Esta matéria foi publicada no tablóide Contexto, jornal Tribuna Independente, Maceió, 27/11/2011
Um pequeno bilhete sobre a “Intentona Comunista” em Alagoas ou um novembro avermelhado
Contexto divulgará, pouco a
pouco, uma série de anotações que fiz sobre a história da esquerda em Alagoas,
especialmente até a década de trinta do século passado. Hoje trata de um
documento importante: o inquérito aberto no 20º Batalhão de Caçadores sobre as
atividades subversivas que se desenrolaram no quartel. A abertura do inquérito
foi determinada pelo Major José de Andrade Faria no dia 21 de novembro de 1935.
Gostaria que as notas por mim tomadas, somassem
no conhecimento do período. Quem sabe as transcrevo mensalmente ou as
transforme em um livreto que se encontra – e bote tempo nisso, como diria o
Eliezer Setton – praticamente pronto?
No meu arquivo estava escrito por
mim: “Texto lido e anotado. Maceió, maio, 1993”. Ao lado, uma pequena
observação: “Devo confrontar com as declarações do Zé Maria.” Anos e anos após
sua militância em Alagoas, Zé Maria ainda vibrava quando falava sobre sua vida no
Estado, sobre a organização do partido, sobre sua eleição, as do Moacir de
Andrade e do André Papine que formaram a bancada comunista na Assembléia
Legislativa.
Esta pequena nota que escrevi, é
uma singela homenagem ao querido primo Zé Maria, filho da Tia Rosinha (Rosa
Sampaio de Albuquerque), que vivia, nesta época, pelos lados da Rua do Cisco em
Maceió, bandas por onde morava molecoreba do turno do raspa. Esta nota repousou
pelo menos 16 anos no fundo do baú. Qualquer dia – quem sabe quando? – sairá
mais material para a luz do dia. Coisa ligeira, sem qualquer pretensão de ser
douta como tudo o que faço.
Reproduzimos a capa do inquérito
e da carta do Cabo Macário; nela se passa por baixo de um quartel e me faz
lembrar o achado de Thompson para urdir a history
from below: as cartas de um soldado durante as guerras napoleônicas. Macário de Almeida efetivamente pertencia ao Partido
Comunista e, segundo informou Zé Maria,
terminou barbeiro em Quebrangulo onde nos anos de 1945 e 1946 foi
secretário de célula. Resta ler este texto e sentir os lances políticos que o Inquérito desperta.
Sávio de Almeida
A sublevação comunista: Alagoas, novembro, 1935
Luiz Sávio de Almeida
Uma pequena introdução

O que teria
acontecido em Alagoas, dentro do conjunto de acontecimentos que ficou consagrado
à direita como Intentona Comunista? Não
é fácil responder: falta de documentação e de interlocução com os atores da
época. Ainda consegui gravar José Maria
Cavalcanti, as esposas de dois implicados; recolhi dados sobre Sebastião da
Hora e outros; Graciliano e Mata deixaram documentos escritos, os jornais
noticiaram sobre o assunto, mas falta o conhecimento das grandes articulações
que existiram. Mantive contato sistemático com a família de Esdras Gueiros. Entrevistei
durante horas a Alberto Passos Guimarães e confrontei com ele, em busca de
verificar autenticidade, grande número de documentos sobre o comunismo da época
e ele atestou a autenticidade conforme carta que conservo.
O interesse era encontrar tema fascinante
para o doutorado e ele se encontrava entre o Socorro Vermelho e as mulheres que
ficaram com o peso de serem esposas de comunistas presos; elas sustentaram a
retaguarda familiar em universo punitivo e nada se fala sobre isto. Tive a
honra de gravar a esposa do Coronel Mata, cuja dignidade pessoal somava-se à do
Josué Miranda. Também andei vasculhando sobre o Socorro Vermelho, mas sem
sucesso, pois famílias envolvidas ou não sabiam ou não desejaram falar.
Inclusive cheguei a receber pedido para não mexer no assunto.
Por anos guardei as notas e fui desistindo de
utilizá-las, mas cheguei a uma conclusão: poderiam ser úteis e darem idéia,
embora talvez frágil em alguns pontos, sobre o que teria sido o comunismo de
trinta em Alagoas. Restaram páginas que rastreavam a formação da esquerda
alagoana. Algumas foram publicadas aqui
e ali, sem muita elaboração, mantendo a característica de nota, entendida como
um registro para ser incorporado, após revisão, em texto maior.
Os pequenos e grandes centros conspiradores

Alagoas
tinha seus pontos de conspiração sediados em Maceió e formados nas áreas
militar e civil. A primeira composta essencialmente por cabos e sargentos do
20º Batalhão de Caçadores, como se fosse espécie de conspiração de baixas
patentes; a segunda estava montada na Aliança Libertadora Nacional (ALN) que abrigava
os interesses do Partido Comunista (PC).
José Maria Cavalcante vasculhou
Maceió comigo, mostrando lugares e falando de feitos e, especialmente,
reconstruiu durante uma tarde inteira, o antigo quartel do 20º Batalhão de
Caçadores enquanto narrava os sucedidos de 35.
Construía a paisagem e o cenário para uma conspiração de altíssimo risco
e baixíssima capacidade operacional. Alagoas cai antes de Natal, Recife, Rio de
Janeiro, o que ajuda a demonstrar a falta de integração dos que desejavam
fundar o Exército Nacional Libertador (ENL).
É interessante associar o tom
bombástico do Manifesto do Comitê Revolucionário do Nordeste lançado no Recife
em 24 de novembro de 1835 e o que estava acontecendo em Maceió. Era dito que
estava sendo começado no Nordeste “[...]
o movimento nacional-libertador tão ansiosa e justamente aguardado
pelas amplas massas do povo Brasileiro, secularmente oprimido na mais brutal e
nefanda exploração do capitalismo parasitário estrangeiro, diante do qual se
curvam os governos de traição nacional de Getúlio Vargas, Lima Cavalcanti,
Argemiro Figueiredo, Osman Loureiro, Rafael Fernandes et caterva.”
Veja-se o Manifesto: tudo
começava naquele dia 24 de novembro e havia uma imensa sustentação de massas.
Claro que se tratava de propaganda; naquela oportunidade, já havia começado no
dia 23 em Natal e nos 21 de novembro de 1935, portanto dois dias antes, o Major
José de Andrade Faria, Comandante do 20º Batalhão de Caçadores (20º) baixava
Portaria determinando a abertura de inquérito que teria Mário de Carvalho Lima
– 1 º Tenente – como escrivão.
Em torno de um mês, o inquérito
foi concluído gerando um volume manuscrito intitulado “Inquérito
policial-militar sobre a conspiração de um movimento subversivo no 20 º BC”,
datado de 24 de Dezembro de 1935; em torno de dois meses após, o General Manoel
Rabelo comandante da 7 ª Região Militar
remetia ao Ministro da Guerra – RESERVADO e datado de 15 de Janeiro de 1936
- expediente ao qual anexava o texto do
inquérito sobre fatos “intimamente ligados ao movimento revolucionário de
novembro do ano findo”.
Quatro civis estavam implicados:
Esdras Gueiros, Sebastião da Hora, Hildebrando Falcão, Manoel Leal. Dos
militares, estavam listados quatro cabos: José Maria, Oséas Pimentel de
Almeida, Nildo Pereira de Lucena, Vicente Ribeiro Cavalcante. Havia um sargento
ajudante, João Marçal de Oliveira, um terceiro sargento chamado Josué Augusto
de Miranda. A maior patente era a do 2º Tenente de Administração Luiz Xavier de
Souza. Estava listado, também, Francisco
Alves Matta que será companheiro de prisão do Graciliano Ramos.
Esses nomes foram os garimpados
para constituírem a evidência da subversão.
É fácil entender os nomes constantes da relação militar e difícil
entender os nomes de Alves Matta e dos demais civis. Matta nos originais de
suas memórias – li com permissão da família –, nada fala capaz de esclarecer o
motivo real de sua presença no inquérito. Qual a razão dos demais? Seria
interessante esclarecer, mas, sem dúvida, estariam em realce o tom da
militância e a evidência pública, especialmente
no que se refere a Hildebrando Falcão, Leal, Hora, Esdras Gueiros. Matta é
apontado por uma testemunha, José Vieira Lessa, cabo, como chefe subversivo de
inúmeros elementos na polícia.
Por outro lado, era o baixo clero
militar que estava em jogo, como se o movimento tivesse, apenas, conseguido
mobilizar um estrato do quartel e não passado por níveis superiores: dois
oficiais são mencionados e apenas um implicado. O conjunto dos depoimentos leva
a algumas simples constatações: a) o baixíssimo nível de integração; b) a falta
de cuidados na conspiração; c) o acompanhamento pela inteligência mobilizada
pelo comando. Não parece ter havido
efetiva integração do quartel, com
Maceió, com Alagoas e com a região. Acontecerem relações, é diferente de integração. Segundo relato de Zé
Maria em conversa comigo, na manhã seguinte após uma reunião realizada no dia
anterior nos fundos do quartel (praia), na hora da formatura, veio a voz de
prisão. Estava sepultada a conspiração no quartel do 20º. E tudo fica na categoria do disse que disse
típico; no dia seguinte, os conspiradores sabiam que o comando sabia e, então,
todos sabiam alguma coisa sempre já sabida. Evidentemente, não foi tão simples
assim; simples foi o final, inconsequente para o nível de ação que se
pretendia.
Uma indefinição de movimento
Do ponto de vista das razões do
movimento, podemos ter claramente duas situações: (a) os depoentes combinaram
esvaziar o conteúdo ideológico ou (b), na realidade, tinham pouco o que dizer.
Não falaram sobre o conteúdo do movimento, mas demoraram em três pontos: a) seria
algo semelhante a trinta; b) teria inspiração comunista, mas não seria
comunista, c) pertencia ao âmbito de ação da ANL. A posição a bem dizer
intermediária dos sargentos na hierarquia militar era aparente: eles tiveram
força de ligação e ela era por baixo. Se as outras capitais repetiram Maceió, seriam raras as altas
patentes envolvidas. Inclusive, isto parece ter pesado na possibilidade de
aliciamento, como se pode verificar no inquérito.
Parece estar assente que se
teriam dois locais para início do movimento: Rio de Janeiro e Recife, onde
estava sediado o grosso da tropa da 7ª RM. Há uma espécie de espera permanente
por sinal para início do movimento, como se tivesse a possibilidade de
rapidamente assumir ações em Alagoas, o que demandaria todo um preparo de
planos e condições de agir; pelo que se
pode depreender de José Maria, os planos foram discutidos: tomada de palácio,
Inspetoria, barreiras em estradas, distribuição
de armamentos enquanto se estaria esperando a vinda de pessoal do interior e se
contava com o concurso da polícia.
Uma primeira menção das
articulações surge no primeiro depoimento tomado e que foi do José Maria, ao dizer
que havia sido aliciado por Oséas (por seu turno, incorporado ao movimento por
Miranda) e que Oseás teria sido convidado por um conhecido do Rio. Como de fato
isso aconteceu, não aparece no depoimento. No do Cabo Nilo, tem-se a ligação de
Oséas com um capitão vindo do Rio. A maioria das informações sobre estas
articulações pode ser vista no depoimento do Sargento Miranda.
Pelo que está anotado, desde
março de 1935 – épocas em que o Coronel Silvestre Péricles esteve preso no
quartel – que Miranda havia sido chamado para o movimento. Aliás, o Sargento Floriano Novaes estava no
quartel à época e teria sido chamado por Miranda, posteriormente, mas temeu que
ele incluísse seu nome no complô. Faz
então um acordo com o Cabo Cícero Rocha: vigiar os conspiradores para poder
informar. Nas suas denúncias, afirma que Marçal e Miranda tinham um código de
correspondência e era, principalmente, para a Bahia. Novaes teria tentado
descobrir onde se davam as reuniões, mas não conseguiu, por não ser de
confiança, mas algumas teriam sido na casa de Galindo. Fala que Miranda disse
contar com cabos, pessoal de policia e civis, comandados por Sebastião da
Hora, Falcão e Gueiros.
Teria passado por Maceió, um
militar que servia no Ceará e articulado o Sargento Ajudante João Marçal de
Oliveira. No entanto, as informações são todas desencontradas. Na verdade, os
depoimentos não permitem a montagem de uma nítida matriz das relações, desde
que são fragmentos. Por outro lado, a ideia de comunismo que é central, passa
em poucos momentos dos depoimentos militares.
O jogo entre o interno (quartel) e o externo (Alagoas, região e Brasil) jamais
fica claro.
Miranda dá a entender, por
exemplo, que havia articulação entre ele e a Bahia. O fato é que Marçal se
localizava dentro do contexto subversivo, como Miranda e tantos outros, mas não
se sente uma amarração a partir dos depoimentos. Outra informação dada por Miranda evidência a
articulação com Recife. Teria recebido a visita de um cidadão que se vestia
civilmente; diz ter vindo do Recife e que tinha informações sobre Miranda, passadas
pelo Cabo Macário de Almeida que era do 29º. Macário veio a Maceió como parte de escolta
que conduzia preso. Então, parte da conspiração e das ligações acontecia,
também, utilizando o normal da vida militar, especialmente, deslocamentos,
possibilidade de controle de telégrafo...
O visitante que teria encontrado,
declarou ser Antônio Fragoso e capitão
do 2º RI. Cícero Rocha que foi inquirido
como testemunha, fala que Miranda havia dito ser o capitão desertor e andava
pelos lados do norte. Rocha assevera que Miranda havia dito que a missão do
capitão era encontrar com ele, Gueiros, Xavier, Oséas e aqui aparece o nome de
Matta na polícia. Sabe-se que foi marcado encontro entre Miranda e Fragoso no
Relógio Oficial, no Grande Ponto. Sete horas da noite, começam a conversar:
Fragoso informa ter vindo para organizar as atividades. Perguntado sobre o
pessoal que contava no quartel, menciona
Oséas e fala em outros
cabos. Miranda teria perguntado se
contava com algum oficial e Fragoso pede para que não se preocupar, pois os
oficiais apareceriam assim que fosse necessário e, sugeriu tratar-se de dois
capitães e de um primeiro tenente.
Novo encontro teria sido marcado,
mas não aconteceu; na despedida do encontro anterior, Miranda recebe a
informação de que havia no quartel pessoa habilitada a informá-lo sobre tudo e
que não lhe foi passada qualquer missão, algo, sem dúvida, estranho, pois
Fragoso arriscava a sua segurança ao se apresentar para um mero encontro de muito
prazer com o Miranda no centro da cidade.
Posteriormente, Miranda
encontra-se na festa de São Benedito, com o sargento reformado Galindo e o
informa da visita recebida. Fragoso estava em visita demorada; dois dias após,
Miranda vai novamente e à mesma hora à área do Relógio Oficial, procurando pelo
capitão. É quando encontra Oséas, que diz ter estado com ele – isto é negada por Oséas em seu depoimento – na
casa de Esdras Gueiros: “[...] o depoente então se retirou para sua residência,
pois temia ser pressentido pelos policiais que quando soube que o Dr. Esdras
Gueiros estava metido no meio do movimento, não mais procurou o capitão, pois
diziam que o Dr. Esdras era um elemento comunista [...]”. Oséas era amigo
pessoal de Esdras Gueiros desde a época da prisão de Silvestre Péricles e disse
nada saber quando ao envolvimento do dentista.
Na verdade, jamais Esdras
pertencera ao PC, embora fosse elemento de proa da ANL. O importante no texto,
é que revela a atividade policial de informação sobre a vida dos suspeitos. A
casa de Gueiros era, portanto, um local visado.
Ele estava na cúpula da Aliança, mas era liberal como tantos outros e,
no máximo, poderia ser considerado como um simpatizante e aliado do PC que se
encontrava em atividade, embora fosse pequeno, sem maior expressão de massa.
Miranda afirmou que a base dos
cabos seria composta por Oséas, Oscar, Ribeiro. Ribeiro falará da vinda do
Capitão. Miranda teria dito a ele, que iria acertar a ida de Oséas para que
conversassem. Ribeiro afirma que certa feita procurou escutar conversa de Miranda e Oséas sobre a
circulação de boletins no quartel, com Oséas pedindo que isso não fosse feito,
por estar de plantão. Ribeiro afirma que procura Miranda e diz para não colocar
os boletins, pois informaria ao comando. Ficou seguindo Miranda, o que
possivelmente teria sido uma missão recebida.
Ainda nos sentidos das
articulações e das informações que circulavam, o Cabo Oscar Leite de Araújo
informa que ao regressar de férias em Recife, foi procurado por Miranda e
perguntado sobre como andava o movimento naquela área. Afirma que Miranda teria
dito que aconteceria coisa por lá. Ribeiro teria comentado com Araújo, que
Miranda se encontrava doido. Acontece que foi encontrada uma carta do Cabo
Macário na mala de Araújo e ela continha trechos que o comando considerou
comprometedores, falando da “misteriosa morte do Tenente Santa Rosa”. Era sinal
de que foi procedida uma revista em todo o quartel, em busca de documentação
comprometedora. Este depoimento de Leite Araújo já foi tomado na Penitenciária
de Maceió e não mais no quartel.
Miranda em novo depoimento, fala
sobre a participação do 1º Tenente Xavier e que ele revela a existência de
pessoas graduadas do Batalhão também envolvidas e diz que alguns oficiais
tomaram parte de um almoço dos gravatas vermelha. Xavier sabia quem eram os envolvidos; Miranda
identificava pelo menos o Capitão Jansen. Aduz que Fragoso havia perguntado por
Xavier que, em seu depoimento a tudo nega, sendo, então, produzida acareação
com Miranda.
Miranda disse que levou Fragoso à
casa de Xavier e que, na oportunidade em que conversavam dentro da casa,
aparece um homem a quem Xavier indicou como sendo médico. A negação de Xavier
foi peremptória a tudo quanto Miranda colocou, inclusive sobre o fato de que
havia dito sentir-se espreitado. Ele volta a depor e fala do objetivo que
tinham em envolvê-lo, parecendo demonstrar que havia um racha entre os
indiciados ou que, a todo custo, Xavier desejasse fugir das acusações, o que
parece acontecer quando insinua o comunismo de Miranda.
O descuido e a imaginação
No fundo, a impressão é que se
criava um imenso Exército de Libertação com
tropa imaginária que surgiria não se sabe onde e nem de onde, com todos estando
à espera de um momento a vir imediatamente do nada. Uma conspiração que, pelo
menos em Maceió, parecia descuidada. O dia da praia com os cabos é exemplar:
Oséas Pimentel de Almeida busca integrar os cabos em reunião sabida pelo comando. O depoimento do José
Maria (depois repetido pessoalmente para mim) mostra a informalidade como um
assunto conspirativo de alto relevo foi tratado despreocupadamente. O próprio
José Maria tomou a liberdade de convidar um furriel da Companhia de
Metralhadoras que parece não ter comparecido; foram quatro a cinco cabos, um
dos quais se retirou tão logo ouviu as primeiras conversas de Oséas.
Os diversos depoimentos dão praticamente a
mesma versão do que se desenvolve nos fundos do quartel, na praia. Oséas fez os
convites e discorreu sobre o que seria e sobre o que resultaria a formação do
Exército. Um dos que não se filiaram foi o Cabo José Ribeiro Cavalcante, que disse
ter-se retirado da reunião. É verdade que é bem pouco aquilo que chega ao
inquérito, como se aquelas informações bastassem para incriminar e gerar uma
severa punição. No entanto, muito mais deveria estar em andamento e – aqui e
ali – essas situações são sugeridas no corpo do inquérito.
Na verdade, fica sempre em
suspenso o que poderia ser considerado como o movimento. O que ele de fato
significava? O que propunha? Qual o seu
tamanho? Onde efetivamente penetrava? Não se tem condições de saber. O
Relatório apenas sumaria as informações coletadas. O fato básico é que se
conspirava e que existiam ligações e ramificações. Falava-se a bem dizer
abstratamente, no corpo do inquérito, de um Exército idealizado, aqui e ali, em
termos de tamanho, mencionava-se a existência de um sistema de contatos no que
se dava ênfase ao Recife; e mesmo fabulações interessantes quanto à pessoal de
tropa a ser fornecido em Alagoas.
O inquérito é vago, como se o
Major que o conduziu tomasse por prova o que simplesmente era alegado; de
prova, apenas a juntada de carta de Macário de Almeida que havia sido
apreendida no quartel. Basicamente se atingia, no campo civil, a Esdras Gueiros,
transformado no grande articulador pelo fato de haver menção às reuniões em sua
residência, da mesma forma como Sebastião da Hora e Hildebrando Falcão foram
incluídos em função de mero depoimento. Uma delas teria dito ter ouvido do Zé
Maria, que Gueiros e Hildebrando dispunham
de 300 homens. Sebastião da Hora foi também mencionado, sendo dito que ele iria
ao quartel em busca de armamento, quando se desse o movimento. Sempre o
testemunho é tomado como certeza. É interessante notar, que o relatório, pelo
pouco que implica quanto a Sebastião da Hora, leva a que se fale sobre
investigações no meio civil.
Hildebrando é considerado
altamente implicado na montagem do levante, a partir, também dos testemunhos. Falcão
era considerado como aliciador da oficialidade. Diz o relatório: “É conhecida
em Maceió a sua atuação como membro da Aliança Nacional Libertadora. Foi um
forte elemento no preparo da intentona e sempre procurou captar a simpatia dos
oficiais do batalhão para tal fim, chegando mesmo a oferecer um almoço à
oficialidade, ao qual só compareceram dois oficiais, um por delicadeza e por
ignorar as suas segundas intenções, e o outro [...] porque naturalmente já
tinha relações partidárias com ele.” Leal é posto na mesma categoria.
O fato é que serão enquadrados na
Lei nº 38 de 4 de abril de 1935 que definia
os crimes contra a ordem pública e social. Estavam enquadrados nos
artigos 1º e 49º: o primeiro mencionado trata de mudança na natureza do sistema
e o segundo dispõe sobre os considerados cabeças. A acusação era formalizada: a
institucionalização de um sistema comunista.
Tudo estava sendo feito por inspiração de Prestes agindo no comando do
Exército Libertador. Como não se poderia ter diferente no ambiente militar, o
comando de tudo estava nas mãos de um oficial que não foi identificado, segundo
se falava. Cabos e Sargentos não teriam condições de sublevar uma tropa. Mas
disse Zé Maria que boa parte dos soldados estava pronta para acompanhar o
levante.
O inquérito
No fundo, como dissemos, o
inquérito era juridicamente sem qualquer consistência. A Apelação nº 4.508–Alagoas
comenta a apreciação que foi realizada pelo Juiz Federal: “Procedida a formação
de culpa, em que foram observadas as formalidades legais, proferiu o Dr. Juiz
Federal [...] longa sentença [...] em que estuda a situação de cada um dos
denunciados, em face do processo, concluindo pela absolvição de todos.”
A Procuradoria da República
concordou por absoluta falta de prova, com o que dizia respeito ao Matta, Leite de Araújo, Manoel Leal,
Sebastião da Hora, mantendo os demais, inclusive Esdras Gueiros e Hildebrando
Falcão. Hildebrando e Esdras estavam sob
a mira policial. Gueiros teve testemunhas a seu favor. Uma taxativamente
declarou que era sua inimiga e que não iria depor com relação a ele, mas diz
que sua casa era muito freqüentada, embora não soubesse dizer sobre o que se
tratava nas reuniões que aconteciam, lançando, portanto, uma dúvida. Gueiros
morava vizinho à Chefatura da Polícia e a testemunha era agente policial.
Não havia qualquer base para
acusação, por exemplo, a Gueiros, sobre o que lhe estava atribuído no inquérito.
Hildebrando Falcão estava sendo procurado; testemunha – também agente policial
–, diz que seus discursos na Assembléia eram subversivos e que ele era um
comunista. Na verdade, nada indicava ter sido filiado ao Partido Comunista,
embora fosse vigoroso nos seus pronunciamentos. É dito a seu favor que se
afasta de A Notícia, por conta da infiltração comunista na redação e isso teria
sido antes do chamado movimento. Um seu pronunciamento que merece a atenção
policial foi quanto à expulsão de Geny Gleiser.
Contudo, o cerne da acusação eram cartas atribuídas a Falcão, lançadas
no processo por ordem do Delegado Auxiliar. Uma delas era endereçada a Moura
Carneiro sendo apenas uma cópia datilografada e sem ser assinada; aliás,
nenhuma das cartas poderia ser considerada como efetivo documento processual, pelo
fato de que não estavam assinadas. O Juiz dirá que havia ”inexistência material
do delito”.
No dia 29 de janeiro de 1937
estavam decididas as sortes. Resultado do inquérito que fundamentou o processo:
Josué Augusto Miranda e Oséas Pimentel de Almeida receberam seis anos e oito
meses de prisão celular, na qualidade de cabeças; José Maria Cavalcante, Nildo
Pereira de Lucena, Vicente Ribeiro Cavalcante pegaram cinco anos e quatro
meses. Ficaram presos os cabos e os sargentos que infiltraram as idéias
subversivas no 20º Batalhão de Caçadores. É de supor que o inquérito nem de
longe foi capaz de demonstrar o que acontecia em Alagoas, mas induz a pensar o
quanto de acompanhamento de informações foi realizado sobre a ANL e o clima que
gerou para o que se poderia chamar, à época, a grande composição da esquerda
alagoana que vai mergulhar e ressurgir no pós-guerra como atuação aberta.
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As velhas anotações que realizei |
Um pouco sobre Esdras Gueiros
É interessante anotar, que Esdras
da Silva Gueiros era natural de Natal, Rio Grande do Norte, e filho de pastor
evangélico. Nasceu em 1904 e desde seus 18 anos havia se formado em
odontologia. Oséas Cardoso fez seu elogio em sessão da Câmara Federal no ano de
1986, aliás, mesmo ano de falecimento de Esdras, quando já era Ministro do Tribunal
Federal de Recursos nomeado por Castelo Branco. Formou-se em direito no Recife
no ano de 1938 e ingressou na política, elegendo-se Deputado Estadual pela UDN,
1947/1951.
Na homenagem que lhe foi prestada
pelo Tribunal, o Ministro José Dantas disse: ‘Muito propósito daquela bem
sucedida clínica dentária de Maceió, outro registro de merecida crença [rasura]
em proveitosa aprendizagem política para o que viria a ser sua atividade na
Assembléia Legislativa de Pernambuco. Com efeito, o dentista Esdras
envolvera-se nos labirintos políticos das violentas Alagoas de então em
corajosas escaramuças difusas no caldo de cultura que enredaria o Estado Novo;
no ardor da idade, demonstrara bravura,
a modo de participação na chamada trincheira do Hotel Bela Vista, num
cerrado tiroteio com feridos e ambos os lados contendores [...]”. A ele,
Graciliano Ramos fez menção no famoso “Memórias de Cárcere”.
Um resumo
Basicamente, tudo termina no dia
20 de novembro; às sete horas da manha, a oficialidade do 20º é chamada para
uma reunião e o Major Andrade Farias comunica, pedindo absoluto sigilo, que
havia um trabalho conspirativo desenvolvido na tropa. O comando chega a cogitar
da prisão dos envolvidos, mas prefere deixar acontecer a reunião na praia, com
a finalidade de coletar mais dados. O plano seria a) acontecer assalto inicial
às reservas de armamento das diversas unidades do Batalhão; b) distribuição de
material e armamento; c) prisão dos oficiais que não aderissem; c) os mesmos
passos se dariam na polícia militar; e) a sede do governo e as repartições
seriam tomadas, conforme narrou José Maria, expondo de modo semelhante a um
articulista que se assinará Um Observador Militar, matéria publicada na Gazeta
de Alagoas em dezembro de 1935.
No dia 21, o mesmo da abertura do
inquérito, o comando havia mandado celebrar missa de 7º dia, pelo falecimento
de Aguinaldo Valente de Menezes. O
Batalhão havia recebido permissão para comparecer à solenidade religiosa.
Arma-se a prisão dos conspiradores e a primeira foi a do cabeça Josué Miranda –
que não estava na missa –, e ele foi conduzido para a Enfermaria do quartel,
ficando incomunicável. O Observador Militar escreve: “[...] chamei um sub-tenente
de minha inteira confiança e soldado ativo e disciplinado, e fomos nós dois
buscá-lo em sua residência. Lá o encontramos; atendendo ao meu chamado notei
logo a transformação no seu semblante, quando dei-lhe voz de prisão em nome do
comandante. Apenas me perguntou qual o motivo de sua prisão, ao que retruquei
que ele já devia saber [...]”. Aproximadamente meia hora após a chegada de
Miranda, era feita a formatura, iniciando-se o inquérito.
Posteriormente, sabe-se que o
movimento havia irrompido em Natal e o 20 BC ficou em prontidão rigorosa. Por
acaso, seguindo a narrativa de Um Observador Militar, um telegrafista do 20º
capta a seguinte mensagem vinda de Natal: “21º BC levantou-se agora”. Depois, captaria outra: “As coisas estão
pretas por aqui. É bala por desgraça. Você já disse alguma coisa à alguém?”.
Maceió pergunta o que estaria acontecendo e recebe a seguinte resposta: “É um
movimento comunista dos sargentos, cabos, soldados, e operários daqui. Adeus,
por ordem superior estão suspensas as comunicações.”.
Possivelmente, ainda segundo Um
Observador Militar, teria sido através da estação PTR2 do 20º Batalhão de
Caçadores, que o Brasil tomaria conhecimento do levante em Natal. O comando
comunica ao Chefe de Polícia de Alagoas e tenta comunicar-se com o rádio do
Recife, não obtendo resposta. O contato foi feito via Great Western.
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