domingo, 22 de janeiro de 2012

[BANCO DE IMAGEM: MACEIÓ: ANTIGAS: AVENIDA DA PAZ]


acervo do arquivo público de alagas







[BANCO DE IMAGEM:MACEIÓ: ANTIGAS: ASSEMBLEIA LEGISLATIVA]

Acervo do Arquivo Público de Alagoas







[RELIGIÃO: ECONOMIA: SERTÃO] Luiz Sávio de Almeida. A pedra do Padre Cícero e o problema do feijão.


__________________________________________________________________________________

ALMEIDA,  Luiz Sávio de. A pedra do Padre Cícero e o problema do feijão. Tribuna Independente. Maceió, 22 jan. 2012, Contexto.
___________________________________________________________________________________

Um pequeno bilhete sobre saudade e Padre Cícero

Hoje Contexto está de luto pelo falecimento de Anilda Leão e é por isto que está cheio de saudade. Nós que o fazemos, gostaríamos que a edição desta semana fosse tomada como homenagem a ela e ao Carlos Moliterno, seu esposo.
O outro texto é uma pequena anotação que dormia em arquivo, realizada em agosto de 2010, numa das andanças pelo sertão com Márcio Pinto, que, aliás, é autor da maioria das fotos que tiramos naquele lugar  conhecido como  a Pedra do Padre Cícero. O depoimento do Cícero é também importante para discutir o que vem acontecendo com os famosos  pés de serra sertanejos. Será que ele ainda diria a mesma coisa?
Contexto espera que a memória de Anilda seja sempre reverenciada. E que a anotação sobre a Pedra do Padre Cícero seja de bom proveito.

Sávio de Almeida




A Pedra do Padre Cícero e o problema do feijão

Luiz Sávio de Almeida

Esta é uma pequena nota escrita após conversa com Cícero Lima,  filho de José Lima (falecido, uns 20 anos), o homem que pagou sua promessa ao Padre Cícero, construindo a capelinha que fica em cima da pedra e  também a grande que olha  para a margem da estrada.  É como se para a capelinha estivesse reservada a paisagem a leste,  e à grande fosse reservada a mirada para sul, dando para um pé de serra e para o assentamento Santa Maria.

Uma visita constante

Tenho estado no local, desde quando a estrada era de barro e sempre tive vontade de escrever alguma coisa sobre ele. Não conheci o José Luiz, mas sempre que passava e a porta da bodega estava aberta,  eu tomava refrigerante e conversava com a esposa do romeiro. Sabia que o lugar havia resultado de uma promessa, mas não tinha a ideia de que tudo estava  se transformando em um denso ponto do sagrado popular alagoano.
Hoje, o lugar não cresceu em termo de moradores, não se tornou uma das povoação do tipo sertanejo, mas existe cemitério para atender a redondeza e mais uma igreja foi construída, desta feita para abrigar a imagem de Santa Edvirges e que foi trazida pela mãe de Cícero Lima, justamente, da cidade do Juazeiro do Norte, cidade onde Padre Cícero está  enterrado.  O lugar é a casa de morada, a capelinha da Pedra, a capela vizinha, o cemitério e a Capela de Santa Edvirges. A capela grande foi sendo aumentada, na medida em que o lugar crescia como centro de devoção.

A beleza do termo redondeza

Este termo redondeza é interessante; é como se  o mundo fosse pensado em círculo e de repente, tudo termina em aparente  sem mais e nem menos, com um ponto final deslocável.  Absoluto mistério na construção das fronteiras. Quando é que o espaço deixa de ser e estar  neste redondo? Mas lembro agora que existe também a palavra quadra, termo bem mais urbano, semelhante à ideia de quarta que fica em quarteirão. O que se escuta, na verdade e no meio rural especialmente,  é redondeza, indicação mais ampla do que vizinhança, um modo sábio de estabelecer limites, tão preciso quanto a medida do ali indicada, também, pela légua de beiço.

As bentas toalhas


Tudo começou em torno de uns 53 anos. José Lima sempre foi devoto do Padrinho e ia de caminhão  ao Juazeiro.  Não sei a graça que alcançou, mas foi o suficiente para fazer as duas capelas e lançar mais um santuário a cultuar no  complexo montado em honra do Santo do Juazeiro. Aliás, é rara a localidade em Alagoas que não tenha uma imagem do Padre, praticamente tornada um padrão, com ele em pé, vestes sacerdotais e o cajado como se fosse um báculo caboclo. É como se o Padre não descansasse, tivesse de ser um Padre-andando desde os acontecimentos do sangue na boca da  Beata Maria Araújo,  gerando as bentas toalhas e o caminho tão longe e tão cheio de pedra e areia, como diz o bendito dolentemente cantado pelos romeiros que se aventuraram pelas antigas estradas sertanejas, hoje fitas pretas de asfalto, no desengonço da paisagem.

A subida aos céus

Sempre se tem uma pessoa pagando promessa, pois a vida e a promessa não têm data fixa e nem móvel. Apenas elas têm data a vir do cotidiano.   O grosso, contudo, é no dia da morte do Padre Cícero. Tudo enche e tudo se esvazia em um de repente.  E tem que ser assim pois  o lugar nada tem do que chamam de equipamento urbano, embora pudesse se ancorar em outro canto, pois está a uns poucos quilômetros de Santana do Ipanema, talvez quatro léguas e meia, um pouco depois do Pai Manoel e um pouco antes de Dois Riachos, o antigo Garcia, povoado nascido de acampamento de cassacos que faziam a estrada, conforme me lembrou o Zé Pinto. Fora as casas do pé de serra e do assentamento, mais nenhuma. A terra termina no Sítio do Imbé e para ter casa vão ser precisos uns três a quatro quilômetros para traz do terreno; nem tem pelo lado direito e nem tem pelo lado esquerdo.   A Pedra de fato é s e mais sozinha seria se não houvesse o assentamento.
No dia 19 começa a chegar gente e, quando dá por volta de cinco da tarde do dia 20, tudo desaparece em um milagre.  É gente que vem na maioria vestindo preto, algumas de  luto carregado por conta da ida do Padrinho ao céu.
Caminhão de romeiro desapareceu. A fiscalização não permite. O que aparece é carro de passeio, camioneta, van, ônibus. E por aí chegam umas sete a oito mil pessoas e tudo enche, parecendo um formigueiro.  É gente de Alagoas, Pernambuco, Bahia. Os povos deixam o rastro com mãos,  pés, cruzeiros, tudo aquilo que demonstre o retorno ao santo, montado no material dos ex-votos, narrativas e depoimentos feitos para testemunho da bondade do santo e, ao mesmo tempo, um solene agradecimento público deixando provas.

O popular e a hierarquia



























      É bem possível que tenha acontecido  problemas com a hierarquia católica da região, pois o Bispo chegou a proibir que se rezasse Missa,  um pouco recuperando a desconfiança que a hierarquia sempre depositou sobre os poderes do Padre Cícero, sendo interessante verificar como o popular jamais foi realmente impedido de manter suas criações, com a força de Roma não sendo capaz de quebrar formas locais em parte derivadas das Santas Missões.
         O Bispo reconsiderou a questão que possivelmente enfraqueceria a vinda de pessoas, sempre aumentado o fluxo, quem sabe facilitado pelo asfalto, pela renovação e ampliação dos modos de acessos. Inclusive estava sendo pensada uma Missa mensal.  Em parte, o problema era atribuído ao pároco, considerado muito rígido. Faleceu. Em 2009 não houve Missa.

E o lugar se enche

O pessoal chega e aparecem por mais ou menos umas mil barracas, que ficam por detrás da Igreja.  E vendem tudo quanto é de coisa, como se fosse uma feira livre. Os romeiros praticamente não dormem. Começam a chegar por volta de uma hora da manhã do dia 19, ficam andando, zanzando, pagam a promessa e quando é cinco da tarde do dia vinte, praticamente todo mundo foi embora.
No ano passado, 2009, foram 120 ônibus e entre todos os veículos tem-se em torno de 600. A escada é controlada para não haver acidente e nisso trabalham umas quaro pessoas e mais umas seis ficam nos lados do cemitério, onde, justamente, fica a feira. A segurança é dada pela polícia que aparece, mas não precisa, pois tudo fica aos cuidados do Padre Cícero e nunca se teve o menor acidente.

Uma mudança na economia


O pessoal de José Lima para viver ficou com o gado. Acabou-se a possibilidade de colocar roça e nisso vão embora a mandioca, o milho, o feijão, o que é chamado de lavoura de subsistência para quem tinha condição de assalariar. Bem em frente à Pedra do Padre Cícero, avista-se um pé de serra se desenhando no horizonte e mais para a beira da rodagem está o assentamento Santa Maria.
         Hoje não interessa colocar roçado fora da linha da sobrevivência e isso se deve ao que acontece com a mão de obra, segundo a tese levantada pelo Cícero.  Seria esta uma expectativa sertaneja? Poderia sua opinião  ser estendida para o sertão? O problema seria o comportamento da força de trabalho, que tem de sair para ter ingressos monetários e vai para o açúcar alagoano, chega a Mato Grosso e Paraná. Isso teria diminuído o estoque de força de trabalho na região, encarecendo os custos para feijão, milho. A falta de disponibilidade de mão de obra maximiza os custos de produção.
        Na medida em que isto ganhe escala, interfere na economia política do pé de serra e nos esquemas de produção que se desenvolvem. A roça feita na base do trabalho pago, oneraria a produção e seria melhor comprar do que produzir.
         Esta análise leva a que se entenda a  migração da mão de obra a reorganizar a produção local, na medida em que se efetiva em escala, deixando, portanto, uma baixa disponibilidade e, por outro lado, demonstra o modo ou a sistemática de assalariamento.
        Esta situação deve ter atingido enfaticamente a área, entre cinco a dez anos atrás, segundo Cícero.  Ele argumenta a razão de saída como a necessidade de se ter ingressos monetários durante todo o ano, sustentar-se pelo dinheiro recebido mensalmente. Ficando no local, o trabalhador estaria circunstanciado pelo período de safra: não  teria ganho mensal.
Não seria somente o quantum que estaria implicando, mas ele associado ao mensal. O período de safra não permitiria  juntar ganhos para viver o ano. Foge à massa de recursos disponíveis para o gerenciamento da produção, a possibilidade pagar à força de trabalho ou ela estaria ajustada para efetivamente não pagá-la, devido a inúmeros fatores.


         Há uma espécie de flutuação de sertanejo, não permitindo o retorno, a (re)fixação. O próprio assentamento estaria sendo afetado; fica o dono do lote, mas a mão de obra adulta sai. Esta movimentação institucionalizou o gato; existem os de fora e os locais. Os gatos  passam a lucrar com a intermediação do fluxo. E eles tanto suprem as usinas de Alagoas, como mandam para outros  Estados. A mão de obra volante passa pela situação sertaneja. Isso afeta a agricultura e não à pecuária, atividade que envolve menor número de pessoas e que a própria mão de obra familiar pode dar conta. Ainda é possível ver muitos plantios,  mas a área plantada teria diminuído. Há uma redução na área. A mandioca se deixou de plantar, as casas de farinha foram acabando.
         Na medida em que se leva em consideração que o pé de serra vem perdendo a força de trabalho adulta, esta condição maximiza a função econômica da mulher e de menores? Seria algo a investigar, a discutir, ponderar. Cícero afirma que no tempo do pai, a pecuária e agricultura davam por igual. Hoje não. O que acontece no pé de serra? Com a mulher?  Na verdade,foi uma conversa de levantar boas pistas.




[MEMÓRIA: PESSOAL: ANILDA LEÃO] Luiz Sávio de Almeida. Os grandes amigos também morrem


_________________________________________________________________________________

ALMEIDA, Luiz Sávio de.  Os grandes amigos também morrem. Tribuna Independente, Maceió, 22 jan. 2012, Contexto.
_________________________________________________________________________________


 Um pequeno bilhete sobre saudade e Padre Cícero

Hoje Contexto está de luto pelo falecimento de Anilda Leão e é por isto que está cheio de saudade. Nós que o fazemos, gostaríamos que a edição desta semana fosse tomada como homenagem a ela e ao Carlos Moliterno, seu esposo.
O outro texto é uma pequena anotação que dormia em arquivo, realizada em agosto de 2010, numa das andanças pelo sertão com Márcio Pinto, que, aliás, é autor da maioria das fotos que tiramos naquele lugar  conhecido como  a Pedra do Padre Cícero. O depoimento do Cícero é também importante para discutir o que vem acontecendo com os famosos  pés de serra sertanejos. Será que ele ainda diria a mesma coisa?
Contexto espera que a memória de Anilda seja sempre reverenciada. E que a anotação sobre a Pedra do Padre Cícero seja de bom proveito.

Sávio de Almeida

Observação: A matéria está no blog como Crônica da Semana. A nova publicação é para manter  a apresentação de tudo o que sai em Contexto.


Os grandes amigos também morrem

          Luiz Sávio de Almeida

Acabo de chegar do cemitério.  Ontem mesmo, eu soube do falecimento. Estava almoçando na estrada e a participação fúnebre foi realizada pelo Homero Cavalcanti e Ronaldo de Andrade em um posto de gasolina na área de Messias, antigamente chamada de Curralinho, coisa que o povo detestava. Os dois foram comprar picolé e me encontraram. Pesou! Mas continuei rindo, na companhia de duas amigas, com as quais fui visitar um assentamento.
Cheguei sorumbático em casa.  Afinal de contas, Anilda Leão era uma referência de carinho em minha vida e eu acredito piamente que ela morreu.  São 88 anos que se passaram naquele sorriso bonito.
     Deles, fomos ligados pelo menos uns 40, até mesmo pela amizade que eu tinha com o Carlos Moliterno, seu esposo,  e que foi inaugurada pelo Theo Brandão em sua casa, ao tempo uma construção solitária em um pedaço de praia que o próprio Theo batizou de Jatiúca, palavra indígena que significa carrapato.
       Fomos confidentes: Anilda e eu. Pouca gente sabia da profunda intimidade que tínhamos; talvez seus filhos e alguns poucos amigos. Sabíamos particularidades, dessas que a gente diz: Nunca contei a alguém. Conversávamos pouco e raramente, mas quando a gente se via, abria-se a torneira do tempo.
Não vou falar de sua presença no movimento feminista, nem sobre seus dotes literários, sua importância na vida de Alagoas.  Quero somente falar do tradicional cumprimento dito –  pé de ouvido – para ninguém ouvir. Eu a abraçava com força e soltava: “Diga, sua doida!”.  A resposta era infalível: “Diga, seu maluco!”. E precisava mais do que isso para celebrar um amor de amigo,  cantigas de persistência medieval nas duas cucas alagoanas? Depois, quando havia espaço, a gente se afastava: “Você tá bem, amor?”. Era um sim ou era um não; se era um não,  vinha uma carícia na cabeça; se era um sim, o sorriso se abria em duas bandas de abacate sem caroço.
Eu nunca esqueci Anilda, tenho uma foto dela em meu escritório. Foi o Isaac, aquele que tirou a foto, bateu a chapa como se dizia. Assim que recebi o instantâneo, fui comprar um porta-retrato, dos baratinhos, para não estourar o cheque especial pois professor não pode comprar qualquer porta cara, especialmente quando porta um retrato.
 Estou partilhando a foto com vocês; gostaria que notassem quanto a protejo e quanto ela se aninha, uma Sinhá Aninha, uma sianinha em minha vida.
Não fui vê-la no caixão.  Fiquei de longe. Sentei numa cadeira, dentre muitas  cansadas de bundas que veloriorizaram  naquelas capelas. Egoisticamente, pensei na minha própria morte e no quanto deve ser chato a gente ser enterrado.  No meio do assuntamento, procurei pela música que  eu gostaria de cantar, um defunto alegre e ao mesmo tempo resistente. Lembrei de um frevo que eu costumava sair pulando no carnaval,  com uma garrafa de cachaça pendurada na cintura e uma chupeta furada no gargalo. Veio à cena, o velho bloco Barril de Óleo em Palmares, Pernambuco. O frevo dizia assim  – e te juro sua doida, que cantei para você  ao ver passar aquela caixa de madeira onde lhe guardaram –:

Eu não vou, vão me levando
Vão me empurrando
E desse jeito, eu tenho que ir,
Vocês vão me desculpando
Mas eu não vou,
Vão me levando!

Eu quero ser enterrado na folia. A Zana Vilela tem todas as instruções; ela sabe tintim por tintim como quero meu enterro; passei uma tarde de cerveja dizendo a ela e ela rindo do protomoribundo. Mas, não havia razões para estar de gargalhada, não havia mesmo! Espero que mesmo rindo, ela tenha tomado nota. Faltou assentar uma coisa no papel. Assim que eu desencarnar (expressão que você gosta, Anildinha) ou desossar como prefiro, quero ser recebido por você devidamente pastorizada mas de azul. Azul é o céu, azul é o mar, azul é a Anilda que nós vamos coroar. E por falar a verdade, nem sei se você é do encarnado. É melhor ir de Diana mesmo!