terça-feira, 17 de janeiro de 2012

[HISTÓRIA:IMAGEM: CARTÃO POSTAL: ALAGOAS] Douglas Apratto Tenório e Carmen Lúcia Dantas.Redescobrindo o passado: cartofilia alagoana


Publicado em 4 de Janeiro de 2009



























Umas poucas palavras

Luiz Sávio de Almeida





É densa a contribuição de Douglas aos estudos sobre Alagoas. São múltiplos os temas que desenvolve. Ele terminou seu doutorado com tese sobre o período de Muniz Falcão e produziu dois outros textos essenciais para que se discuta o século XX em Alagoas, sendo um sobre a implantação das ferrovias e outro sobre os desdobramentos políticos do período oligárquico. Carmem Lúcia Dantas vem se destacando como museóloga,  pesquisadora ligada á cultura popular e, agora, está na companhia de Douglas, no que vou chamar de relação entre história, memória e fotografia.
Realizaram um belo trabalho sobre cartões-postais em Alagoas, consultando coleções em vários estados. Aliás, a fotografia como um todo, parece estar despertando interesse atualmente em Alagoas; tenho informações de que o Instituto Histórico e Geográfico vai publicar sua coleção e consta-me que há tese de doutorado em desenvolvimento - arquitetura em Recife - que privilegia o cartão-postal.


      

Cartão-postal e fotografia sempre me interessaram; nem por isto, considero-me um conhecedor. A fotografia traz em si a possibilidade de uma escrita com a luz, redução da química à ordem da imagem, gerando um novo campo de registro e de criação. Sua invenção incrementou a possibilidade de anotações sobre a vida em todos os seus aspectos, sendo um dos grandes instrumentos legados pelo século XIX e nos apanha alagoanamente e nos registra quando se tem os finais da transição do escravismo, refazendo o capital e existindo a possibilidade de desssacralização de valores consagrados no meio senhorial, o que a república parecia apontar e até mesmo possibilitar. Aliás, pelo que percebo, a fotografia teria em Alagoas umas quatro fases: a do ingresso, a da consolidação dos estúdios com os retratos, o  rompimento através da possibilidade em massa do que se chamou de instantâneo, desde seus começos incipientes com as máquinas caixão  que generalizou o nome Kodak, complexo que termina por isolar os estúdios e criar os pontos de recepção para o grande capital internacional; finalmente, o momento da digitalização, onde, basicamente, a tecnotrônica (lembrar do Darcy Rinbeiro) passa a ser dominante. Bater uma chapa vai sendo coisa do passado, passando pelo instantâneo e chegando na possibilidade da computação fotográfica.
        O cartão-postal fascina, mormente quando matéria de comércio, algo, portanto, posto em mercado. Há todo um processo de decisão implicado nesta configuração, pois a imagem passa a ter agregação de valor, capaz de dar-lhe a condição de mercadoria; além do mais, a decisão passar pelo processo de conceber aquilo que é vendável ou como nos podem  consumir, pensando-se, no caso, em como a produção local se argumenta face a mercado e, então, obviamente sobre lucro. . Guardo com um carinho imenso, a coleção dos negativos de vidro do velho Fiel do famoso Foto Fiel; toda a sua coleção de postais, demonstrando o modo como desejou retratar Alagoas para vender as imagens que concebia. Os negativos de vidro ainda estão perfeitos. Aliás, tenho suas primeiras fotos na Atalaia. Um mestre na paisagem e que depois viria a ser um grande retratista, justamente no tempo em que havia o mimo do  retrato, oferecido aqui e ali.
Parte do trabalho de Douglas e Carmem Lúcia está aqui em estreia; uma introdução. É ler para ter vontade de esperar.




Redescobrindo o passado: cartofilia alagoana

Douglas Apratto Tenório e Cármen Lúcia Dantas


Entre as formas de comunicação à distância, o cartão-postal se destaca pela aceitação e multiplicação em todos os paises, apesar do avanço e rapidez dos meios de transmissão que surgiram no século XX, sobretudo depois da informática. Sua história é acompanhada cuidadosamente pêlos cartofílistas desde seu início, nos idos de 1869, na Áustria, com a criação do Correspondenzkarte, idealizado por Emmanuel Hermann. A partir daí, logo se espalhou pelo mundo e foi sendo aperfeiçoado em praticidade e estética.

Nos primeiros cartões só havia espaço para as mensagens. A gravura, o desenho e a fotografia chegaram para melhor ilustrar essa correspondência pelo mundo e levar mensagens
rápidas que podiam ser lidas por todos que os tinham nas mãos, sem a privacidade que as cartas oferecem aos seus destinatários. Por isso mesmo, foram muito usados nas duas grandes guerras mundiais, já que passavam rápido pela revista das mensagens que saíam das casernas e por serem de fácil manuseio e dispensar envelopes. No Brasil, o bilhete postal, como era conhecido no início, trazia estampadas as Armas do Império, o que lhe concedia o caráter oficial por ter sido impresso pelo Correio, a mando do imperador D. Pedro II, um entusiasta das inovações. Em poucos anos, porém, devido à grande aceitação, os postais impressos por empresas particulares começaram a aparecer e a circular livremente; alguns deles, sobretudo os mais antigos, foram impressos na Europa.
             Fotógrafos de apurado olhar lhes dedicaram um espaço especial, formulando séries temáticas que hoje enriquecem coleções e são disputadas como peças de rara importância. Entre esses fotógrafos destacam-se, aqui no Brasil, Guilherme Gaensly, Marc Ferrez e Augusto Malta, citados por José Carlos Daltozo em seu livro .Cartão-Postal, Arte e Magia.. O autor detalha a direção do olhar de cada um deles, voltado para a simplicidade da vida cotidiana de São Paulo, Rio de Janeiro e outras capitais brasileiras, entre elas Maceió, em uma época em que o dia-a-dia dessas grandes cidades ainda possuía uma atmosfera de romantismo e de tranquilidade.
Alagoas também se inseriu nessa trajetória e foi fotografada nesse período, detendo a cartofília uma memória histórica da fisionomia arquitetônica, social e cultural da sua capital e de outras cidades interioranas. Cartões de bela feição gráfica mostram as cheias do Rio São Francisco, a Boca de Maceió, os antigos engenhos banguês, a dança do coco no meio rural, populares candidamente conversando nas ruas vazias de automóveis de Maceió.
O professor emérito e também cartofilista António Miranda, de Brasília, lembra que as mais importantes bibliotecas do mundo reservam espaço de destaque para o acervo de cartões-postais. Em nosso Estado, com exceção de um CD produzido pelo Museu da Imagem e do Som, nenhum trabalho existe com o propósito de catalogar essas peças, embora se tenha
conhecimento da grande circulação dessas mensagens postais em nosso território. Suas  imagens abrem um leque de possibilidades para estudos em varias linhas de pesquisa como
fonte complementar de informação nas áreas de história, arquitetura, paisagismo, sociologia, geografia, arte e fotografia, para citar apenas as mais importantes.
Inúmeros postais sobre Alagoas foram reunidos, gentilmente cedidos por colecionadores importantes, como Elysio de Oliveira Belchior, do Rio de Janeiro; Luiz António Barreto, de Aracaju; José Luiz Mota Menezes, de Recife, e os alagoanos Eduardo Guimarães, Everaldo Gama, Maria Rocha, Milton Henio Gouveia, Fernando Antonio Netto Lobo, Lysia Ramalho Marinho, da Fundação Raymundo Marinho, e Francisco Alberto Sales, da Casa do Penedo. Pretendem os autores que este livro contribua para a preservação da memória local.


POSTAIS DE ALAGOAS





Em uma perspectiva semiótica se pode traduzir o processo histórico como um processo de comunicação durante o qual o fluxo de informação não cessa de condicionar reações-respostas em um destinatário social. (Uspenskij) Acreditamos ser esta a primeira vez que se publica, em Alagoas, um trabalho sobre os antigos postais. O fazemos na certeza de que a preserva ção dos nossos valores e bens culturais é fundamental para afirmação de nossa identidade e que ampliará sua atuação na medida em que possamos utilizar instrumentos auxiliares inovadores, múltiplos e flexíveis como a cartofília, tão bem afinada com o conceito de paisagem cultural.
É uma afirmação bem aceita hoje que a história e a cultura de um país, uma região ou uma cidade podem socorre-se das imagens fixadas em cartões-postais, uma vez que estes representam verdadeiros documentos da trajetória material de uma sociedade, dos seus monumentos e seu urbanismo. Não por acaso, o historiador Vicente Chermont afirma em um
trabalho sobre o tema que a história é mais conhecida pelas imagens que pela escrita. Elas permitem não só uma volta ao passado recente, ou longínquo, mas igualmente a identificação objetiva de sucessivos fatos, em etapas diversas, que ajudarão os pesquisadores em seus estudos sobre determinados sítios.
Elas apontam transformações que não persistiram e outras que vingaram, ainda que em contradição com o projeto original. O cartão-postal - ou selo postal, como era conhecido - surgiu na Europa na segunda metade do século XIX e. com força avassaladora, tornou-se um privilegiado instrumento de comunicação. Sua idade de ouro, segundo os especialistas, situa-se entre os anos 1880-1920, o que no Brasil coincide com a fase de consolidação do novo regime instituído em 15 de novembro de 1889 pelo marechal Deodoro da Fonseca.

Uma era política turbulenta, de tensões sociais acumuladas, mas ao mesmo tempo de ufanismo, do brilho da belle époque, de incontida esperança no futuro, um período de transição de uma sociedade eminentemente agrária em seu anseio de ingressar no ciclo industrial. Fiado nos ideais republicanos e na presença de novos atores na ribalta política, como os militares, o povo buscava participar de alguma forma das decisões do pais, até então restritas às grandes famílias rurais e à nobiliarquia monárquica.
No ocaso do império e na alvorada republicana, Alagoas saía de seu casulo senhorial e passava a ter. como as demais unidades federativas recentemente constituídas. Aspirações cosmopolitas. Apesar de sua admissão tardia no mundo urbano nessa época, o uso dos  postais indica o aggionarmento da antiga pequena província imperial, agora um novo Estado federado. Através deles podemos vislumbrar lugares, prédios, hábitos que tiveram importância. Eles retraíam o que era a antiga parte austral da capitania de Pernambuco no período que vai dos últimos presidentes provinciais - os primeiros governadores republicanos - até a revolução de 1930 e o chamado ciclo dos interventores.



















A VIDA DA ANTIGA  COMARCA

Como seria a vida da antiga Comarca das Alagoas na época do advento dos postais.? Qual a paisagem da província naqueles momentos em que o processo de urbanização surgia finalmente deixando para trás três séculos de isolamento e vida agrária soberana? È  interessante determo-nos sobre aquelas décadas vigorosas. O surgimento dessa novidade pode ser visto como um pano de fundo sobre o qual se desenvolve o processo de ruptura com nosso passado colonial, com nosso passado imperial ou monárquico, passando a constituir-se em uma novidade, fundamental para a reconstrução do presente e porque não podemos dizer do inicio de uma caminhada rumo a democratização de parcelas cada vez mais amplas da população- do acesso ao conhecimento histórico e artístico, num real processo de inserção social.
            Vários estudiosos já se referiram as enormes transformações materiais ocorridas no Império brasileiro na segunda metade do século XIX e nas primeiras décadas da República, comparando-as com outros períodos históricos. Se desejar-mos vê-las num estudo de caso regional, vamos encontrar com facilidade essas transformações em Alagoas, tendo como epicentros Maceió e os seus pólos do centro comercial, Bebedouro e principalmente Jaraguá .porto e porta. dessas mudanças. Tudo o que a nova era apresentou de mais significativo podemos encontrar na capital alagoana nessa época, tendo como vitrine privilegiada o seu bairro portuário e o seu centro da rua do Comércio: o transporte ferroviário, serviço de trainway entre os seus três bairros principais, começando no Trapiche da Barra, a navegação a vapor, ponte de ferro de embarque e desembarque, ruas iluminadas por lampiões a gaz kerosen, a expansão das casas bancárias e seguradoras, calçamento das ruas mais transitadas, estabelecimento de uma rede telegráfica em comunicação com o país. jardins nas praças, como o construído na Praça Nossa Senhora Mãe do Povo e as principais repartições públicas instaladas em prédios sólidos e vistosos como o Consulado Provincial, a Alfândega, com a repartição do Selo e a Capitania do Porto.

A exportação, antes mais ou menos parcimoniosa, aumento gradualmente no Segundo Império, saindo do porto enseada de Jaraguá e crescendo substancialmente com a chegada das casas inglesas que lideravam esse tipo de comércio junto com seus colegas de outros países do Velho Mundo. Se por um lado era benéfico o movimento exportador por outro lado provocava o aumento dos preços dos géneros básicos, cujo cultivo foi posto de lado, provocando dificuldade nas classes menos favorecidas, não gozando os benefícios dos lucros de exportação, as quais lutavam com dificuldades para a sua subsistência. A redução nos índices de produção nos géneros agrícolas de alimentação popular determina o aumento desenfreado do custo de vida, causando inquietação social e até agitação em Maceió.Pão de Açúcar, Imperatriz, Murici e Quebrangulo. fazendo Alagoas provar ao lado das benesses e novidades surgidas, do gosto amargo da crise brasileira. Junto com essa fase de esplendor material a revolta popular nas feiras das vilas, contra a mudança do sistema métrico, dos pesos e medidas.
Por outro lado, embora a Província estivesse colocada entre os dois grandes pólos econômicos e comerciais da região - Bahia e Pernambuco - através dos quais exportavam
boa parte de sua produção, o porto de Jaraguá, desde décadas passadas, tinha demonstrado não ser uma peça desprezível no taboleiro do xadrez económico, zarpando dele com regularidade navios de bandeiras europeias, carregados de produtos locais, em demanda dos portos da Europa. O nível dos produtos exportados e o consumo dos importados foi aumentando gradativamente, a ponto de na década de 7U do século XIX, ser inaugurada a navegação direta e regular com o Velho Continente.
            Açúcar, algodão, madeira, carne, couro, coco. azeite de mamona, arroz. aguardente, e outros itens eram enviados a portos do poderoso império inglês, tais como Cowes, Falmouth,
Liverpool, Gibraltar, Alexandria e Londres. Outras nações mantiveram também intercâmbio regular com o porto de Alagoas- como Portugal, Estados Unidos. Bélgica. Áustria, Itália e Alemanha. Alguns gêneros esquisitos como .paina de barriguda,  sebo em rama, vinhático, óleo de copaíba, pau brasil, pedra de amolar, complementavam a nossa pauta.
            Tendo como via de acesso o porto de Jaraguá, o comércio alagoano foi inundado por artigos como tecido de algodão, chita, objetos de lã e seda, bacalhau, farinha de trigo, vinhos variados, ferragens, azeite de oliva, sal, drogas medicinais, todos procedentes dos portos europeus todos inseridos na febre de vender e exportar inaugurada pela revolução industrial. Mas se importavam também géneros nacionais como charque, moeda metálica, charuto, panos
de algodão, rapé e café. O comércio de confecções era dos mais dinâmicos e sofisticados, anunciando .paletós de casimira de diversos padrões, paletós de alpaca para meninos e  meninas,   paletós de brim de linhos de cor, chapéus franceses, de pelo, de copa alta, modernos, chapéus de sol e seda e chita de percalinas muito finas,  como anunciavam  O Progressistas e outros jornais da época.
            Maceió, que era quase uma aldeia crescida ao abandono público, quando iniciara sua vida como capital da Provinda em 1839, sem os serviços básicos de uma edilidade, como coleta de lixo, saneamento, água encanada, calçamento, iluminação, transporte, e também pobre de construções públicas, modificou bastante sua feição naqueles anos de  transformações que alcançavam o pais. sintonizada, claro, com as mudanças que ocorriam no
mundo, tendo como veículo condutor o seu privilegiado porto natural. Tantas inovações despertavam espanto, ás vezes criticas e objeções. Novidades que surgiam inicialmente com desconfianças para uma população conservadora, mas que pouco a pouco iam caindo no gosto dos mais abertos e no final a adesão da maioria. O trem de ferro, as embarcações modernas, a praça, estimulava a convivência, a troca de informações, o consumo, a moda dos grandes centros. O postal foi uma dessa novidades trazidas do além mar e mais rapidamente ganhou a simpatia das classes mais abastadas e depois de parte mais ampla de seus habitantes. Caía no gosto da população como um produto bonito, funcional, de baixo custo e charmoso.

            IMAGENS QUE  ENCANTAM E FICAM

O postal, portanto, passou a fazer parte da vida cotidiana da maioria das pessoas, evidentemente que nos setores letrados, como os computadores hoje. Mas boa parte da população o conhecia, manuseava ou fazia uso dele. Inicialmente produzido na Europa, passou a ser confeccionado no sul do pais e alguns, muito mais adiante, em Maceió. Pela Typographya Commercial e a Typographya Trigueiros. Podemos dizer que no estado de Alagoas o conceito de turismo começou a ser desenhado com a chegada desse instrumento de comunicação, pois além de conhecer as belezas famosas de outros lugares do Brasil e do mundo, o postal despertou a sensibilidade do alagoano para as nossas paisagens e atrativos.
Imagens campestres de um engenho bangúê, da praia de Ponta Verde, com o Gogó da Ema, da cachoeira de Paulo Afonso, do casario colonial de Penedo, do pôr do sol da lagoa no Trapiche da Barra, colorizadas e salientadas em ângulos deslumbrantes, eram motivos de orgulho para os locais e formas de sedução para os de fora. Os primeiros atrativos para os
apreciadores e de notável repetição entre os confecionadores eram, porém, os edifícios - alguns ainda mantêm inalteradas suas linhas, como o Palácio dos Martírios, o Teatro Deodoro, a Intendência Municipal - e logradouros interessantes da capital - a ponte de ferro de Jaraguá, a Praça Deodoro, o Tribunal de Justiça, a Rua do Comércio, a Estação de Ferro Central, o Hotel Bela Vista, as casas imponentes de Bebedouro, o Canal da Levada.
            0 historiador é um investigador atento, interessado e persistente. De certa forma, também é um colecionador que procura escolher e identificar informações recolhidas ao longo dos tempos para que sejam acessíveis a um maior número possível de pessoas. Ao buscar e selecionar cartões postais de Penedo, Viçosa, São Miguel, Rio Largo e, claro, da capital, Maceió, estamos incentivando, de forma didática, o grande público à prática da organização da memória,  salvando do esquecimento precioso material, para permitir à geração atual - e às futuras - um mergulho fascinante no passado através das várias coleções consultadas.
Luis Antônio Barreto, ilustre intelectual nordestino, chamou a atenção em uma de suas palestras para o prejuízo inestimável e irrecuperável para a história de seu Estado o fato de várias coleções de fotografias terem se perdido para sempre, tomando mais pobre a memória da capital de Sergipe. Dizia ele que mesmo nas cidades de pequeno e médio porte, que vivem ritmo frenético de mudanças, onde é comum que as famílias troquem seu hábito de morar deixando as casas amplas para acomodar-se em apartamentos de proporções limitadas, ou em condomínios urbanos que verticalizam a paisagem, .para trás ficam não apenas as lembranças das ruas, mas também pertences que sobram por falta de espaços nas novas moradias, livros, revistas, objetos, retratos, fotografias em geral, incluindo cartões-postais que são perdidos ou vão parar nas lixeiras ou nas casas que reciclam papel.
Hoje cada um tende a viver para si, enredado por seus múltiplos problemas. Diferente de épocas passadas, quando as pessoas tinham tempo e enorme zelo pelo acervo familiar, verdadeiro tesouro acumulado de gerações, e as visitas eram convidadas assim que chegavam às casas dos amigos a folhear o álbum de fotos da família onde os postais tinham lugar destacado. Na sala principal, convidados e donos da casa, ao tempo em que provavam as delícias dos doces caseiros e elogiavam o talento da cozinheira, pacientemente compulsavam
as bem cuidadas coleções,  orgulho da família, lembranças de parentes queridos ou de lugares inesquecíveis, referências visuais, imagens nostálgicas, catalisadoras de símbolos e desejos, remetidos com afeto por alguém distante.
E foi assim que os próprios moradores de urbes como Maceió, Pilar e Penedo, amortecidos pelo plácido dia-a-dia de suas quietas cidades, com o aparecimento das primeiras fotografias e a provocação colorida dos selos postais, dos álbuns familiares, passaram a conferir mais valor aos atrativos locais, exaltando suas belezas, despertando a sensibilidade da sociedade para suas edificações principais, como o prédio da edilidade, o teatro, a praça ou paisagens bonitas de suas praias e lagoas.
No interessante trabalho .A Fotografia em Maceió., dos mestres Luiz Lavenére e Moacir Medeiros de Santana, ensaio publicado na Revista do Arquivo Público de Alagoas, em
1962, há subsídios importantes sobre o aparecimento e trajetôria da arte fotográfica em Alagoas, desde o surgimento dos daguerreótipos e dos fotógrafos ambulantes, no final do sé-
culo XIX,  pioneiros e precursores de uma atividade hoje tão valorizada. O mais antigo registro, segundo Santana, data de 1858, em um anúncio da edição do Diário de Alagoas de 13 de novembro. Nele, o daguerreotipista, sediado na Rua da Boa Vista, n. 26, informa que .tira-se em qualquer tempo e em curto espaço esplêndidos e magníficos retratos, os mais fiéis e perfeitos que têm aparecido.  A nova invenção não era de domínio dos locais, e a tecnologia não estava ao alcance de amadores. Franceses e italianos disputavam a praça alagoana de forma intensa, mas sazonal. Augusto Morean, Henriques Júnior, Albino Pereira de Magalhães,
E, Lê Monnier, João Goston, Julien Bouquel, Vidal Pratas são alguns nomes que ofereciam seus serviços profissionais ao público nas páginas dos jornais ou nos almanaques da província, em Maceió, como retratistas e fotógrafos .prontos a exercer sua arte das nove horas da manhã ás quatro da tarde, em salão próprio para receber famílias..
            Não se tem notícia efetiva sobre incursões dos citados na produção de cartões ou selos postais, embora uma pesquisa mais profunda possa trazer alguma surpresa. De um deles, porém, o italiano Guilherme Rogato. natural de San Marco Argentano, sabe-se que depois de trabalhar na Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro, radicou-se em Alagoas, aqui permanecendo até o último dia de sua vida, em 9 de setembro de 1966. Exímio artista da fotografia, ele foi também um dos pioneiros da cinematografia nordestina. Em sua rica história de vida. Regato produziu uma série de postais sobre Alagoas e outros estados, como Sergipe, marcando uma nova etapa da cartofília alagoana que ultrapassava as fases anteriores, quando eram confeccionados na Europa ou no Rio de Janeiro. Mais adiante, a Typographya Ramalho e a Typographya Trigueiros foram as produtoras de postais nessa fase de afirmação da província, época em que imprensa e cultura procuravam adaptar-se a um novo tempo que chegava.


O selo postal que surge na capital do Império, proposto pelo Ministério da Agricultura em 28 de abril de 1880, quando a província era presidida pelo baiano Cincinato Pinto da Silva, vem numa época de profundas transformações com formas de pensar e costumes elegantes, quando as cidades maiores e as capitais ingressam na chamada .belle époque tropical.. Passadas as agitações dos Cabanos e dos Quebra-Quilos e a epidemia de cólera-morbo no interior, Maceió, pelo Porto de Jaraguá, se vê inundada pêlos tecidos de algodão, chitas, objetos de lã e seda. Charque, charutos, rapé e café.  Anunciavam-se no comércio paletós de casimira e de alpaca, chapéus franceses de pêlo e copa alta, tudo .muito fino, de gosto moderno..
            A imprensa se irradia, com dezenas de jornais em todos os lugares. O trem de ferro, que vai de Maceió até a zona do açúcar e do algodão, e a navegação a vapor nas lagoas do Norte e do Sul e no litoral se constituem no símbolo da tecnologia moderna dos transportes. A abolição é um corte profundo na vida do país em 1889. O império agoniza e morre. A República nascente cambaleia com a turbulência dos anos iniciais, mas se consolida em seguida. O cartão-postal é vendido nos estabelecimentos da Rua do Comércio e em Jaraguá, na Rua Sá e Albuquerque. É manuseado delicadamente por senhores bem vestidos que mostram com orgulho a seus colegas as noticias de parentes e amigos distantes nas portas da Maison Elegant, da Casa Eugene Gostestchel, da Casa Zanotti, do High Life ou do Café Colombo, antes de levá-los para suas residências e exibi-los para a família. Alguns os carregavam no bolso para exibir como prova de status no Prado Alagoano. mais conhecido como Jockey Clube, discutindo as belezas do Rio de Janeiro, Recife, Lisboa, Roma ou Paris.



O postal é uma novidade de além-mar que pouco a pouco vai ser misturada com o sabor das coisas tropicais. Ele chega a Maceió como um dos símbolos dos novos tempos que vão mudando os costumes antigos da época colonial e do império, em meio a tantas outras novidades que são discutidas e aceitas pela elite urbana que frequenta diariamente os cafés, livrarias, confeitarias e bilhares do centro da capital alagoana.