 

         Sei que chegamos. Pelo que contava meu pai, o melhor hotel era o dos Viajantes, mas fizeram reserva no Brasil, um sobrado. Dele, lembro muito pouco. Meu pai falava das péssimas condições de hospedagem, da má vontade e do lançamento da família em quartos do térreo. No dia seguinte, o dono do hotel o teria visto no Banco do Brasil e logo tratou de nos acomodar no primeiro andar. Não sei quanto tempo passamos ali. 

         Ninguém de hoje, consegue imaginar o que seria uma mudança, naquela época ainda imprensada pela guerra. A bagagem demoraria a chegar e se transportava o mínimo possível. Por onde se ia morar, meu pai comprava a mobília barata, indispensável como a mesa, cadeiras, a petisqueira, a cama. A minha cama em Penedo era a Patente, mas dormi muito em cama-de-vento, a melhor dormida que sempre achei.

         Pela Internet, sei que a famosa cama Patente foi desenhada em 1915 por um espanhol;a primeira delas fabricada em Araraquara para a substituição de camas de ferro em hospital. Toda a madeira na Patente era torneada, com as partes encaixadas em ganchos, com dois apoios, havendo a bandeira, o estrado e os pés.  Era tão prática, que até menino montava. A minha era marrom escuro, e ficou na lembrança devidamente guarnecida pela imagem do Anjo da Guarda, a quem eu tinha que rezar de joelhos e mãos postas, pedindo a atenção do meu zeloso protetor. Ele era  pendurado por uma fitinha branca, amarrada na grade da bandeira. 

         A cama-de-vento era para quando a casa estivesse cheia, mas eu arranjava forma de dormir nela, devidamente empacotado em pijama de manga comprida, fizesse ou não calor. A imagem que guardo é de uma cama dobrável, com dois cavaletes nas pontas, a lona embranquecida brochada nas laterais para agüentar a pressão do corpo. Era fresco, talvez mais do que rede e é uma peça notadamente portuguesa, nício da colônia.

         Passamos pouco tempo no Hotel Brasil; se não me engano, fomos para o Hotel dos Viajantese de lá foi alugada casa no Cajueiro Grande, pequena, com os fundos dando para uma ribanceira, cerca de vara no quintal quase em frente ao Hospital. Na verdade, Penedo começa para mim no Cajueiro Grande e estas lembranças assumem em torno de sessenta anos atrás, coisa do imediato do fim da guerra. A rua era extremamente larga e eu era proibido de colocar os pés além  do meio-fio, por conta dos caminhões que ainda chegavam quase que a chorar na rampa, na batida que vinha da subida da praia para o Cajueiro Grande.  Era tempo do Mack, venta cortada, verde, carroceria comprida de madeira, sacos e o mais que se podia, vindo de longe,passando na balsa e ganhando novo mundo na direção do norte, a venta enfeitada por uma estatueta que guarnecia sua busca por destinos.

[HISTÓRIA: MEMÓRIA: COLÔNIA DE LEOPOLDINA/ALAGOAS] Luiz Sávio de Almeida. As ruas da Colônia de Leopoldina.

Matérias esparsas





Este artigo foi publicado em 2007 em O Jornal

  

         

Ernane Santos lançou – com a colaboração de José Araújo de Luna – um livro sobre as ruas de Colônia de Leopoldina. O trabalho tem um grande mérito: aproximar-se da história do local, da vida das pessoas que fazem a cidade, não importa ocaminho que siga. As ruas falam sobre a vida das gentes e das cidades, às vezes homenageando nomes tomados como exemplares, algumas falando sobre acontecimentos; outras tantas e mais encantadas, desvinculam-se do prosaico evão assumir o rumo poético que a própria vida comporta. João do Rio foi fantástico cronista da rua, da sua alma; ele sentiu que a rua pulsa e, portanto, deve ter coração.

         Colôniade Leopoldina tem seus estudiosos; lembro-me que em 1983, apareceu o trabalhode Everaldo Araújo Silva.  E assim, acidade honra a letra de seu hino: SALVE! SALVE! COLÔNIA LEOPOLDINA/REMINISCÊNCIAS DE TEU IMPERADOR/ COM TEUS FILHOS A ESTUDAR/ DOUTORES, POETAS,ESCRITORES/ PARA SUA TERRA SEMPRE HONRAR!.

         Euacho bonito, quando se tem, o senso do lugar. Jorge Pinto Dâmaso desmonta acharada ao falar sobre o povo do Cariri da Boca da Mata das Alagoas. Diz de modomagnífico, que se tratava de chamamento do umbigo. Nada mais nobre e nada maisimportante. O chamamento do umbigo é razão muito forte. Bem queria Alagoas, queem todos os seus municípios surgissem vocacionados pelo umbigo a falarem desuas terras, a dizerem de seus povos, da mesma forma que é bonito quandoColônia de Leopoldina fala do orgulho que tem de seus poetas e escritores.Puxa, dá para a gente se ligar, imediatamente, a Castro Alves quando gabava quemsemeia livros a mão cheia.

         Emtodo canto, parece que a necessidade de homenagear – sem dúvida justa – terminapor suplantar os nomes de rua montados pelo cotidiano. Sem dúvuda, a rua doEsconde Negro vem de longe sustentando o nome que se funda na vida local.  Prefiro a poesia à data; prefiro a recordaçãoao nome.  No caso especial da EscondeNegro, trata-se de uma rua delatora, ensinando por onde meu povo andou se escondendo? Um nome de primeira éRua da Boa Vista; sugere um mundo de beleza, de paisagem aberta. A Rua daAlegria é imponente, com todo mundo feliz, sentado nas calçadas, coçando odedão do pé. Pois são desta forma, as ruas de nossas cidades. 

         Nãoestou escrevendo estas linhas, pelo fato de conhecer o Ernane; fico satisfeitoao ver amigo produzindo; claro que fico satisfeito ao saber que o povo deColônia pode ler sobre suas ruas. Até lembro, saudoso, do velho e genial Félixde Lima Júnior, a quem tanto admirei e que andou escrevendo notas e mais notassobre as ruas desta nossa Maceió. O velho Félix era especial.

         Capelatem muito menino fazendo universidade; uns tantos já chegaram a conversarcomigo. Dois ou três podem fazer o mesmo trabalho; sei que Capela é 99 vezesmaior do que Colônia de Leopoldina, mas com paciência se faz e se pode dar anosso povo o presente que o Ernane deu ao seu.

[HISTÓRIA:MEMÓRIA: RIO DE SÃO FRANCISCO: CACHOEIRA DE PAULO AFONSO] Luiz Sávio de Almeida. A Cachoeira do Paulo e do Afonso


Esta matéria foi publicada em O Jornal, Maceió, em Dezembro de 2007


A sensação de estar em Penedo é sempre agradável. Havia acabado de chegar e era noite quente. Mais ou menos dez, saio e vou para frente da Igreja da Corrente,  fazer o que os antigos chamavam de tomar um deforete.  O som, a música,  jovens bebendo e eu pensava na distância da minha Penedo para a cena.  Tudo ficou mais aceso quando,misteriosamente, comecei a ver o armazém do Fortunato,  a mamona amontoada onde uma moça havia paradosua moto vermelha. As cores confundiram-se: o vermelho da moto e o cinza dapaisagem da mamona.  Neste ir e vir da moça para a mamona, o tempo passava. 


Conversava como Mário Lima,  de repente abri a pasta e comecei a ler anotações em uma caderneta. Curiosamente, uma folha trazia de volta uma conversa com um amigo, o Mauro Feliciano - mora em Sobradinho -,famoso mergulhador, aposentado. O pai foi trabalhar no concreto da PauloAfonso; com nove anos de idade, ele começou a vender cocadas feitas pela mãe; era gente fazendo concreto, era gente fazendo secadeira, era gente comendo cocada. 

O fato é quesão mais de 26 anos de mergulho, tudo começando quando uma cheia imensa empurrou trecos e mais trecos para a tomada d'água da 1ª usina. E gente foi chamada para ajudar a tirar o bagulho das grades. Eram poucos mergulhadores; édaí que Maurão foi fazer um curso e tornou-se o homem que retirou o navio SãoFrancisco, afundado em Petrolina com uma imensidão de toneladas de pedra; o São Francisco mocou e estava empatando a vida do porto.

Maurão passou pormuita coisa pesada, mas a pior de todas foi no Açude Coremas, onde foi fazerrevisão nas grades. Perdeu a brecha; a corda adiantou e ele começou a rezar porSão Francisco que, entendo nesta altura, seria também protetor demergulhadores. Na hora, as nadadeiras entraram na brecha e ele subiu com vida;aflição mesmo foi  salvar o CompadreJoaquim que desceu e não voltou, colado que ficou na boca do tubo. Hoje estávivo para contar e mora na Pariconha.

Foi o Mauroquem me falou de  uma história fantásticasobre o nome da Cachoeira. E ele ouviu de uma família que sempre viveu por ali,  e que descendia do povo que contava a ditacuja história.  Tudo teria acontecidoantes do Delmiro.  Naquele tempo, haviaum imenso pé de manga rosa perto da Cachoeira e uma casa, onde vivia a famíliacriadora de bode, com dois filhos pequenos, mas já em tempo de cuidar dosbichos. Eles estavam fora. Foi quando chegou um bando de gente, não se sabe sebandeirante ou inglês. Faz tempo demais. A mãe começou a chamar pelos filhosaos gritos: Afonso! Paulo! Os viajantes escutaram os gritos e o chefe delesdisse: De hoje por diante, esta cachoeiranão mais se chamará Forquilha. Será Paulo e Afonso.  E assim foi feito. Rebatizada, a Cachoeira dePaulo e Afonso foi perdendo o e, como se a pessoa fosse uma só e não, conformeera naquele tempo de antes do Delmiro, uma parelha de irmão que cuidava dosbodes. Maria Lopes acha que Forquilha não era um nome feio, mas prefere Paulo eAfonso mesmo. Acha que é mais justo.

[HISTÓRIA:MEMÓRIA: AMIGOS: MANOEL CORREIA DE ANDRADE] Luiz Sávio de Almeida. Morre Manoel Correia de Andrade e ele não se finda


Esta matéria foi publicada em O Jornal, Maceió, Julho, 2007











Hoje é um dia triste; sinto um fardo nas costas, como pessoa e cidadão metido a ler. Como pessoa, pelo fato de ter morrido um homem a quem admirava, tomava como exemplo, honrava e devia pelo muito que fez por mim.  Manoel prefaciou um livro meu, foi meu examinador no doutorado e convidou-me para participar de seminários,  quando estava na Fundação Joaquim Nabuco, chegando a publicar  alguma coisa minha. Possivelmente, um de  seus  últimos escritos foi o Prefácio para meu livro sobre a política alagoana na década de trinta do século XIX, passando pela Cabana. Recentemente, mantínhamos um contato constante; ele havia quebrado a perna e estava em casa; não ia  à Cátedra Gilberto Freyre – da qual era titular - na Universidade Federal de Pernambuco.  O assunto das conversas constantes era a necessidade de transformar em livro a minha tese de doutorado, coisa que sempre insistia. Transformar tese em livro é mais difícil do que escrevê-la, mas capitulei e ele me deu um fino texto introdutório de presente.

A última vez em que o vi pessoalmente foi em Maceió, talvez dia e meio antes da chegada da morte. Ele havia recebido homenagem prestada pelo Curso de Geografia (não sei o nome atual) e foi muito bonita: uma sala simples, cheia e  em dia de greve de bus. As homenagens eram o encantamento e o sonho de uma juventude que desejava uma foto a seu lado, como se um superstar estivesse na sala. No fundo, ele era estrela de primeira grandeza a influenciar gerações marcando a vida da região: seu nome ficou associado definitivamente ao Nordeste. Chego mesmo a pensar que foi um dos principais montadores da idéia de uma identidade regional, função excepcional  de seu livro clássico sobre o Nordeste que foi  lançado pela mão de Caio Prado Júnior. A sua carreira de geógrafo deveu-se a Gilberto Freyre conforme contava; antes se dedicava à história e foi neste  vai-e-vem da geografia para a história e da história para geografia que publicou uma contribuição notável para entendimento do país e transformou-se em leitura obrigatória, sinal de que morreu mas jamais findará. Manoel Correia de Andrade ganhou o caminho do infinito.








Era um homem senhor de si, mas simples, capaz. Ouvia atentamente e opinava com parcimônia.  A primeira vez que vi Manoel Correia foi em um elevador, conversando com uns dois estudantes e falando sobre sensualidade das serras. Eu ri e jamais esqueci. Tímido como sou, não aproveitei a oportunidade para me aproximar. Tempos depois, convido para examinador da minha tese. Aceitou e daí nasceu a aproximação entre nós. Lembro  da primeira vez em que nos encontramos e lembro da última coisa que ouvi de sua boca. Ele virou-se -  parece-me que para sua filha Thaís-  e disse: “Este é realmente meu amigo!”. Isto me comoveu, pois na verdade, eu tinha carinho por ele. E fiquei mais uma vez órfão. Eu já estou com um grande aprendizado de orfandade intelectual. Tenho muitos mortos. Manoel Correia de Andrade é um dos principais. Sempre terei saudade, mas sempre saberei onde encontrá-lo.










A EDUFAL vai prestar-lhe uma grande homenagem, mantendo seu nome como patrono da Feira do Livro. E tentará publicar um seu trabalho. Conversando com ele sobre o assunto, disse-me  que se sentiria muito honrado, mas sua preferência seria a publicação do livro do seu filho Joaquim sobre Alagoas. Aliás, o Joaquim (já falecido) tem um filho servindo a Alagoas e que tem o nome do avô: Manoel. Era grande a dedicação de Manoel Correia de Andrade ao nosso Estado. E ele venerava Penedo;  brincava dizendo que a única traição à sua esposa, foi com Penedo,  que era a sua namorada.  Talvez seja a hora de Salles e a Fundação Casa do Penedo que fica na minha inesquecível Rua da Penha, prestem uma homenagem.