quinta-feira, 20 de junho de 2013

Guia Savio da Cozinha Alagoana. .O primo Neuton e a Maria Furadinha: dois tesouros do feijão alagoano

Este artigo foi publicado em O Jornal em 14 de setembro de 2007


Guia Savio da Cozinha Alagoana

O primo Neuton e a Maria Furadinha: dois tesouros do feijão alagoano

Luiz Sávio de Almeida

Não é fácil preparar bom feijão, sustentar a qualidade da comida diária de uma casa. A sua presença e a do arroz montam o trivial de nossa mesa, existindo, inclusive,  para a sua repetida e repetida presença,  uma expressão para a rotina que se faz chatinha: é o mesmo feijão com arroz. A gente já cresce sentindo o cheiro dele e quando é tempo de comida de panela, cuidadosamente ele vai sendo introduzido, por ser pesado.  Ele vai ser de absoluta necessidade para a sustança.  Se alguma nutricionista fizer uma pesquisa procurando saber os alimentos que o povo reconhece como forte, sem duvida vai ouvir falar muito de nosso feijão. Para curar a fraqueza, o feijão aparece no receituário: tá fraco das pernas, é preciso comer feijao.
E por ai seguem o de corda, arranco, preto, branco, mulatinho e haja feijão. A beleza de tudo esta na simplicidade;  cada casa tem seu feijão e penso que chegue a ser uma espécie de  impressão digital domiciliar. Como em cada casa existe um tipo de amor, em cada cozinha existe um tipo de feijão. Sei lá  como se pode ter tanto gosto diferente, tanta textura diferente de caldo... O mulatinho pesa em todos os lares, aquele caldo, o marrom, a sopa em potencial. Para mim, o feijão de maior presença publica é o dos pedreiros. Não sei se é a hora em que ele começa a cheirar, mas é como se de imediato o olfato recomendasse o sabor. O cheiro e o gosto assumindo a construção, como se estivessem emoldurados pelo Chico Buarque de Holanda.
Eu não sei se é o cimento, a poeira, o barro, a lata, a lenha... Não sei... Apenas sei que é uma bela hora de almoço. Quando faço amizade com pessoal de alguma construção perto de casa, vez em quando colaboro na comedoria, recebo meu quinhão e tome farinha e pimenta. Mas aqui pertinho da Maceio, existe um restaurante extraordinariamente pedreiro: mesmo feijão, mesmo poder de charque:  a Maria Furadinha, onde se encontra, também, o belo servico de mesa prestado pela não menos competente Taioba. Seria difícil que o feijão da Maria Furadinha tivesse o poder que tem, sem a Taioba para brilhar em futuro esporte olimpico:  prato a mesa. Ela joga bem. Dois garçons ticam na minha memória: a Taioba e o Pescoco.  Pescoco quando eu pedia uma cachaça, ele colocava outra para ele e saiamos cambaleantes: o fregues e o garcom que se danava a fazer conta errada. Nao é o Pescoço do Graci: é outro. A ultima vez que o vi, ele trabalhava na Peixada Pajus., na esquina do quarteirão em que ticava o Bar das Ostras, lá na Lagoa. Paz é tempo...
Excelência do feijão  é o caldinho do Bar Sem Nome do primo Neuton na Capela. Alias, o primo serve o de feijão, galinha e misto, valendo a pena sair de Maceió e deliciar o caldinho em uma rua calma, parece que em frente ao Cartório do primo Cícero Cocó, oitão do Forum e de frente para a Estação do Trem, parada, sem, movimento, com aqueles trilhos vivendo a toa por maldade do destino. Quando o trem chegou na Capela, o povo tinha pena do bicho cansado,  resfolegando de tanto andar e andar. Pois a estação esta ali, confronte o primo Neuton,  Estação que viu a morte do Leobino no tempo do Costa Rego.
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É impressionante a limpeza onde o caldo é preparado. Limpo, limpo, limpo... Nem parece que por ali andou galinha ou feijão. Não se vê uma pena, uma semente de tomate, uma queixa do galo marido da galinha. Maria Lopes tinha razão: vale a pena sair de Maceió, ir tomar o caldinho do primo. lsto é bom, ainda de acordo com a Maria Lopes, para quem deseje tomar um deforete, descansar do burburinho.   preciso um cuidado; vai chegando por perto do meio-dia, o primo fecha; não gosta de muita gente e eu entendo: não ha abuso mais chato do que de bêbado e de freguês gritando: eu quero isto e que quero aquilo! Maria Furadinha e o primo Neuton são exímios curadores da cozinha do feijão. Maria Lopes fala da sopa de feijão da Lurdes lá no Cajueiro Grande em Penedo, mas a Maria esquece que a Lurdes já morreu. Coitada, saudades,. Foi quem me deu muito pirão de peixe e caldo de piranha quando eu era menino na Rua da Penha.




Memória do Rio de São Francisco, 1879] ROMARIZ, Antônio. . Scenas Rio de São Francisco



O velho Rio São Francisco

Luiz Sávio de Almeida





         

            Não há como negar o fascínio que o Rio São Francisco carrega com suas águas.  e não são poucas as horas, as tintas, os escritos que foram dedicados a ele.  Eu estava  pesquisando um antigo jornal que circulava em Alagoas, século XIX, e me deparei com uma crônica extremamente sensível  e escrita sobre ele. Era de autoria de Antônio Romariz. Achei interessante o modo poético como trazia o rio e seus costumes e então resolvi partilhar.O Orbe foi um jornal que começou a circular em Alagoas, no ano de 1879. Saía segunda, quarta e sexta, sendo propriedade de José  Leocádio Ferreira Soares, tendo sua redação situada na Rua da Boa Vista, 55, sendo impresso na Typographia Mercantil, que deveria sr do mesmo proprietário, pois ela tinha sede no mesmo número da antiga Boa Vista..
      Quem ama o Rio São Francisco, irá sentir-se em casa ao palmilhar o texto.
                                                                              http://www.joaodesousalima.com

Scenas  Rio de São Francisco

Antônio Romariz


 ( Ao Sr. Guido Duarte )

O Orbe. Maceió. 23 mar. 1879.

Opara— chamavam os aborígenes ao rio Francisco.

É um rio magestoso o meu pátrio rio

Quem nâo o conhece, ao menos, pela voz da fama?

A natureza deu-lhe um lugar distincto entre os systemas hydrographicos do ímperio.

A portentosa cachoeira de Paulo Affonso é o ponto luminoso, para onde convergém as vistas de toda a Europa.
Magestoso rio !

Mollemente  espreguiçado sobre o seu leito de areias, estende os braços o gigante do norte, e num estremoso abraço, a' dormece, soluçando beijos de espumas nos braços das cinco provincias que banha. São as suas bellas amantes. Quando a lua cheia derrama sobre a terra as suas amphoças de luz, o rio adormece, corno o somnambulo pela força de vontade do magnetisador; uma boia de prata fluctua nas águas: é a lua que dorme a estremecer no espelho liquido.


O silencio vagueia nos nos ares, no rio e no lago, no prado e no monte; apenas quebrado pelo chorar da mareia nas ribas, pelo cahir das folhas seccas sobre as pedras dos morros, pelo chiar e rangir da voga ou da zinga da canoa, que sobe a corrente, pela cantiga do sertanejo, repassada de  ternura, ungida de melodia, vaga como o pensamento do cantor, que a concebeu; porque muitas vezes o homem
dos sertoes, o cantor d'essas trovas tão nacionaes é  um poeta, rude, é verdade, mas original. A natureza é a sua amante a naturalidade, a sua arte. E, no meio de tudo isso, o cahir das   folhas e a voz do sertanejo despertam os eccos dormentes das serras, nas quebradas.

          De espaço a espaço, as araras gargalham nos morros sobre os ramos dos angicos ou dos mandacarús; a siriema solla uma escala chromatica, tão afinada, do grave ao agudissimo e viceversa, que dir-se-hia uma clarinella tocada por musico exímio.

         
Aquellas serras sào como que exercitos enfileirados, que lhe fazem continência  e lhe velam o dormir.

          Mais abaixo, sobre um penedo, a rainha daquellas águas mira-se enamorada nos chrystaes do rio. E' a noiva d'aquelle sultão que deita a fronte nas Canastras e lava os pés no mar.

          Corramos agora uma cortina sobre esses brilhos da lua.

É uma noite sem estrelas.

O  mar, do sua trompa oceânica  tira sons roucos, como as tempestades o que veem com os ventos tos das procellas morrer-nos aos ouvidos, sete léguas acima da foz, ou antes, expirar no regaço da  rainha daquellas aguas.

Uma toalha negra cobre a superfície do rio.

Para as bandas do sertão, montanhas de nuvens cobrem os ceos, negras, como os demônios da tradiccão.

De quando em vez, uma estrellinha espia por entre uma fresta de nuvem, e dá um beijo de luz no rio que se agita.
O relâmpago abre-se, o ronquejar do trovão rola e rola e uma lingueta de fogo,  tortuosa lambe as negridões.

É o raio que brinca.

O S. Francisco reflete essas imagens com uma fidelidade artislica.

Imagine o leitor uma immensa chapa de prata polida, no
meio das trevas, e allumiada por um incêndio de pólvora, e terá o relâmpago no S. Francisco.

O vento cresce de forca; o rio cava-se; a chuva cahe a
principio do peneira; engrossa-se, e chia sobre os telhados, as calçadas das ruas e sobre o rio e o trovão ribomba: é a harmonia espantosa da trovoada,

Ao fusilar dos relâmpagos, desenham-se as  formas fantásticas, enormes, negras, como a noite mesma: são os morros o as serras d'alem.

No dia seguinte, as  negruras e aos furores da noite sucedem os brilos de um ceo azul, franjado de brancas nuvens e dourado por um sol mais claro. 

As enxurradas passam descendo  as ruas da cidade heroica de uma extremidade á outra, como cachoeiras taes, que impedem o transito publico. 

As trovoadàS são a origem das enchentes. 

O Pajeú e o Moxotó, dois tributários do S. Francisco, recebendo as copiosas águas dos céus, engrossam-se, e as despejam aos pés .do grande senhor,  que principia a entumecer-se.

Depois: as chuvas sempre  a crescer o rio sempre a engrossar,  arrojam-se às suas águas sobre a grande penedia da cachoeira; esta por sua vez salta como um rebanho de alvíssimos liões sobre o grande abismo do baixo S. Francisco e causando, segundo [...] um estrondo que [...] muitas léguas, faz levantar uma nuvem de vapores, tão espessa, que assemelha-se a rolos de fumaça de um grande incêndio. 


Então, o rio rompe as ribanceiras, pula o álveo, e inunda os campos. 

Então, Penedo está com as ruas baixas todas alagadas.

As canoas servem de gondolas venezianas.

Os terrenos adjacentes são um lago-mar!

Agora o prazer das regatas. 

    Escaleres, canoas, jangadas, com as velas pandas, e ornadas de bandeírolas de diversas cores, levam músicos, homens, mulheres...

E partem. Os vivas, os foguetes, a grita de alegria vêm morrer aos ouvidos dos espectadores das margens.

São ãs regatas.

Mais tarde, o prazer para muítos converte-se em desgostos em molestias.

O rio vasou. As sezões, chamadas, tomam o seu lugar... Homem; palidos, mulheres descoradas; a moléstia não escolhe; faz-lhes pagar os banhos nas ruas em noites de luar. . .

Bello espectaculo na verdade o do S. Francisco transbordado I

     Quando se poderá contar com o auxilio do paiz para o impedimento das águas dentro da cidade?

E' interesse publico; será preciso que amadureçam séculos?

O sol entrou em capricórnio. O céu é de fogo, o ar é de fogo, o rio está como que incendiado. A Tabanga, em frente á vila do Traipu, assemelha-se a uma enorme baleia á flor d'agua e aí o calor é abafador.

O rio tem  faíscas electricas á vista.

O sol reclina-se sobre as ^montanhas da margem direita em frente á cidade  heróica, dizendo o ultimo adeus ás águas, aos montes e a cidade.  O rio tem sobre si uma toalha de pedras. O céu iria-se; as nuvens franjadas d’ouro e escarlate vão passando em  caravanas para  o sertão; bandos de aves selvagens descem o rio e somem-se para o mar.


O sol escondeu-se.  A claridade do sol sucede  a claridade da lua. Os ventos suspiram trazendo das vagas [...]

Banco de Imagem] Amizades


Um pequeno momento de recordação
Luiz Sávio de Almeida e amigos



VIVI


pulando no meninos da albânia


Fundação Casa do Penedo