segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

[HISTÓRIA: ÍNDIOS: ALAGOAS] Luiz Sávio de Almeida. Lançamento de livros


Esta  pequena entrevista foi publicada em O Jornal no nês de agosto de 2008


O Jornal – Sobre o que trata seu livro individual?

                Sobre uma questão antiga: a natureza da formação histórica de Alagoas, tentando vê-la por baixo, no sentido de entender a formação de sociedades alternativas e as matas como personagens do drama do poder. Então, tento dar uma passada diferente pelos fatos, acontecimentos... Tomo como ponto central uma pessoa considerada como facinorosa à época: Vicente de Paula. A partir disto, vou discutindo  e  passo pela cabanada, demorando-me, revisitando. Para o trabalho caminho dialogando com  Manoel Correia de Andrade,  Décio Freitas, Dirceu Lindoso e Clívis Moura. 

O Jornal – Quem o prefacia?

                O velho Manoel  Correia de Andrade. Ele de muito reclamava a publicação deste livro, não sei por qual carga d'água. Finalmenteresolvi publicar e ele se ofereceu para o Prefácio, o que foi uma honra. Éramo samigos e ele sempre me influenciou muito.  É como o Dirceu: sempre dialogo com ele. Concordando ou  discordando, passo por ele. Dirceu é um homem de grandes insights sobre Alagoas. A Taís filha do Manoel, disse-me que foi o último escrito dele. Estava na sua mesa de trabalho. Foi um homem extraordinário: é impossível entender o nordeste sem ler seus textos.

O Jornal – E o livro que o senhor organizou  em parceria com o Professor Amaro Hélio?

                Um conjunto de textos basicamente voltado para os índios de Alagoas. É o décimo volume de uma coleção que estamos alimentando todos os anos. Traz estudo excelentes do Amaro Hélio, da Clarice Mota, da Professora Ester, Jorge Vieira e  outros. Trata sobretudo sobre etnia, política e história. 

O Jornal – Professor, qual o balanço que o senhor dá de seus trabalhos?

                Não posso dar um balanço: vai tudo cair. Não têm sustentação.  Falando sério, nunca parei para avaliar.Desconfio que as novas gerações irão  levar em conta e crescer alguns campos qu e andei trabalhando. Eu somente me satisfarei como historiador, quando já estivertão ultrapassado que for de mau gosto me citar ou, melhor ainda, quando for absolutamente desnecessário. Voltar ao anonimato é um excelente objetivo. 

O Jornal – Qual foi a editora e quem o ajudou nesta empreitada?

                A editora é a da Universidade Federal de Alagoas, fantasticamente dirigida pela pessoa extraordinária que é a Sheila Maluf. O salto de qualidade que ela deu é notável.  A Editora perdeu o ar de paróquia e ganhou espaço nacional. Ela é divisora de águas.  Tenho muito a quem agradecer, po  exemplo  a Sérgio Moreira, pessoa a quemadmiro e é de minha alta estima pessoal. Mas acho que devo tudo a meus filhos.  Eles me deram calma para me dedicar uns seis anos na escrita deste trabalho. Cícero Péricles, Rachel Rocha e Bruno César Cavalcanti são pessoas que me incentivam e desculpam as minhas tontices.  Vivo muito feliz: tenho belos amigos. 

O Jornal – Como vê a historiografia em Alagoas atualmente?

                Muito bem. De fato está havendo uma renovação; até mesmo, o espelho  padrão do intelectual alagoano mudou. Hoje estamos na oportunidade de pessoas que estão tendo o saber testado publicamente em suas especializações, mestrados e doutorados.  É diferente; terminou a fase do intelectual  heróico e autodidata. Mudou e os resultados serão melhores pois, inclusive, mudou a temática.  Além do mais, uma outra  gama de campos foi acrescentado ao da história e quem ganha é Alagoas.

O Jornal – Pode citar alguns nomes?

                    Claro. Sei que vou deixar alguém de lado, mas serei perdoado. No campo da história, a renovação passa por Fernando Mesquita, Ana Cláudia Martins,  Sérgio Onofre,  Osvaldo Maciel . São pessoas novas no cenário que, nesta geração, teve nomes como o Douglas, Élcio, Dirceu, Moacir.   Este campo da história cresce com inúmeras pessoas de outras áreas, que vêm somando conhecimento sobre Alagoas, como é o caso de Cícero Péricles na economia, Bruno Cesar Cavalcante e Rachel Rocha em antropologia, Ruth Vasconcelos em Sociologia e por aí segue toda uma renovação que é impressionante. 

[HISTÓRIA E ESPAÇO] A história almanaquista: explicação senhorial do espaço das Alagoas






Este texto foi publicado em Espaço, O Jornal, Maceió, Out. 2008




O que Moira faz!

Vive o sono eterno: morreu. Chegou  a Presidente da Província das Alagoas em 1836; maiores informações sobre sua vida podem ser obtidas em Abelardo Duarte e José Maria Tenório da Rocha, ambos citados no corpo do artigo.  Moreno Brandão escreveu: “ A biografia deste repúblico é escassamente conhecida. Dele se sabe apenas que é filho do Rio Grande do Norte, representou o Ceará como deputado geral, 1ª e 2ª legislaturas, e faleceu na antiga Província do Rio de Janeiro, a 15 de fevereiro de 1854, com 78 anos de idade, tendo sido inumado na igreja de Nossa Senhora da Conceição, em Niterói.”.


Umas poucas palavras


Luiz Sávio de  Almeida





            Vez em quando  vamos arriscar um artiguinho e, em alguns, reproduzir partes ou texto integral de documentos importantes para o entendimento de Alagoas.  Começamos por Moira, em face de ser um dos pilares da construção teórica sobre nosso Estado e  exemplar do ponto de vista do trato político de nossa história. Faz tempo que nosso pequeno artigo estava redigido e sepultado no fundo do baú. Tomara que sirva para alguma coisa.
Muitos  documentos importantes sobre Alagoas tornaram-se  raros e é preciso divulgar e comentar. O texto de Moira   é um deles e recebeu poucas abordagens, sendo embora sendo essencial para que se verifique como foi a montagem inicial do pensamento sobre Alagoas. Seu livro é interessante, bem como seu objetivo que era, efetivamente, falar sobre Alagoas e sobre, também, os episódios que foram vividos em sua época e em nosso território: a cabanada. Ele estava em Alagoas na oportunidade da chamada guerra dos cabanos.



A história almanaquista: explicação 

senhorial do espaço das Alagoas


O que Moira falou sobre Maceió






            A Cidade de Maceió marítima; moderna Capital da Província, Residência do Presidente; do Chefe de Polícia; do Juiz de Direito, Corregedor da Comarca; reunião da Assembléia Provincial; assento das duas Tesourarias; do Almoxarifado, de uma coletoria, e uma Mesa de Inspeção dos Algodões tem uma cadeira de Latim, e outra de Francês; uma de Lógica; outra de Geometria, e outra de Retórica, duas Aulas de Primeiras Letras, para um e outro sexo. Tem um sofrível quartel para as tropas.

            Esta colocada em uma planície elevada próxima do litoral, e guarnecida da parte do Norte por uma colina longa, que se estende de Leste a Oeste; é mesquinha de água potável, seu terreno árido, e arenoso, fica em uma espécie de península formada pelo Oceano a Leste; Alagoa do Norte à Oeste, e a Barreta ao Sul; de istmo lhe serve todo o lado do Norte, e suas entradas são pelos dois extremos da linha da colina pelo lugar do Poço, e do Bebedouro.

            Compreende no seu Município a Povoação e Arraiais seguintes:
            A Povoação, de Jaraguá bem na praia, defronte do Ancoradouro, aí se acha colocada a Alfândega, o Armazém de depósito de Madeiras do Estado para a Marinha Nacional; vários trapiches; um Estaleiro; é a residência do mestre construtor, empregado encarregado da fiscalização dessas madeiras; do Patrão Mor; é totalmente estéril de água potável, que lhe vem de fora; fica arredada da Cidade para o Nordeste um quarto de légua; grande parte do comércio, aí se acha fixado de 1831 para cá [...]

            O arraial da Freguesia da Pióca 3 léguas distante para o mesmo rumo de Nordeste próximo do litoral.

            O Arraial do Bebedouro, uma légua para o Norte, abundante de boa água potável, por estar à margem de um córrego perene, donde se fornece parte da Cidade; é aqui o pouso ordinário dos tropeiros que conduzem do interior os gêneros de exportação, e consumo da cidade; que ali se demoram com suas tropas, até voltarem carregados com o retorno para as Vilas, Povoações, e Arraiais, fazendas, e engenhos do interior, tem aí um pontilhão  sobre o córrego onde se atravessa porque antes fazia grande atoleiro e tijucal.

            O Arraial do Trapiche uma légua escassa da Cidade para Oeste à margem da Lagoa do Norte interposto das madeiras, e de todos os produtos do interior que descem embarcados pelas lagoas e não querem expor-se ao perigo da Barreta; daqui para a Cidade ou para Jaraguá se conduzem em carros por uma bela estrada; a melhor que na Província e quiçá em muitas outras.

            Cumpre declarar aqui antes de passar a outro Município, que nestes últimos tempos, se empreendeu um canal de comunicação da lagoa do Norte até o interior da cidade de Maceió obra de sumo interesse; e que dá grande impulso ao comércio, e engrandecimento da cidade; pelo que os habitantes concorreram com uma subscrição voluntária; mas a obra não se fez como convinha; porque não se obteve do Governo Geral o auxílio pedido; ao menos de um Engenheiro!! e por isso tem esboroado as terras mal colocadas; pelo que apenas hoje lá entram canoas na preamar que influi na lagoa. A esterilidade de Maceió diminuiria muito se todos os que ocupam os lugares frescos do Cambona próximos da lagoa do Norte, e do Poço, seguissem o exemplo do Cirurgião Mor Antonio Pereira Cardozo, e do Negociante Graça nas chácaras que tem, e podem ser normais.

O que Moira falou sobre Marechal Deodoro




           
  Cidade das Alagoas, antiga Capital da Província légua e meia arredada do litoral, situada à margem sul da Lagoa Manguaba, por uma colina acima e na sua planície; falece aqui, não só o comércio, senão a indústria e as artes; é fértil de água potável dos Arroios Sebaúma, e Utinga que lhe correm ao Sul, e a Leste; abunda de jacás, camarões, e siris de [...]; nos meses de Maio, Junho e Julho nem peixe há, por ser vedada por lei Municipal, a pescaria de arrastão em razão da procriação de peixe nesses 3 meses. Há aqui dois Mosteiros Monacais; um de Franciscanos, para onde destacam dois ou três da Bahia; a casa ainda que muito pequena é menos má, tem boa cerca de pedra e cal murada que encosta na lagoa; o templo é asseado; o outro era de Carmelitas, sito lá para o extremo Sul da Cidade; há muito que se acha pro derelicto e sem Frades, e o Templo está em estado de ruínas! Em quanto ali foi a Capital, o governo aproveitavas a casa para hospital militar, depósitos, armazéns e quartel.

            A Matriz é boa, e está bem colocada. As poucas casas de sobrado que há, são antigas, e feitas sem gostos nem cômodos e pior as térreas. A perspectiva desta cidade é assaz desagradável, e suas ruas sem ordem, nem simetria; e o terreno mal escolhido; só tem de belo alguns golpes de vista da Lagoa. É a residência do Juiz de Direito corregedor da Comarca; tem uma coletoria, uma aula de latim quase deserta; Escolas de primeiras letras para ambos os sexos. Um Palacete feito em 1836, porque antes não o havia, o qual ficou inutilizado, com a mudança da capital.  Na cadeia, e na casa da câmara será bom não falar; naquela para não magoar o coração sensível, e nesta por vergonha...!!

            Contém em si o Município desta Cidade a Povoação e Arraiais seguintes:

            A Povoação de Taperaguá, próxima e a Leste da Cidade; bem se lhe podia chamar um bairro dela, separado por três pontilhões sobre os arroios  Utinga, Sibauma, e o esgoto Maguaba. Tem uma Capela do Sr. Bom Jesus, e alguns sobradetes frágeis, que alguns fazendeiros, residentes em seus engenhos, mandaram lá fazer, só para quando concorriam ali a uma suntuosa festa, que se fazia em outro tempo; hoje porém só resta disso, a triste recordação do passado.

            Nasceu nesta Povoação a Mãe de D. Marcos Antonio de Souza, finado Bispo do Maranhão que segundo a tradição, dali fora para a Bahia.

            O Arraial do Pilar no extremo Oeste da Lagoa Manguaba distante da cidade de 3 para 4 léguas; nada tem de notável, senão ser aí o lugar do embarque dos gêneros produzidos no interior que se levam para Maceió, ou mesmo para a Cidade das Alagoas em canoas ou barcaças.

            O Arraial da Barra de São Miguel o Suplício de D. Pedro Fernandes Sardinha o 1º Bispo da Bahia, que regressava para Portugal no ano de 1556 e fez naufrágio nos bancos de denominam Bancos de D. Rodrigo, que demoram amarados entre a Barra do Rio S. Francisco, e à de Coruripe [...]



O que Moira falou sobre Penedo


             
Cidade do Penedo vantajosamente situada à margem do Rio S. Francisco da parte do Leste, sete léguas acima de sua foz, por uma colina acima cuja rocha lhe empresta o nome, de cima da qual se descortina o curso desse grande Rio duas léguas para baixo e outro tanto para cima; tem bastante comércio, e muito mais teria se a entrada da Barra não esmorecesse os especuladores. Há muito elegantes casas, e bastantes sobrados de um, e de dois andares; pela maior parte edificados ao gosto moderno, e cômodos; um hospital de caridade da invocação de S. Gonçalo Garcia; um belo convento de Franciscanos; a casa da Câmara e Cadeia são as melhores e toda a Província, colocadas na eminência, oferecem uma vista embelezadora, não só do rio, e ilhas que se formam nele, e sua freqüente navegação por chalupas peculiares, se não para esquadrinhar da Província de Sergipe a Vila Nova, que está defronte e à margem oeste do rio, assim como o Arraial do Carrapixo de d’onde se extraem e exportam muito boas pedras de amolar de gran mais ou menos fina.

            A casa da Câmara do Penedo está bem mobiliada, e ornada com riqueza; aí se reverenciam na melhor sala as Efígies do Sr. D. João 6º D. Pedro 1º, e do Sr. D. Pedro 2º. Faz ângulo com este grande edifício outro também de sobrado com grande edifício outro também de sobrado com grande galeria de sacadas de grades de ferro de propriedade da mesma câmara; que serviu em outro tempo de residência aos Juízes de Fora, e hoje anda de aluguer. Esta casa, a mobília, e o ornato da outra casa, bem como o calçamento de toda a cidade, deve-se ao zelo e desvelo do então Juiz de Fora, Luiz Antonio Barboza de Oliveira natural da Bahia, e hoje Desembargador aposentado na Relação do Rio de Janeiro. Tem nesta cidade residência o Juiz de Direito Corregedor da Comarca, uma coletoria, uma mesa de inspeção de algodão, aulas de latim, de lógica, de francês e duas escolas de primeiras letras para um e outro sexo, há uma grande feira semanal nos Domingos, à qual concorrem vivandeiros de toda a parte, para vender e comprar todo o necessário para a vida, não só do circuito da cidade e da Província, senão da de Sergipe que transportam pelo rio; ali aparece de tudo que se produz, quer ao perto quer ao longe, sem excetuar infinidades de sanguessugas produzidas em charcos, e lagoa que para lá há, e que os especuladores, e traficantes deste gênero exótico, tem empenhado todos os meios para desacreditar esta descoberta de um hábil facultativo que por lá andou; mas a verdade vai triunfando da impostura fraudulenta.

            Nota-se nesta cidade uma singularidade destes nossos tempos; e é que ainda não teve lugar ali a menor sedição revolta, ou coisa que se aproxime de Anarquia! Os Povos vivem tranqüilos e pacíficos; obedientes e respeitadores das autoridades, não por covardia; porque em abono da verdade, são eles por caráter os mais valentes em lide; mas por índole, e educação desde a sua origem: não é fácil encontrar-se no Penedo um indivíduo mesmo da plebe que não tenha um ofício liberal econômico, impropriamente chamado mecânico de que subsista honestamente.

            As mulheres são em extremo recolhidas, e tímidas; trajam com gala e riqueza, porém não se deslumbram com exageradas modas de especulação estrangeira por cujo ardil nos tem sutilmente aliviado do peso do ouro com que se ataviavam as nossas belas.

            Os oriundos desta cidade, quase no geral, fornecem bons empregados não só à Província senão para fora dela... Venha em abono desta asserção o seu Decano o Coronel Francisco Manoel Martins Ramos sem receio de contradição.

            É digna de visitar se neste município a formidável fazenda da ilha grande dos Frades Beneditinos, à margem do Rio, entre a cidade e a povoação de Piaçabuçu, é como uma aldeia formada só domésticos, abunda em tudo que é criação principalmente de gados de todas as espécies. Condados há no velho mundo que não valem tanto! e ainda mais seria se andasse melhor administrada.





A famosa geografia  de Moira sobre Alagoas


Luiz Sávio de Almeida

A edição e o editor

            O texto de Moira é essencial para que se perceba a construção paulatina de uma escrita sobre Alagoas. Não há assinatura que se responsabilize por ele: aparece  como de autoria de Hum Brasileiro, tendo sido  publicado no Rio de Janeiro pela Typ. de Berthe e Haring, que funcionava na rua do Ouvidor, nº 123. No ano de 1845, ela estava listada no Almanaque Laemmert.  O Opúsculo encontrava-se registrado no acervo da Biblioteca Nacional sob o nº 11.449, conforme aparece nos Anais de 1881-1882 e havia exemplar na biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, que pode ter ingressado no acervo logo nos começos de vida da instituição. Hum Brasileiro qualifica seu trabalho de opúsculo, livreto, coisa assim. Ele vai ser relmente abordado pela primeira vez em Alagoas por Abelardo Duarte.  Moira escreve em um período em que a idéia da construção de uma história do Brasil ainda não havia delineado um de seus primeiros clássicos:  Varnhagem, 1854.

 Moira escreve passados oito anos da fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e do Arquivo Nacional, quando o Império procurava transmitir-se, fazendo a história nacional, conforme se pode anotar de Rezink (2008). Aliás, este nacional explodirá em locais, o que vai ser reforçado, posteriormente, com a criação dos Institutos provincianos que  tenderiam à busca do local, como se pode depreender a partir de texto de Callari  (2008). Em sua abordagem, Duarte aproveita a oportunidade para realizar um repasse na produção geográfica em Alagoas e inicia seu trabalho relembrando  que José de Alexandre Passos considerou o Opúsculo como pioneiro e dirá, também,   que Dias Cabral não valorizou o conteúdo do trabalho. Hum Brasileiro foi identificado, segundo Abelardo Duarte, como Moira: tratava-se de Antônio Joaquim de Moira.  Abelardo Duarte é taxativo quanto à qualidade do trabalho no que diz respeito à historiografia, e ressalta que o objetivo de  Moira consistia em dar sua visão sobre a Cabanada.  Duarte não leu o texto, mas assumiu o que havia sido escrito por Dias Cabral.

Uma introdução e o local

            A dedicatória feita por Hum Brasileiro impressiona pela forma carinhosa com que se refere, possivelmente,  à filha (suponho) e, também,  pela visão objetiva quanto à existência de um lugar chamado Alagoas que, na certa, estaria representando qualquer lugar que se determinasse para qualquer Clarinha. Moira  sabe de uma especificidade e sobre ela escreverá numa abordagem em que, de modo descritivo, passará pela topografia, estrutura física, política e história deste lugar que identifica e, portanto, individualiza, separa. Não se trata de um elemento a mais no conjunto do território imperial: há uma província demarcada e para a  qual se tem plantada uma história; é ela, que permite o encontro com o coletivo, por onde se  poderá estar com memória e avós.  É interessante dizer que se identificava com a província, fosse ou não nascido nela e encontrava para Clarinha um local a ser consagrado.
            É assim que Moira propõe individualizações; menciona a existência de memória e fala sobre um tempo avoengo.  Em última análise,  está dito que a individualidade histórica é fundada em um tempo que se encontra com o atributo da memória e de vidas, gerações que fazem com que o lugar exista. É claro que ele não avança nestas considerações e nem estamos aproximando o que ele propõe como memória, ao senso contido em Durkheim e que passa por autores como Halbwacks, conforme discute Pollack (1989).  Possivelmente, nos simples enunciados de Hum Brasileiro, na melhor tradição senhorial, a memória carrega a ideologia que define o grupo e, neste sentido, não se encontram gerações passadas por acaso: há um caminho que leva a um presente que inexistirá ao serem perdidos os  laços de comando.

            Estamos em percurso similar ao realizado por Lindoso. A história teria que ser braço senhorial e, de certa forma, o Opúsculo ensaia uma postura que será definida pelos fins do século XIX, quando poderemos falar de Caroatá e Dias Cabral, matrizes do pensamento alagoano, membros do Instituto Archeologico e Geographico criado em Alagoas nos finais de 1869 e que começa a divulgação de sua escrita em 1872.  Nós estamos próximos de uma linha de discussão que passa por Gildo Marçal Brandão (2007), ao trabalhar o processo histórico relativo a conjuntos e formas de pensamento sobre o viés político da construção do nacional brasileiro.

            À medida que atinge a relação entre escrita e ideologia, Lindoso trabalha com a categoria de classe social nesta ligação entre tempo e história. O sentido tomado pela obra de Moira dentro do contexto historiográfico de Alagoas nunca foi demarcado em profundidade e nem rastreado; aliás, nunca houve um trabalho de fôlego intentando uma visão da historiografia alagoana e de suas linhas genéticas, o que seria extremamente fértil e talvez uma urgente tarefa coletiva.  Hum Brasileiro falava em memória, história, continuidade;  a memória era vista, também, como  fonte de recordação, um local para onde se poderia ir, um corpo de registro, como se o direito de classe estivesse inerente ao de dizer e argumentar com a história. Neste sentido, inclusive o sistema obrigaria a existir, necessariamente, memórias que ficam subterrâneas. O termo subterrâneo é tomado de Pollack  que o implica com o construtivismo.  Na verdade, a escrita de Hum Brasileiro opera, ao mesmo tempo, o evidente e o oculto. 

            É de se levar em conta que, a rigor, a criação senhorial sobre a história edifica mitos, sendo oportuno pensar com Baczko (1985) que a construção mitológica vai bem mais além do que o acontecimento em termos de importância. No caso deste tipo de historiografia, tudo é ampliado, categorizado. Isto implica voltarmos aos paradigmas norteadores da escrita em Alagoas, desenvolvidos por Caroatá e Dias Cabral, conforme já tratamos, até que haja a possibilidade de o subterrâneo aflorar, o que vai acontecer com o nascimento dos filhos do trabalho (2004), representados, grosso modo, simbolicamente, em Pedro Nolasco Maciel.  O subterrâneo estará reagindo, enquanto um modelo de permanência aparentemente se define.  Não fosse assim, a sociedade estaria sem qualquer contradição, sem qualquer disputa em torno do poder.

A dedicatória sentimental que Moira realiza, é tão importante quanto o que foi desenvolvido no corpo do texto. Clarinha para chegar às individualidades de Alagoas tem um caminho definido: a busca dos troncos e o testemunho de memória que tem de ser avivada.  Por outro lado, Hum Brasileiro determina-se de posse das informações corretas sobre o universo das Alagoas. Ele que principia seu texto com um terno oferecimento à Clarinha, termina com uma firme nota de protesto quanto às incorretas informações sobre Alagoas, dadas por um livro intitulado Geographia Brasílica.  

Moira debate a interferência da má informação sobre a juventude e, então, sente a obrigação de dar sua contribuição refazendo o que era dito sobre Alagoas pelo autor da Geographia mencionada. A informação deveria ser a mais correta possível e, nisto, jamais poderia deixar de manter o senso senhorial, mesmo que ele estivesse na categoria de imaginário.  Estava fechado o círculo de Hum Brasileiro, indo do doméstico ao público, com o primeiro simbolizado na Clarinha e o segundo na Geographia Brasilica.




Informes que repassa

            Moira intenta uma ampla descrição da província, intercalada com pequenas informações de natureza econômica. Chama a nossa atenção o fato de que, logo após ter dado os limites, cuide de informes com relação aos portos existentes, classificando-os a partir das embarcações que poderiam suportar, como brigues, escunas, sumacas, embarcações a vela. O brigue caracterizava-se por ter dois mastros redondos, com um inclinado. A sumaca foi o substituto do caravelão de costa, o smak holandês que depois torna-se esmaca e, então sumaca. Era fundamental, logo de início, falar das disponibilidades de pontos para o afunilamento da produção e Moira enfatizará a enseada de Jaraguá.

            Será um relato em que pouco pesarão o semi-árido e o sertão: os dois grandes elementos fisiográficos serão a mata e o litoral, os dois pontos propriamente açucareiros do território. O termo que utiliza para caracterização de toda a província é pingue. Trata-se de uma imagem para chamar a atenção para a fertilidade. É daí que, basicamente, somem sertão e semi-árido. Ele ressalta a mata, a floresta, a indicar riqueza das madeiras provenientes de árvores frondosas. Por outro lado, a água é posta em evidência pelos  cursos e lagoas. É quase como se fosse uma província descrita com a  metade territorial valendo como o todo. Das lagoas dará peso à de Jequiá, Manguaba e Mundaú e, dos rios,  destacará o São Francisco. As serras ou serrotas serão também de mata.

            Ele vê uma matriz de produção já assentada, com regiões de produção correspondendo a tipos de terras, modo de indicar sobre a relação existente  da produção com o ambiente. O açúcar será de terras ditas baixas e frescas; algodão e milho em enxutas e altas. Moira minimiza a função da pecuária. É uma visão que restringe a matriz de produção, esvaziando o couro e outros derivados que tinham, efetivamente, peso na pauta de exportação provincial.

            Na oportunidade,  a justiça provincial estava alocada em cinco comarcas, e nelas distruibuiam-se cerca de três cidades, doze vilas, sete povoações e dezoito arraiais. Do ponto de vista dos negócios eclesiásticos existiam 18 freguesias, que tinham correspondência com cidades e vilas,  existindo  apenas três soltas: Pioca, Camaragibe e São Bento. Era deste modo, por consequência, que se encontravam distribuidos territorialmente os serviços civis e religiosos.

            Não se pode dar absoluta validade  aos dados produzidos por Moira. Ele já se havia afastado de Alagoas e nem havia rigor na coleta de informações, mas sem dúvida traça um retrato a ser levado em consideração. Do ponto de vista da formação do complexo urbano no espaço alagoano, ele é básico. Não importa se as informações estão corretas; importa, isto sim, que ele enuncia portes e deixa antever as amarrações que vão sendo construídas a partir dos arraias às cidades, permitindo pensar-se, também, na qualidade da rede que estava a ser montada e faria o urbano de Alagoas, passando, inclusive e necessariamente, pelo sertão. Moira demonstra muito bem o que poderia àquela época ser considerado como Alagoas do Leste e do Oeste, a basicamente do açúcar e a basicamente do algodão e do gado, embora não avance sobre a pecuária.

            É importante verificar, também, o modo como a economia é enfocada. Como se observa amiúde na escrita oficial – e Moira não foge à regra -, a província é sempre vista em potencial: é a terra onde tudo poderá acontecer, uma eterna possibilidade, mas, na realidade, àquela época do Opúsculo, a matriz de produção de Alagoas já estava construída. Moira tem que ser enquadrado na dinâmica que se procedia, nas definições que iriam sendo feitas e, sobretudo, no impacto na ordem econômica que a reposição do fluxo de mão-de-obra representaria. Ele coloca um impasse singelo: escasseava a mão-de-obra escrava e não podia ser reposta por jornal. Ele entendia que o sistema poderia estar incorporando a força de trabalho indígena, mas dois motivos principais impediam: em primeiro lugar, a natureza era pródiga e, portanto, a alimentação era farta; em segundo lugar, os índios não mais se interessavam pelo jornal, em face de perda do controle que era exercido pelo sistema por intermédio das direções.  Moira então vai argumentar com a solução corrente à época, em face da necessidade de colonização: era preciso colônia, mas ela não poderia ser unicamente exótica. Toma partido, por consequência, da solução, também,  com nacionais.



            Ele tece comentários sobre três pontos sempre demarcados pela historiografia alagoana: o bispo Sardinha, o quilombo e o cabano.  O bispo é ensaiado na faina da selvageria, sendo comentado brevemente na medida em que Moira se refere à Barra de São Miguel. Quilombo e Cabanada jamais poderiam surgir sem estarem atrelados à vida do açúcar,  e nem os negros palmarinos e nem os cabanos poderiam ser vistos como forças políticas.

            Chama atenção o atencioso olhar de Moira para os costumes. Ele passa pela lenda, pelo folguedo e pelo Natal. A lenda nos leva à Barra de São Miguel, o folguedo nos leva ao Quilombo e, finalmente, o natal às margens do São Francisco, no arraial do Piaçabuçu. Não deixa de ser  interessante encontrar estes recortes ao longo de um texto que busca especificar o que é próprio do local.           Uma leitura atenta de Moira dará noção sobre o modo como se poderia conceber Alagoas, em diversos setores, praticamente na metade do século XIX. Aliás, ele apresentou uma Falla e Relatório à Asssembléia Provincial em 10 de janeiro de 1836 (2006), quando substituiu a José Joaquim Machado de Oliveira.  Publicou seu Opúsculo  cerca de oito anos após esta Fala e, como seria de esperar, incorpora sua experiência passada na Presidência da Província, cargo no qual passou pouco tempo.  Não é oportunidade de repassar toda a ciscunstância vivida por Moira, especialmente com a chamada Guerra dos Cabanos, sobre a qual escreve algumas páginas no Opúsculo.
D’Oliveira, seu antecessor na presidência,  menciona a guerra dos cabanos onde encontra hordas de salteadores, irracionais, magotes de salteadores, ferozes canibais... Jamais os cabanos poderiam estar sendo vistos como sujeitos políticos de um processo cuja tensão havia explodido e levado à prolongada luta armada. O que parecia extinção, havia trazido, agora, o perigo de tudo estar sendo reaceso em face dos acontecimentos que se davam em Pernambuco.  O poder fundamentou esta visão de bandidagem  e ela deveria permanecer no legado da escrita histórica, o que vai ser rompido por Manoel Correia de Andrade, quase um século depois.

Terminando a encomenda

Uma leitura de Moira levanta aspectos relevantes sobre um período da história de Alagoas. Ele não pode ser dimensionado somente pelo que afirma, mas sobretudo por seus pontos de partida, pelas suas construções, pelos seus silêncios e sugestões. Esperamos que esta pequena introdução ajude a construir uma boa leitura do documento, imprescindível para a pesquisa em diversas áreas sobre nosso Estado. Claro que poderíamos ter abordado uma vasta linha  de aspectos particulares, mas preferimos assumir uma passagem por uma linha de fronteira, onde estivesse melhor demarcado o compromisso entre texto e ideologia na abertura de uma ciência do social, a partir dos rumos assumidos pelo autor dentro do universo do poder.

Referências


ALMEIDA, Luiz Sávio de (org.). Dois textos alagoanos exemplares. Maceió: FUNESA, 2004.

BACZKO, Bronislaw.  Imaginação social. In: ROMANO, Ruggiero (org.). Enciclopédia Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional; Casa da Moeda, 1985. v. 5.

BRANDÃO, Gildo Marçal. Linhagens do pensamento político brasileiro. São Paulo, Editora Hucitec, 2007.

CALLARI, Cláudia Regina. Os Institutos Históricos: do Patronato de D. Pedro II à construção do Tiradentes. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 21, nº 40, 2001. Disponível: Scielo. Acessado: 02 ag. 2008.

DUARTE, Abelardo. A primeira Geografia alagoana (em torno de um centenário de sua publicação). Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, Maceió,  v. 24, nº 46,  p. 47-65.

LINDOSO, Dirceu. Interpretação da Província. 2ª ed. Maceió: EDUFAL, 2005, p. 36.

MOIRA, Antônio Joaquim de.  Falla, e Relatório com que abriu a segunda sessão ordinária da Assembléia Legislativa da Província das Alagoas, o Presidente da mesma província Antônio Joaquim de Moira em 10 de janeiro de 1836. Maceió: João Simplício da Silva Maia, 1836. In: BARROS, Luiz Nogueira (Org.). Fallas, Relatórios Provinciais e Mensagens Governamentais de Alagoas: 1835-1930. Volume I Março 1835 – Abril 1853. Maceió: Imprensa Oficial, 2006. Disponível, também,   no site Brazilian Government Document Digitization Project: http://www.crl.edu/content.asp?l1=4&l2=18&l3=33.

POLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Rio de Janeiro, Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3, 1989, p. 3-15.

REZINK, Luiz. Qual o lugar da história local? Disponível em www. historialocal. com. br. Acessado:  02 agt. 2008.

ROCHA,  José Maria Tenório. Moira, o desconhecido autor da primeira história de Alagoas. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, Maceió, v. XLIV, p. 103-108.


[HISTÓRIA E URBANISMO] Luiz Felipe Leão Maia.O Planejamento Estratégico da Cidade de Maceió: um convite à pesquisa Brandã.



Este texto foi publicado em Espaço, O Jornal, Maceió, no mês de outubro de 2008



O que faz Luiz Felipe!

Arquiteto e Urbanista formado pela Universidade Federal de Alagoas, mestrando em Dinâmicas do Espaço Habitado (DEHA), pela mesma instituição. Desenvolve  dissertação sobre Teorias do Conflito e Pensamento Único no Processo de Planejamento. Também tem interesse nos seguintes temas: Acessibilidade, História da Arte, da Arquitetura e da Cidade e Cinema sobre os quais já apresentou trabalhos em congressos nacionais e internacionais.  Dos poucos livros que leu, gostou da maioria; enquanto dos muitos filmes que assistiu, gostou da minoria. É fã dos Beatles, mas sempre preferiu o Rolling Stones. Este texto foi escrito para a disciplina Formação do Espaço Alagoano, ministrada no Mestrado de Dinâmicas do Espaço Habitado  pelo Professor  Dr. Luiz Sávio de Almeida.



Umas poucas palavras

Luiz Sávio de Almeida


O texto do Luiz Felipe (jovem pesquisador em formação) é instigante:  o que deve ser o planejamento e como deve especificar-se como urbano?  Estamos diante de uma pergunta essencial e no rastro de um perfil  de timbre pavloviano ao se poder inquirir a viabilidade de uma engenharia social montada em razão paramétrica, tendo-se a relação direta entre a existência  da variável e uma conseqüência inexorável: dado x então y. Tendo-se o estímulo correto, tem-se o resultado correto. Estamos também diante da possibilidade de uma falsa democratização ou, até mesmo,  da utilização de instrumentos ditos abertos para atingir, pela manipulação, resultados fechados.

 O que é planejar uma cidade?  E planejar Maceió? Estás são perguntas que necessariamente ficam em relevo quando lemos o texto de  Luiz Felipe e fica, também, uma importante inquietação: como abrir a caixa chamada estratégia para entender o seu verdadeiro  sentido?  Seu texto me foi  apresentado na disciplina  que ministro  e  para efeito de publicação em Espaço, foi  lido, também, pelo Professor Dr.  Flávio Antônio Miranda   de Souza.

 Bom, vale abrir uma boa interrogação sobre a questão do planejamento urbano em Alagoas: o que vem sendo, quais as suas raízes, o que vem propondo e o que se está conseguindo? A sugestão embutida no texto do  autor é que se tome o Plano em questão como objeto de análise, questionando princípios e operações.  Não resta dúvida que o assunto é privilegiado para um trabalho sobre Maceió. A hipótese levantada e os comentários que realizamos privilegiam o chamado Plano Estratégico para matéria de  investigação em trabalhos de pós-graduação, quem sabe em uma boa dissertação de mestrado ou mesmo  - ocorrendo  excelente trabalho teórico -, em  tese de doutorado que,  criticando os princípios, passe pela prática e pela significação do chamado Plano na reorganização de Maceió.  No fundo tentariam responder a umas três questões extremamente simples: o que foi isso, como foi isso, a razão de ter sido e, finalmente, o que é isso e em que resultou... Ta aí uma sugestão.



O  Planejamento Estratégico da Cidade 

de Maceió: um

convite à pesquisa


Luiz Felipe Leão Maia Brandão


Ainda que trabalhos clássicos como o de Jacobs (1961) e Berman (1983) tenham apontado debilidades da abordagem “racionalista” do pensamento moderno sobre as cidades, poucas rupturas com os paradigmas do urbanismo  até então vigentes  parecem ter acontecido  ao longo dos últimos anos. Para Arantes (2000), as mudanças resumiram-se à utilização de jargões como “gerenciamento” e a adoção de uma postura assumidamente empresarial nas administrações públicas.  Dentre as tipologias com essas características e, surgidas ao longo dos últimos anos, está o planejamento estratégico.




O planejamento estratégico tem em suas bases a promoção das cidades como “empresas”, que competem entre si pelos investimentos do mercado global, utilizando o marketing como uma de suas principais ferramentas de ação (SÁNCHEZ, 2003). Impulsionadas pelo sucesso comercial, obtido com o projeto para a cidade de Barcelona na oportunidade em que sediou os Jogos Olímpicos de 1992, várias firmas espanholas de consultoria começaram a atuar nesse campo. Em seguida, diversas administrações municipais brasileiras contrataram direta ou indiretamente  esse tipo de serviço, dentre elas, a de Maceió.

Do interesse de Maceió, resultou o documento intitulado “Projetos Estruturantes” e que foi elaborado entre os anos de 1997 e 2003, na gestão da  Prefeita Kátia Born Ribeiro. Por intermédio de uma parceria público/privada – denominada “Consórcio Plano Estratégico Cidade de Maceió” –  foi contratada a firma catalã, GFE. A assistência prestada pelos espanhóis teve como objetivo definir linhas de atuação, de modo que a cidade tivesse um maior “[...] aproveitamento das potencialidades existentes para a obtenção de um desenvolvimento endógeno e sustentável” (Consórcio: 2003).

Seguindo os procedimentos metodológicos característicos do planejamento estratégico, o documento apontou “eixos de desenvolvimento” e potenciais áreas de investimento. Os  princípios norteadores das ações do planejamento estratégico são amplamente criticados por autores como Maricato (2000) e Claver (2003). As críticas residem, sobretudo, na formação de aparentes consensos em torno das deliberações dos planos, objetivando, essencialmente, atender aos interesses do capital privado em detrimento das reais necessidades das parcelas economicamente menos favorecidas da população.


Segundo Vainer (2000), tais consensos retiram do conflito entre as classes,  seu papel central na formulação de políticas públicas. É natural que os choques de interesse dentro do espaço urbano surjam  das relações sociais e das diferentes demandas dentro da dinâmica da sociedade de classe. Dessa forma, os conflitos têm um papel relevante  por possibilitarem  aos diferentes cidadãos que se expressem  de modo que o território seja organizado e  atendendo a todos de forma mais ampla (CASTRO, 2005). 

O caso alagoano não foge dessa perspectiva de um consenso discutível. Tomando como base relatórios produzidos anteriormente por diversos órgãos públicos, o Plano aponta o turismo como “eixo estruturante” para o desenvolvimento da cidade. Para tal, a revitalização do bairro de Jaraguá e das orlas marítima e lagunar  foram apontadas como caminhos para a cidade. 

Para os críticos do planejamento estratégico, termos como requalificação e reestruturação não passam de eufemismos utilizados para camuflar um processo de gentrificação  (SMITH, 2003).  Esta, nesse caso, seria um fenômeno iniciado quando os cidadãos pobres residentes numa área a ser requalificada são de lá retirados, dando lugar a pessoas e empreendimentos com grande poder financeiro.  Isso se tornaria viável mediante investimentos do setor público em obras de caráter estrutural no local-alvo das propostas.


Almejar-se-ia, desse modo, uma realização de capital privado, a partir de  investimentos públicos (pois as reformas são pagas pelo o Estado e o bônus da valorização fica com os agentes do mercado) e, finalmente, uma homogeneização social do espaço, pela estruturação de áreas pobres e ricas, aprofundando a moldagem do espaço em função da renda.   Requalificando áreas tidas como decadentes, o poder público acaba, então, fazendo uso do erário para valorizar empreendimentos particulares e reenviar os pobres para um local de pobreza.

Ainda que o caso da revitalização do bairro de Jaraguá seja anterior ao Plano Estratégico de Maceió (teve início no final dos anos de 1990), pode ser entendido como um exemplo de tentativa de gentrificação de um espaço maceioense. Parte da localidade é, há muitos anos, ocupada por famílias de pescadores. Quando a prefeitura e o setor privado começaram a enxergar estes moradores como um obstáculo ao sucesso do empreendimento, várias foram as propostas surgidas com o objetivo de retirá-los de lá.

A experiência realizada em Jaraguá acabou sendo um fracasso, haja vista a falência de grande parte das empresas ali estabelecidas. Como conseqüência, foi comum observar comerciários e representantes do setor público nos meios de comunicação, apontando a violência como a razão para o insucesso financeiro do bairro, então recém-reformado. Estaria, então, sugerido que a solução para os problemas seria a remoção das famílias carentes, às quais  era atribuída a culpa pelos altos índices de criminalidade do local.


Esse caso denuncia uma postura preconceituosa e impositiva daqueles que vêem na requalificação de localidades, tidas como potenciais fomentadores de oportunidade e negócios, a solução dos problemas da cidade.   Essa atitude tem reflexo na forma como são conduzidos os processos decisórios nas diversas escalas governamentais. Na elaboração do documento Projetos Estruturantes,  tal dado pode ser bem constatado.

Segundo a Professora Regina Dulce, representante da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) no Conselho da Cidade, as decisões tomadas na concepção do plano aconteciam em três diferentes níveis. Num primeiro patamar, estava uma Diretoria Executiva, responsável pelo gerenciamento dos trabalhos. Em condição intermediária, a Coordenação Executiva (da qual a acadêmica fazia parte), que realizava debates sobre o projeto. Por fim, havia um grupo formado por pessoas notáveis da cidade, escolhidas pela Diretoria, que iria colaborar com assessorias em suas respectivas áreas de atuação. Não foi dado o direito de voz, tampouco o de voto, a qualquer representante de movimentos sociais da cidade

Ainda segundo a representante da UFAL, houve uma atuação permanente de alguns membros da Coordenação Executiva no sentido de propor abordagens mais progressistas e uma maior permeabilidade à participação popular ao longo do processo. Contudo, as decisões de fato ocorriam apenas dentro da Direção Executiva, que parecia querer legitimar suas idéias. O conjunto de notáveis reuniu-se poucas vezes e não participou de forma efetiva das discussões nem das decisões.


Na verdade, muitos integrantes desse grupo sequer compareceram a alguma reunião. O Professor Luís Sávio de Almeida afirma ter requisitado sua retirada da lista de colaboradores, por não concordar com a maneira pela qual as atividades vinham sendo conduzidas. Apesar disso, seu nome acabou constando no documento final. O resultado desse processo foi um documento genérico, baseado em diagnósticos já feitos anteriormente e com propostas pouco detalhadas, que apenas reiteram tendências para ações já pensadas antes de sua elaboração. Em suas entrelinhas, há a noção de que cabe ao poder público fazer os investimentos que realizarão o capital.

Parece-nos ser possível prosperar a hipótese de que, desde sua concepção até suas propostas, o plano denominado Projetos Estruturantes tenta se basear em falsos consensos para legitimar propostas que beneficiam, essencialmente, as camadas mais abastadas da sociedade. O conflito e o debate de idéias parecem ter sido evitados, em nome de uma consonância de interesses que parece existir apenas na fala de uma elite interessada em ter uma cidade e não fazer uma cidade com todos.


Referências Bibliográficas

ARANTES, Otília. Uma estratégia fatal: a cultura das novas gestões urbanas IN: ARANTES, Otília; VAINER, Carlos & MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único: Desmanchando consensos. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2000.
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. São Paulo: Cia das Letras, 2004 (1° Ed. 1983).
BORJA, Jordi & CASTELLS, Manuel. La gestión de las ciudades en la era de la información. Madrid: Taurus, 1998.
CASTRO, Iná Elias de. Geografia e Política - Território, escalas de ação e instituições. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.
CONSÓRCIO PLANO ESTRATÉGICO CIDADE DE MACEIÓ. Projetos Estruturantes: Uma contribuição para o desenvolvimento sustentável de Maceió. Maceió, 2003.
JACOBS, Jane. Morte e Vida das Grandes Cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2004 (1° Ed. 1961).
SÁNCHEZ, Fernanda. A Reinvenção das Cidades para um mercado mundial. Chapecó: Argos, 2003.
SMITH, Neil. A gentrificação generalizada: de uma anomalia local à “regeneração” urbana como estratégia urbana global IN: BIDOU-ZACHARIASEN, Catherine. De Volta à Cidade: Dos processos de gentrificação às políticas de “revitalização” dos centros urbanos. São Paulo: Ana Blume, 2007.
VAINER, Carlos. Pátria, empresa e mercadoria IN: ARANTES, Otília; VAINER, Carlos & MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único: Desmanchando consensos. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2000.