Esta matéria foi publicada no tablóide Contexto do jornal Tribuna Independente, Maceió, na edição de 2 de Outubro de 2011
Um pequeno bilhete sobre futebol

Talvez
a linha de diferença entre hoje e o
tempo do Roberto esteja, em parte, na natureza do espetáculo fora das quatro
linhas. A natureza da paixão era diferente; a rivalidade das torcidas era de
outro matiz. Eu até sou levado – não é saudosismo – a pensar em uma espécie de
estética social do movimento; era bonito ver o povo se deslocando para o Mutange, para a Pajuçara. Obrigado ao
Lautheney e ao Roberto Mendes.
Luiz Sávio de Almeida
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Lautheney Perdigão |
Roberto
Tavares Mendes: um depoimento para a história

Ali no
meio, entre a defesa e o ataque, esse detalhe não tinha tanta influência. O
essencial era a inteligência, a força e o raciocínio rápido. Era respeitado e
admirado por dirigentes, torcedores e companheiros. A raça, a vontade de vencer
e o bem querer pelo CSA faziam bem a Roberto Mendes, que transmitia tudo de bom
para a torcida do clube do Mutange, a qual o transformou em seu grande ídolo.
Roberto prestou um depoimento ao jornalista Lauthenay Perdigão e para os
arquivos do Museu dos Esportes. Um depoimento com muita coragem e habilidade.
História do seu tempo de atleta, técnico e diretor.
Roberto Mendes começou jogando futebol na cidade de Palmeira dos Índios no
infanto-juvenil do CSE e nos times do Colégio de lá. Quando veio para Maceió,
defendeu o juvenil do Ferroviário. Em 1959 foi convidado para ingressar no
Clube de Regatas Brasil onde teve uma ligeira passagem. O treinador era Jorge
Vasconcelos que o motivou para vestir a camisa alvirrubra. Mesmo assim, jogou
apenas uma partida pelo campeonato. Foi na decisão da competição contra o
Capelense que venceu o jogo e terminou campeão alagoano. No começo de 1960, ainda
jogou pelo CRB na disputa da Taça Mário Lima contra o mesmo Capelense. Era um
troféu disputado no início de cada ano entre o campeão e o vice do campeonato
anterior. Logo depois, deixou o clube da Pajuçara e parou com o futebol.
Somente no ano seguinte, depois de conhecer Vicente Bertolini,
presidente do CSA, é que Roberto aceitou o convite para voltar ao futebol
vestindo a camisa azulina. Encontrou um excelente ambiente com o treinador
Eduardo Montenegro, o Dudu. Os jogadores eram bons e a turma unida. Naquele
ano, depois de um grande trabalho, o Centro Sportivo Alagoano se consagrou
campeão alagoano. Entretanto, um protesto do clube rival, o Clube de Regatas
Brasil, fez com que o Tribunal de Justiça Desportiva desse o título para a
agremiação da Pajuçara que conquistou o titulo no tapetão.
Roberto Mendes já era capitão da equipe e, depois de um desentendimento do
Boleado com alguns diretores, coube a ele transmitir ao zagueiro que estava
dispensado do plantel azulino. O treinador Dudu ficou do lado do atleta e
também deixou o Mutange. Roberto lamentou muito a saída do Dudu que era um
grande técnico e uma criatura maravilhosa. E foi Dudu o melhor técnico com quem
trabalhou. Era amigo dos jogadores, consciente do seu trabalho e entendia tudo
de futebol.
Para
substituir Dudu, o CSA trouxe Pinguela, um mineiro que trabalhava no futebol
baiano e tinha sido jogador do Bangu e do Vitória. Ele soube conquistar a
amizade dos atletas e manteve um bom relacionamento com dirigentes e
torcedores. Muitas vezes, alguns jogadores jogavam contundidos somente para
atender seu treinador Pinguela. E foi assim que Roberto Mendes e seus
companheiros conquistaram o título de campeão de 1963. Foi uma campanha
sensacional. O CSA venceu o CRB três vezes durante do campeonato e pelo mesmo
placar: 3x2. A decisão do campeonato continua viva na memória de Roberto
Mendes. Foi em uma melhor de três. No primeiro jogo: CSA 3x2. No segundo: 0x0.
Na decisão: CSA 4x2. Na semana que antecedeu a terceira partida, jogadores e
técnico do clube do Mutange fizeram um pacto: ganhar o campeonato e dedicar à
torcida o título de campeão. Roberto apenas lamenta o que a diretoria do CRB
fez com Tonho Lima. No jogo de 0x0, Tonho Lima perdeu um pênalti e foi acusado
de ser torcedor do CSA. A verdade é que o CRB tinha um grande time, mas com
Tonho Lima jogando. A injustiça veio com o afastamento do craque do jogo da
decisão. Quem perdeu foi o CRB.
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CSA - 1961 |
No ano seguinte, o técnico Pinguela não acertou sua permanência no clube do
Mutange e se transferiu para o clube da Pajuçara. Veio Hélio Miranda que também
realizou um belo trabalho. O time estava embalado e perdeu o título no último
jogo contra o próprio CRB. Para Roberto, o CSA tinha tudo para conquistar o
campeonato. Chegou a fazer o primeiro gol. Depois, em um lance de infelicidade
da defesa azulina, Dão empatou para o CRB. Um empate de 1x1 na Pajuçara deu o
campeonato ao clube de Pinguela. Depois, a partir de 1965, começou a grande
fase do Roberto Mendes e do Centro Sportivo Alagoano. Era o início do segundo
tetra campeonato para o clube do Mutange. Roberto Mendes ficou até o tri
campeonato. Ainda em 1965, houve um problema entre o presidente Nilo Floriano
Peixoto e o treinador Hélio Miranda. Como líder e capitão do clube, Roberto
ficou como técnico de maneira provisória. Como o time ganhou o Torneio Início
com uma boa apresentação, todos insistiram para que Roberto ficasse como
jogador e treinador. Com seu carisma e liderança, ele conseguiu uma brilhante
campanha que culminou na conquista daquele que seria o primeiro de uma série de
quatro títulos que garantiu o tetra. Os jogadores azulinos gastavam a
gratificação antes do jogo.
Era uma
integração total entre diretoria, torcedores e jogadores. Houve apenas uma
derrota. Um tropeço diante do ASA de Arapiraca que venceu por 1x0. O título foi
conquistado depois de uma melhor de três com o Capelense. Foram realizados dois
jogos. No primeiro: CSA 4x0. No segundo: CSA 3x0. Não havia dúvida da
superioridade dos azulinos sobre seus adversários. Roberto ficou como treinador
até setembro de 1967. Mesmo assim, continuou ajudando o clube até o início do
campeonato de 1968. Estava fazendo o curso de Economia, era deputado e não
tinha tempo para se dedicar mais ao futebol.
No dia sete de setembro de 1967 fez sua despedida num clima de festa no
Mutange. Guarda com carinho o tempo que passou defendendo o Centro Sportivo
Alagoano dentro e fora dos gramados. Apesar de ter sido profissional, na época,
o dinheiro era pouco. Tudo se fazia por amor. Aqueles que tinham sido
contratados de outros Estados recebiam o suficiente para se manter. Roberto não
precisa do dinheiro do futebol para viver. Fazia parte de uma família de
projeção em nossa cidade e não tinha problemas financeiros. Muitas vezes,
ajudou companheiros de clubes emprestando dinheiro, que normalmente não tinha
retorno. Para ele valeu a pena. Se tivesse que começar tudo de novo, voltaria a
trilhar o mesmo caminho.
Para Roberto Mendes, a concentração é válida. Primeiro, porque o atleta fica
junto com os companheiros por uns dois dias para enfrentar um jogo importante.
Muitos não gostam da concentração, contudo une mais o plantel. Oferece repouso,
recuperação dos treinos e cresce mais a amizade entre os jogadores. Quando se
decide um campeonato, isso é fundamental. O que não é bom é a concentração mais
longa, porque irrita o jogador que fica longe da família. O maior problema é
que a diretoria não tem confiança no atleta, principalmente naqueles que não
têm raízes em nossa terra. Esses vêm mais como profissionais, mais pelo
dinheiro. Eles não têm amor ao clube. Os da terra ganham dinheiro, entretanto
têm amor pelo clube. O ambiente dentro de um plantel é muito importante para
conquistar os títulos. É necessário que a torcida sinta a garra no atleta, a
vontade de vencer e a vibração ao vestir a camisa do clube.
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Campeão 1963 |
Roberto Mendes contou alguns casos que ocorreram nas concentrações do Centro
Sportivo Alagoano. Em 1965, o CSA concentrava seus jogadores numa casa que
ficava na esquina da Rua Ayres Saldanha com a Comendador Palmeira. Os jogadores
gostavam de jogar baralho, o que era permitido desde que não tivesse dinheiro no
meio. Certa vez, Roberto foi ao quarto onde estavam Canhoteiro, Arcanjo,
Ratinho e Zé Cláudio. Ao olhar pelo buraco da fechadura, ele viu os atletas
injetando aguardente na fruta caju. Os cajus estavam num tamanho fora do comum.
Depois de algum tempo, Roberto resolveu bater na porta. Quando entrou e viu os
cajus, disse que era a fruta que mais gostava e nunca tinha visto cajus tão
bonitos. E pediu os cajus como presente para levar para casa. Pela liderança e
amizade que havia entre o capitão do time e seus companheiros, Roberto recebeu
o presente dos atletas que estavam meio sem jeito e com sorrisos amarelos.
Outro caso aconteceu com Zé Cláudio. Ele tinha o hábito de comer doce após o
almoço. E comia muito. Isso chamava atenção de todos, pois Zé Cláudio comia
meia lata de doce como sobremesa. Nos dias de jogos, tentava-se evitar que ele
comesse tanto. Todavia, não tinha jeito. Se não comesse, não rendia o que
podia. Era um problema psicológico.
Naquele plantel de 1965, havia dois jogadores da mesma posição que eram muito
unidos: Deda e Ratinho. Um dia, um dos dois perdeu a gratificação por
indisciplina, e eles resolveram se unir. Exatamente na manhã de um jogo,
decidiram ir a um boteco que ficava perto da concentração e começaram a beber.
Roberto, alertado, foi até o boteco, viu e não fez nada. Na hora do almoço, os
dois chegaram mais ou menos embriagados. Roberto também não disse nada. Na hora
do jogo, escalou um e disse para o outro que ele entraria no segundo tempo. E
completou: o que jogasse pior seria multado em 60%. Nunca se viu os dois
correrem tanto como naquela tarde. Fizeram uma grande partida.
Roberto não poderia deixar de contar uma viagem maluca que foi feita com a
delegação do CSA para a cidade de Barreiros no Estado de Pernambuco. No sábado,
os jogadores viajaram de ônibus para jogar no domingo. Era um ônibus velho do
torcedor azulino Bonifácio Calheiros. Por várias vezes, o ônibus quebrou e tiveram
que dormir na própria condução em Porto de Pedra (divisa com Pernambuco). No domingo,
ainda estavam na estrada e com o ônibus na oficina. Com os jogadores cansados e
irritados, ficou acertado com o técnico Roberto Mendes que, se o ônibus não
ficasse pronto até doze horas e quarenta minutos, todos estariam liberados para
tomar banho no rio e beber uma geladinha. Sem ônibus para prosseguir, a
liberação foi geral. Ninguém pensava mais no jogo. Acontece que as treze e
trinta, o ônibus ficou pronto.
Mesmo sem
condições, os jogadores entraram na condução e seguiram para Barreiros. A diretoria
tinha viajado para Barreiros de automóvel e pela Via Expressa. Quando a
delegação chegou ao hotel, os dirigentes do CSA já estavam aguardando o time. E
foi uma cena desagradável. Os jogadores desceram do ônibus trocando as pernas.
Envergonhada, a diretoria se afastou. Roberto juntou o grupo e pediu para
mostrar que sabiam jogar mesmo naquele estado. Todos fizeram um juramento,
trocaram de roupa e foram para o jogo. O CSA jogou muito bem, ganhou o jogo e
mostrou que o time daquela época jogava até movido a álcool.
Para Roberto, os dirigentes às vezes atrapalham. Na sua época até que eram
bons. Era mais amor. Hoje o lado profissional pesa muito. Muitas vezes, o
dirigente interfere no trabalho do técnico. Muitos desses treinadores aceitam a
interferência para sobreviver. É tipo da coisa que o atleta não gosta. Quando
era técnico, não permitia palpite de dirigentes, por isso tinha a liderança de
seus atletas. Ele sabia que o Coronel Nilo gostava de mandar em tudo. Sabendo
disso, procurava manter certa distância, não dando espaço para sua
interferência no trabalho de campo. Quando passou a ser diretor, nunca
interferiu no trabalho de seus treinadores e lutava, junto à diretoria, pelos
direitos dos jogadores. Roberto fez um paralelo entre os presidentes Vicente Bortolini
e Coronel Nilo. Bortolini foi o primeiro a trazer jogadores de outros Estados
para o plantel do CSA. Era mais aberto e conversava com o resto da diretoria
antes de tomar qualquer decisão. Era mais pacato. Coronel Nilo era um presidente
mão de ferro. Centralizava tudo para ele. Só ele decidia. O resto da diretoria
apenas aceitava. Responsabilizava-se pela parte financeira e terminou pagando
caro por isso. Mesmo assim, era um homem bom, um cara maravilhoso. Tudo que ele
fazia era por amor ao CSA.
Quando voltou ao CSA como dirigente, viu tudo com muita tristeza. Houve uma
regressão em termo de valores. Encontrou no CSA um ambiente de desconfiança. Os
atletas não confiavam na diretoria. Roberto procurou se aproximar dos jogadores
e mostrar que ele nunca poderia ser um cartola. Tinha vivido a melhor fase de
sua vida como jogador e treinador do clube. Procurou jogar aberto e teve
algumas decepções em relação à falta de responsabilidade de certos jogadores.
Roberto abriu todas as portas. Brigou nas reuniões com companheiros de
diretoria para manter certo critério de comportamento em relação aos atletas,
principalmente na parte financeira. Ele conseguiu sensibilizar a diretoria, mas
foram os atletas que o decepcionaram. Apesar de tudo, citou três jogadores que
o impressionaram: Dequinha, Adeildo e Romel. Atletas de primeira qualidade e
muito bons de caráter. Jogavam bem o futebol e eram seres humanos maravilhosos.
Se não houvesse concentração, esses três saberiam como se cuidar. Eles eram de
inteira confiança.
O mesmo,
Roberto não pode dizer dos outros jogadores. Apesar dos problemas que
encontrou, chegou com o mesmo entusiasmo do seu tempo de jogador. Exigia dos
atletas desta geração, a mesma dedicação para defender o CSA. Jogador que veste
a camisa azulina tem que sentir as emoções, a união e força que ela representa.
Tudo isso era cobrado por Roberto Mendes. Ele sempre quis um time vencedor.
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Nilo Floriano e Roberto Mendes |
Os melhores que viu atuar foram aqueles que participaram com ele nas campanhas
do CSA: Elias, Jernan, Sinval, Bernardo, Marinho, Sílvio Mário, Eric, Ratinho,
Deda, Arcanjo, Tonho Lima e Canhoteiro. Formavam um plantel que jogava para
vencer. Foi com este plantel que Roberto sentiu suas grandes emoções. O
campeonato de 1965, ano do sesquicentenário, foi uma emoção diferente. Sentir a
torcida invadir o campo e carregar seus ídolos era uma visão maravilhosa. O
gramado da Pajuçara se transformou num imenso palco para festa azulina. O
título conquistado, a missão cumprida e a torcida feliz. O que poderia querer
mais o consagrado Roberto Mendes? Era só comemorar. Manoel Amaro e Cláudio
Régis foram os árbitros que mais lhe agradaram. Eles tinham muita coisa
parecida. Manoel Amaro foi muito bom, mas a diretoria e torcedores do Clube de
Regatas Brasil achavam que era azulino e que errava sempre a favor do Centro
Sportivo Alagoano. Os azulinos duvidavam da honestidade de Cláudio Regis que
tinha jogado no CRB. O certo, porém, é que os dois eram pessoas maravilhosas e
honestas. As desconfianças partiam de torcedores fanáticos.
Como diretor, ganhou alguns títulos e sempre desejou que o CSA desse
oportunidade a seus atletas da base. Os que saíssem dos juniores e não fossem
incorporados ao plantel profissional, poderiam ser emprestados para ganhar
experiência e, quando voltassem ao Mutange, teriam mais oportunidades no time
titular. Roberto tinha o sonho de um dia ver o CSA com o time formado por
jogadores do próprio clube. Ele nunca se considerou um cartola. Não se sentia
bem quando chegava a hora da renovação de contrato de alguns atletas ou novas
contratações. Procurava não participar. Apesar de tudo, reconhece os méritos do
presidente João Lyra. Afinal, foi uma diretoria vencedora. Conquistou muitos
títulos. Depois que deixou de jogar profissionalmente, Roberto continuou
participando das peladas com os amigos. M esmo com mais de cinquenta anos, lá
estava Roberto Mendes correndo atrás da bola nos fins de semana. Certamente,
deixando a bola correr mais do que ele. Entretanto, o entusiasmo continuava o
mesmo. Sem fumar e sem beber, o antigo craque do CSA sabia se cuidar muito bem.
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