sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

[HISTÓRIA: POLÍTICA: COMUNISMO: INTENTONA: ALAGOAS E COMUNISMO] ALMEIDA, Luiz Sávio de. A sublevação comunista: Alagoas, novembro, 1935


Esta matéria foi publicada no tablóide Contexto,  jornal Tribuna Independente, Maceió, 27/11/2011


Um pequeno bilhete sobre a “Intentona Comunista” em Alagoas ou um novembro avermelhado

 

  
Contexto divulgará, pouco a pouco, uma série de anotações que fiz sobre a história da esquerda em Alagoas, especialmente até a década de trinta do século passado. Hoje trata de um documento importante: o inquérito aberto no 20º Batalhão de Caçadores sobre as atividades subversivas que se desenrolaram no quartel. A abertura do inquérito foi determinada pelo Major José de Andrade Faria no dia 21 de novembro de 1935. Gostaria que as notas por mim tomadas,  somassem no conhecimento do período. Quem sabe as transcrevo mensalmente ou as transforme em um livreto que se encontra – e bote tempo nisso, como diria o Eliezer Setton – praticamente pronto?  

No meu arquivo estava escrito por mim: “Texto lido e anotado. Maceió, maio, 1993”. Ao lado, uma pequena observação: “Devo confrontar com as declarações do Zé Maria.” Anos e anos após sua militância em Alagoas, Zé Maria ainda vibrava quando falava sobre sua vida no Estado, sobre a organização do partido, sobre sua eleição, as do Moacir de Andrade e do André Papine que formaram a bancada comunista na Assembléia Legislativa.

Esta pequena nota que escrevi, é uma singela homenagem ao querido primo Zé Maria, filho da Tia Rosinha (Rosa Sampaio de Albuquerque), que vivia, nesta época, pelos lados da Rua do Cisco em Maceió, bandas por onde morava molecoreba do turno do raspa. Esta nota repousou pelo menos 16 anos no fundo do baú. Qualquer dia – quem sabe quando? – sairá mais material para a luz do dia. Coisa ligeira, sem qualquer pretensão de ser douta como tudo o que faço.

Reproduzimos a capa do inquérito e da carta do Cabo Macário; nela se passa por baixo de um quartel e me faz lembrar o achado de Thompson para urdir a history from below: as cartas de um soldado durante as guerras napoleônicas. Macário  de Almeida efetivamente pertencia ao Partido Comunista e, segundo informou Zé Maria,  terminou barbeiro em Quebrangulo onde nos anos de 1945 e 1946 foi secretário de célula. Resta ler este texto e sentir os lances  políticos que o Inquérito desperta.

Sávio de Almeida 


A sublevação comunista: Alagoas, novembro, 1935


Luiz Sávio de Almeida

Uma pequena introdução


    O que teria acontecido em Alagoas, dentro do conjunto de acontecimentos que ficou consagrado à direita como Intentona Comunista?  Não é fácil responder: falta de documentação e de interlocução com os atores da época. Ainda consegui gravar  José Maria Cavalcanti, as esposas de dois implicados; recolhi dados sobre Sebastião da Hora e outros; Graciliano e Mata deixaram documentos escritos, os jornais noticiaram sobre o assunto, mas falta o conhecimento das grandes articulações que existiram. Mantive contato sistemático com a família de Esdras Gueiros. Entrevistei durante horas a Alberto Passos Guimarães e confrontei com ele, em busca de verificar autenticidade, grande número de documentos sobre o comunismo da época e ele atestou a autenticidade conforme carta que conservo.

O interesse era encontrar tema fascinante para o doutorado e ele se encontrava entre o Socorro Vermelho e as mulheres que ficaram com o peso de serem esposas de comunistas presos; elas sustentaram a retaguarda familiar em universo punitivo e nada se fala sobre isto. Tive a honra de gravar a esposa do Coronel Mata, cuja dignidade pessoal somava-se à do Josué Miranda. Também andei vasculhando sobre o Socorro Vermelho, mas sem sucesso, pois famílias envolvidas ou não sabiam ou não desejaram falar. Inclusive cheguei a receber pedido para não mexer no assunto.

 Por anos guardei as notas e fui desistindo de utilizá-las, mas cheguei a uma conclusão: poderiam ser úteis e darem idéia, embora talvez frágil em alguns pontos, sobre o que teria sido o comunismo de trinta em Alagoas. Restaram páginas que rastreavam a formação da esquerda alagoana.  Algumas foram publicadas aqui e ali, sem muita elaboração, mantendo a característica de nota, entendida como um registro para ser incorporado, após revisão, em texto maior.

Os pequenos e grandes centros conspiradores



  Alagoas tinha seus pontos de conspiração sediados em Maceió e formados nas áreas militar e civil. A primeira composta essencialmente por cabos e sargentos do 20º Batalhão de Caçadores, como se fosse espécie de conspiração de baixas patentes; a segunda estava montada na Aliança Libertadora Nacional (ALN) que abrigava os interesses do Partido Comunista (PC).

José Maria Cavalcante vasculhou Maceió comigo, mostrando lugares e falando de feitos e, especialmente, reconstruiu durante uma tarde inteira, o antigo quartel do 20º Batalhão de Caçadores enquanto narrava os sucedidos de 35.  Construía a paisagem e o cenário para uma conspiração de altíssimo risco e baixíssima capacidade operacional. Alagoas cai antes de Natal, Recife, Rio de Janeiro, o que ajuda a demonstrar a falta de integração dos que desejavam fundar o Exército Nacional Libertador (ENL).

É interessante associar o tom bombástico do Manifesto do Comitê Revolucionário do Nordeste lançado no Recife em 24 de novembro de 1835 e o que estava acontecendo em Maceió. Era dito que estava sendo começado no Nordeste “[...] o movimento nacional-libertador tão ansiosa e justamente aguardado pelas amplas massas do povo Brasileiro, secularmente oprimido na mais brutal e nefanda exploração do capitalismo parasitário estrangeiro, diante do qual se curvam os governos de traição nacional de Getúlio Vargas, Lima Cavalcanti, Argemiro Figueiredo, Osman Loureiro, Rafael Fernandes et caterva.”

Veja-se o Manifesto: tudo começava naquele dia 24 de novembro e havia uma imensa sustentação de massas. Claro que se tratava de propaganda; naquela oportunidade, já havia começado no dia 23 em Natal e nos 21 de novembro de 1935, portanto dois dias antes, o Major José de Andrade Faria, Comandante do 20º Batalhão de Caçadores (20º) baixava Portaria determinando a abertura de inquérito que teria Mário de Carvalho Lima – 1 º Tenente – como escrivão.

Em torno de um mês, o inquérito foi concluído gerando um volume manuscrito intitulado “Inquérito policial-militar sobre a conspiração de um movimento subversivo no 20 º BC”, datado de 24 de Dezembro de 1935; em torno de dois meses após, o General Manoel Rabelo comandante da 7 ª  Região Militar remetia ao Ministro da Guerra – RESERVADO e datado de 15 de Janeiro de 1936 -  expediente ao qual anexava o texto do inquérito sobre fatos “intimamente ligados ao movimento revolucionário de novembro do ano findo”. 

Quatro civis estavam implicados: Esdras Gueiros, Sebastião da Hora, Hildebrando Falcão, Manoel Leal. Dos militares, estavam listados quatro cabos: José Maria, Oséas Pimentel de Almeida, Nildo Pereira de Lucena, Vicente Ribeiro Cavalcante. Havia um sargento ajudante, João Marçal de Oliveira, um terceiro sargento chamado Josué Augusto de Miranda. A maior patente era a do 2º Tenente de Administração Luiz Xavier de Souza.  Estava listado, também, Francisco Alves Matta que será companheiro de prisão do Graciliano Ramos.

Esses nomes foram os garimpados para constituírem a evidência da subversão.  É fácil entender os nomes constantes da relação militar e difícil entender os nomes de Alves Matta e dos demais civis. Matta nos originais de suas memórias – li com permissão da família –, nada fala capaz de esclarecer o motivo real de sua presença no inquérito. Qual a razão dos demais? Seria interessante esclarecer, mas, sem dúvida, estariam em realce o tom da militância  e a evidência pública, especialmente no que se refere a Hildebrando Falcão, Leal, Hora, Esdras Gueiros. Matta é apontado por uma testemunha, José Vieira Lessa, cabo, como chefe subversivo de inúmeros elementos na polícia.


Por outro lado, era o baixo clero militar que estava em jogo, como se o movimento tivesse, apenas, conseguido mobilizar um estrato do quartel e não passado por níveis superiores: dois oficiais são mencionados e apenas um implicado. O conjunto dos depoimentos leva a algumas simples constatações: a) o baixíssimo nível de integração; b) a falta de cuidados na conspiração; c) o acompanhamento pela inteligência mobilizada pelo comando.  Não parece ter havido efetiva  integração do quartel, com Maceió, com Alagoas e com a região.  Acontecerem relações,  é diferente de integração. Segundo relato de Zé Maria em conversa comigo, na manhã seguinte após uma reunião realizada no dia anterior nos fundos do quartel (praia), na hora da formatura, veio a voz de prisão. Estava sepultada a conspiração no quartel do 20º.  E tudo fica na categoria do disse que disse típico; no dia seguinte, os conspiradores sabiam que o comando sabia e, então, todos sabiam alguma coisa sempre já sabida. Evidentemente, não foi tão simples assim; simples foi o final, inconsequente para o nível de ação que se pretendia.

Uma indefinição de movimento

Do ponto de vista das razões do movimento, podemos ter claramente duas situações: (a) os depoentes combinaram esvaziar o conteúdo ideológico ou (b), na realidade, tinham pouco o que dizer. Não falaram sobre o conteúdo do movimento, mas demoraram em três pontos: a) seria algo semelhante a trinta; b) teria inspiração comunista, mas não seria comunista, c) pertencia ao âmbito de ação da ANL. A posição a bem dizer intermediária dos sargentos na hierarquia militar era aparente: eles tiveram força de  ligação  e ela era por baixo. Se as outras capitais  repetiram Maceió, seriam raras as altas patentes envolvidas. Inclusive, isto parece ter pesado na possibilidade de aliciamento, como se pode verificar no inquérito.

Parece estar assente que se teriam dois locais para início do movimento: Rio de Janeiro e Recife, onde estava sediado o grosso da tropa da 7ª RM. Há uma espécie de espera permanente por sinal para início do movimento, como se tivesse a possibilidade de rapidamente assumir ações em Alagoas, o que demandaria todo um preparo de planos e condições de agir;  pelo que se pode depreender de José Maria, os planos foram discutidos: tomada de palácio, Inspetoria, barreiras em estradas,  distribuição de armamentos enquanto se estaria esperando a vinda de pessoal do interior e se contava com o concurso da polícia.

Uma primeira menção das articulações surge no primeiro depoimento tomado e que foi do José Maria, ao dizer que havia sido aliciado por Oséas (por seu turno, incorporado ao movimento por Miranda) e que Oseás teria sido convidado por um conhecido do Rio. Como de fato isso aconteceu, não aparece no depoimento. No do Cabo Nilo, tem-se a ligação de Oséas com um capitão vindo do Rio. A maioria das informações sobre estas articulações pode ser vista no depoimento do Sargento Miranda.

Pelo que está anotado, desde março de 1935 – épocas em que o Coronel Silvestre Péricles esteve preso no quartel – que Miranda havia sido chamado para o movimento.  Aliás, o Sargento Floriano Novaes estava no quartel à época e teria sido chamado por Miranda, posteriormente, mas temeu que ele incluísse seu nome no complô.  Faz então um acordo com o Cabo Cícero Rocha: vigiar os conspiradores para poder informar. Nas suas denúncias, afirma que Marçal e Miranda tinham um código de correspondência e era, principalmente, para a Bahia. Novaes teria tentado descobrir onde se davam as reuniões, mas não conseguiu, por não ser de confiança, mas algumas teriam sido na casa de Galindo. Fala que Miranda disse contar com cabos, pessoal de policia e civis, comandados por Sebastião da Hora,  Falcão e Gueiros.

Teria passado por Maceió, um militar que servia no Ceará e articulado o Sargento Ajudante João Marçal de Oliveira. No entanto, as informações são todas desencontradas. Na verdade, os depoimentos não permitem a montagem de uma nítida matriz das relações, desde que são fragmentos. Por outro lado, a ideia de comunismo que é central, passa em poucos momentos dos depoimentos militares.  O jogo entre o interno (quartel) e o externo (Alagoas, região e Brasil) jamais fica claro.

Miranda dá a entender, por exemplo, que havia articulação entre ele e a Bahia. O fato é que Marçal se localizava dentro do contexto subversivo, como Miranda e tantos outros, mas não se sente uma amarração a partir dos depoimentos.  Outra informação dada por Miranda evidência a articulação com Recife. Teria recebido a visita de um cidadão que se vestia civilmente; diz ter vindo do Recife e que tinha informações sobre Miranda, passadas pelo Cabo Macário de Almeida que era do 29º.   Macário veio a Maceió como parte de escolta que conduzia preso. Então, parte da conspiração e das ligações acontecia, também, utilizando o normal da vida militar, especialmente, deslocamentos, possibilidade de controle de telégrafo...

O visitante que teria encontrado,  declarou ser Antônio Fragoso e capitão do 2º RI.  Cícero Rocha que foi inquirido como testemunha, fala que Miranda havia dito ser o capitão desertor e andava pelos lados do norte. Rocha assevera que Miranda havia dito que a missão do capitão era encontrar com ele, Gueiros, Xavier, Oséas e aqui aparece o nome de Matta na polícia. Sabe-se que foi marcado encontro entre Miranda e Fragoso no Relógio Oficial, no Grande Ponto. Sete horas da noite, começam a conversar: Fragoso informa ter vindo para organizar as atividades. Perguntado sobre o pessoal que contava no quartel, menciona  Oséas e fala em  outros cabos.  Miranda teria perguntado se contava com algum oficial e Fragoso pede para que não se preocupar, pois os oficiais apareceriam assim que fosse necessário e, sugeriu tratar-se de dois capitães e de um primeiro tenente.



Novo encontro teria sido marcado, mas não aconteceu; na despedida do encontro anterior, Miranda recebe a informação de que havia no quartel pessoa habilitada a informá-lo sobre tudo e que não lhe foi passada qualquer missão, algo, sem dúvida, estranho, pois Fragoso arriscava a sua segurança ao se apresentar para um mero encontro de muito prazer com o Miranda no centro da cidade.

Posteriormente, Miranda encontra-se na festa de São Benedito, com o sargento reformado Galindo e o informa da visita recebida. Fragoso estava em visita demorada; dois dias após, Miranda vai novamente e à mesma hora à área do Relógio Oficial, procurando pelo capitão. É quando encontra Oséas, que diz ter estado com ele  – isto é negada por Oséas em seu depoimento – na casa de Esdras Gueiros: “[...] o depoente então se retirou para sua residência, pois temia ser pressentido pelos policiais que quando soube que o Dr. Esdras Gueiros estava metido no meio do movimento, não mais procurou o capitão, pois diziam que o Dr. Esdras era um elemento comunista [...]”. Oséas era amigo pessoal de Esdras Gueiros desde a época da prisão de Silvestre Péricles e disse nada saber quando ao envolvimento do dentista.

Na verdade, jamais Esdras pertencera ao PC, embora fosse elemento de proa da ANL. O importante no texto, é que revela a atividade policial de informação sobre a vida dos suspeitos. A casa de Gueiros era, portanto, um local visado.  Ele estava na cúpula da Aliança, mas era liberal como tantos outros e, no máximo, poderia ser considerado como um simpatizante e aliado do PC que se encontrava em atividade, embora fosse pequeno, sem maior expressão de massa.

Miranda afirmou que a base dos cabos seria composta por Oséas, Oscar, Ribeiro. Ribeiro falará da vinda do Capitão. Miranda teria dito a ele, que iria acertar a ida de Oséas para que conversassem. Ribeiro afirma que certa feita procurou escutar  conversa de Miranda e Oséas sobre a circulação de boletins no quartel, com Oséas pedindo que isso não fosse feito, por estar de plantão. Ribeiro afirma que procura Miranda e diz para não colocar os boletins, pois informaria ao comando. Ficou seguindo Miranda, o que possivelmente teria sido uma missão recebida.

Ainda nos sentidos das articulações e das informações que circulavam, o Cabo Oscar Leite de Araújo informa que ao regressar de férias em Recife, foi procurado por Miranda e perguntado sobre como andava o movimento naquela área. Afirma que Miranda teria dito que aconteceria coisa por lá. Ribeiro teria comentado com Araújo, que Miranda se encontrava doido. Acontece que foi encontrada uma carta do Cabo Macário na mala de Araújo e ela continha trechos que o comando considerou comprometedores, falando da “misteriosa morte do Tenente Santa Rosa”. Era sinal de que foi procedida uma revista em todo o quartel, em busca de documentação comprometedora. Este depoimento de Leite Araújo já foi tomado na Penitenciária de Maceió e não mais no quartel.

Miranda em novo depoimento, fala sobre a participação do 1º Tenente Xavier e que ele revela a existência de pessoas graduadas do Batalhão também envolvidas e diz que alguns oficiais tomaram parte de um almoço dos gravatas vermelha.  Xavier sabia quem eram os envolvidos; Miranda identificava pelo menos o Capitão Jansen. Aduz que Fragoso havia perguntado por Xavier que, em seu depoimento a tudo nega, sendo, então, produzida acareação com Miranda.

Miranda disse que levou Fragoso à casa de Xavier e que, na oportunidade em que conversavam dentro da casa, aparece um homem a quem Xavier indicou como sendo médico. A negação de Xavier foi peremptória a tudo quanto Miranda colocou, inclusive sobre o fato de que havia dito sentir-se espreitado. Ele volta a depor e fala do objetivo que tinham em envolvê-lo, parecendo demonstrar que havia um racha entre os indiciados ou que, a todo custo, Xavier desejasse fugir das acusações, o que parece acontecer quando insinua o comunismo de Miranda.

O descuido e a imaginação

No fundo, a impressão é que se criava um imenso Exército de Libertação  com tropa imaginária que surgiria não se sabe onde e nem de onde, com todos estando à espera de um momento a vir imediatamente do nada. Uma conspiração que, pelo menos em Maceió, parecia descuidada. O dia da praia com os cabos é exemplar: Oséas Pimentel de Almeida busca integrar os cabos em reunião  sabida pelo comando. O depoimento do José Maria (depois repetido pessoalmente para mim) mostra a informalidade como um assunto conspirativo de alto relevo foi tratado despreocupadamente. O próprio José Maria tomou a liberdade de convidar um furriel da Companhia de Metralhadoras que parece não ter comparecido; foram quatro a cinco cabos, um dos quais se retirou tão logo ouviu as primeiras conversas de Oséas.

 Os diversos depoimentos dão praticamente a mesma versão do que se desenvolve nos fundos do quartel, na praia. Oséas fez os convites e discorreu sobre o que seria e sobre o que resultaria a formação do Exército. Um dos que não se filiaram foi o Cabo José Ribeiro Cavalcante, que disse ter-se retirado da reunião. É verdade que é bem pouco aquilo que chega ao inquérito, como se aquelas informações bastassem para incriminar e gerar uma severa punição. No entanto, muito mais deveria estar em andamento e – aqui e ali – essas situações são sugeridas no corpo do inquérito.

Na verdade, fica sempre em suspenso o que poderia ser considerado como o movimento. O que ele de fato significava? O que propunha?  Qual o seu tamanho? Onde efetivamente penetrava? Não se tem condições de saber. O Relatório apenas sumaria as informações coletadas. O fato básico é que se conspirava e que existiam ligações e ramificações. Falava-se a bem dizer abstratamente, no corpo do inquérito, de um Exército idealizado, aqui e ali, em termos de tamanho, mencionava-se a existência de um sistema de contatos no que se dava ênfase ao Recife; e mesmo fabulações interessantes quanto à pessoal de tropa a ser fornecido em Alagoas.

O inquérito é vago, como se o Major que o conduziu tomasse por prova o que simplesmente era alegado; de prova, apenas a juntada de carta de Macário de Almeida que havia sido apreendida no quartel. Basicamente se atingia, no campo civil, a Esdras Gueiros, transformado no grande articulador pelo fato de haver menção às reuniões em sua residência, da mesma forma como Sebastião da Hora e Hildebrando Falcão foram incluídos em função de mero depoimento. Uma delas teria dito ter ouvido do Zé Maria,  que Gueiros e Hildebrando dispunham de 300 homens. Sebastião da Hora foi também mencionado, sendo dito que ele iria ao quartel em busca de armamento, quando se desse o movimento. Sempre o testemunho é tomado como certeza. É interessante notar, que o relatório, pelo pouco que implica quanto a Sebastião da Hora, leva a que se fale sobre investigações no meio civil.

Hildebrando é considerado altamente implicado na montagem do levante, a partir, também dos testemunhos. Falcão era considerado como aliciador da oficialidade. Diz o relatório: “É conhecida em Maceió a sua atuação como membro da Aliança Nacional Libertadora. Foi um forte elemento no preparo da intentona e sempre procurou captar a simpatia dos oficiais do batalhão para tal fim, chegando mesmo a oferecer um almoço à oficialidade, ao qual só compareceram dois oficiais, um por delicadeza e por ignorar as suas segundas intenções, e o outro [...] porque naturalmente já tinha relações partidárias com ele.” Leal é posto na mesma categoria.

O fato é que serão enquadrados na Lei nº 38 de 4 de abril de 1935 que definia  os crimes contra a ordem pública e social. Estavam enquadrados nos artigos 1º e 49º: o primeiro mencionado trata de mudança na natureza do sistema e o segundo dispõe sobre os considerados cabeças. A acusação era formalizada: a institucionalização de um sistema comunista.  Tudo estava sendo feito por inspiração de Prestes agindo no comando do Exército Libertador. Como não se poderia ter diferente no ambiente militar, o comando de tudo estava nas mãos de um oficial que não foi identificado, segundo se falava. Cabos e Sargentos não teriam condições de sublevar uma tropa. Mas disse Zé Maria que boa parte dos soldados estava pronta para acompanhar o levante.

O inquérito

No fundo, como dissemos, o inquérito era juridicamente sem qualquer consistência. A Apelação nº 4.508–Alagoas comenta a apreciação que foi realizada pelo Juiz Federal: “Procedida a formação de culpa, em que foram observadas as formalidades legais, proferiu o Dr. Juiz Federal [...] longa sentença [...] em que estuda a situação de cada um dos denunciados, em face do processo, concluindo pela absolvição de todos.”

A Procuradoria da República concordou por absoluta falta de prova, com o que dizia respeito ao  Matta, Leite de Araújo, Manoel Leal, Sebastião da Hora, mantendo os demais, inclusive Esdras Gueiros e Hildebrando Falcão. Hildebrando e Esdras  estavam sob a mira policial. Gueiros teve testemunhas a seu favor. Uma taxativamente declarou que era sua inimiga e que não iria depor com relação a ele, mas diz que sua casa era muito freqüentada, embora não soubesse dizer sobre o que se tratava nas reuniões que aconteciam, lançando, portanto, uma dúvida. Gueiros morava vizinho à Chefatura da Polícia e a testemunha era agente policial.

Não havia qualquer base para acusação, por exemplo, a Gueiros, sobre o que lhe estava atribuído no inquérito. Hildebrando Falcão estava sendo procurado; testemunha – também agente policial –, diz que seus discursos na Assembléia eram subversivos e que ele era um comunista. Na verdade, nada indicava ter sido filiado ao Partido Comunista, embora fosse vigoroso nos seus pronunciamentos. É dito a seu favor que se afasta de A Notícia, por conta da infiltração comunista na redação e isso teria sido antes do chamado movimento. Um seu pronunciamento que merece a atenção policial foi quanto à expulsão de Geny Gleiser.  Contudo, o cerne da acusação eram cartas atribuídas a Falcão, lançadas no processo por ordem do Delegado Auxiliar. Uma delas era endereçada a Moura Carneiro sendo apenas uma cópia datilografada e sem ser assinada; aliás, nenhuma das cartas poderia ser considerada como efetivo documento processual, pelo fato de que não estavam assinadas. O Juiz dirá que havia ”inexistência material do delito”.

No dia 29 de janeiro de 1937 estavam decididas as sortes. Resultado do inquérito que fundamentou o processo: Josué Augusto Miranda e Oséas Pimentel de Almeida receberam seis anos e oito meses de prisão celular, na qualidade de cabeças; José Maria Cavalcante, Nildo Pereira de Lucena, Vicente Ribeiro Cavalcante pegaram cinco anos e quatro meses. Ficaram presos os cabos e os sargentos que infiltraram as idéias subversivas no 20º Batalhão de Caçadores. É de supor que o inquérito nem de longe foi capaz de demonstrar o que acontecia em Alagoas, mas induz a pensar o quanto de acompanhamento de informações foi realizado sobre a ANL e o clima que gerou para o que se poderia chamar, à época, a grande composição da esquerda alagoana que vai mergulhar e ressurgir no pós-guerra como atuação aberta.

As velhas anotações que realizei


Um pouco sobre Esdras Gueiros

É interessante anotar, que Esdras da Silva Gueiros era natural de Natal, Rio Grande do Norte, e filho de pastor evangélico. Nasceu em 1904 e desde seus 18 anos havia se formado em odontologia. Oséas Cardoso fez seu elogio em sessão da Câmara Federal no ano de 1986, aliás, mesmo ano de falecimento de Esdras, quando já era Ministro do Tribunal Federal de Recursos nomeado por Castelo Branco. Formou-se em direito no Recife no ano de 1938 e ingressou na política, elegendo-se Deputado Estadual pela UDN, 1947/1951.  

Na homenagem que lhe foi prestada pelo Tribunal, o Ministro José Dantas disse: ‘Muito propósito daquela bem sucedida clínica dentária de Maceió, outro registro de merecida crença [rasura] em proveitosa aprendizagem política para o que viria a ser sua atividade na Assembléia Legislativa de Pernambuco. Com efeito, o dentista Esdras envolvera-se nos labirintos políticos das violentas Alagoas de então em corajosas escaramuças difusas no caldo de cultura que enredaria o Estado Novo; no ardor da idade, demonstrara bravura,  a modo de participação na chamada trincheira do Hotel Bela Vista, num cerrado tiroteio com feridos e ambos os lados contendores [...]”. A ele, Graciliano Ramos fez menção no famoso “Memórias de Cárcere”.

Um resumo

Basicamente, tudo termina no dia 20 de novembro; às sete horas da manha, a oficialidade do 20º é chamada para uma reunião e o Major Andrade Farias comunica, pedindo absoluto sigilo, que havia um trabalho conspirativo desenvolvido na tropa. O comando chega a cogitar da prisão dos envolvidos, mas prefere deixar acontecer a reunião na praia, com a finalidade de coletar mais dados. O plano seria a) acontecer assalto inicial às reservas de armamento das diversas unidades do Batalhão; b) distribuição de material e armamento; c) prisão dos oficiais que não aderissem; c) os mesmos passos se dariam na polícia militar; e) a sede do governo e as repartições seriam tomadas, conforme narrou José Maria, expondo de modo semelhante a um articulista que se assinará Um Observador Militar, matéria publicada na Gazeta de Alagoas em dezembro de 1935.

No dia 21, o mesmo da abertura do inquérito, o comando havia mandado celebrar missa de 7º dia, pelo falecimento de Aguinaldo Valente de Menezes.  O Batalhão havia recebido permissão para comparecer à solenidade religiosa. Arma-se a prisão dos conspiradores e a primeira foi a do cabeça Josué Miranda – que não estava na missa –, e ele foi conduzido para a Enfermaria do quartel, ficando incomunicável. O Observador Militar escreve: “[...] chamei um sub-tenente de minha inteira confiança e soldado ativo e disciplinado, e fomos nós dois buscá-lo em sua residência. Lá o encontramos; atendendo ao meu chamado notei logo a transformação no seu semblante, quando dei-lhe voz de prisão em nome do comandante. Apenas me perguntou qual o motivo de sua prisão, ao que retruquei que ele já devia saber [...]”. Aproximadamente meia hora após a chegada de Miranda, era feita a formatura, iniciando-se o inquérito.

Posteriormente, sabe-se que o movimento havia irrompido em Natal e o 20 BC ficou em prontidão rigorosa. Por acaso, seguindo a narrativa de Um Observador Militar, um telegrafista do 20º capta a seguinte mensagem vinda de Natal: “21º BC levantou-se agora”.  Depois, captaria outra: “As coisas estão pretas por aqui. É bala por desgraça. Você já disse alguma coisa à alguém?”. Maceió pergunta o que estaria acontecendo e recebe a seguinte resposta: “É um movimento comunista dos sargentos, cabos, soldados, e operários daqui. Adeus, por ordem superior estão suspensas as comunicações.”.

Possivelmente, ainda segundo Um Observador Militar, teria sido através da estação PTR2 do 20º Batalhão de Caçadores, que o Brasil tomaria conhecimento do levante em Natal. O comando comunica ao Chefe de Polícia de Alagoas e tenta comunicar-se com o rádio do Recife, não obtendo resposta. O contato foi feito via Great Western.


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