quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

[SERTÃO: ECONOMIA: PECUÁRIA LEITEIRA: QUEIJO: MAJOR IZIDORO: ALAGOAS] Ariadne Aguiar Vitório Mendonça. Da cozinha da casa de fazenda às fabriquetas de queijo: traços da cultura artesanal no semi-árido nordestino



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MENDONÇA, Ariadne Aguiar Vitório. Da cozinha da casa de fazenda às fabriquetas de queijo: traços da cultura artesanal no semi-árido nordestino. O Jornal. Maceió, 7 dez. 2008. Espaço. 
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Umas poucas palavras
Luiz Sávio de Almeida






Espaço vai à zona rural e visita o semi-árido das Alagoas em busca do que está acontecendo no âmbito dos pequenos laticínios que subsistiram por anos e anos na rotina, mexida pela introdução da idéia de mercado ou adequação às normas que pretendem renovar a produção, sistematizando-a e interferindo nos ganhos do produtor ao dar-lhe possibilidade de presença no universo do consumo     "modernizado". A idéia prevalecente é que a saída        para mercado necessariamente rearticula as chamadas formas tradicionais, modo de ser que não se enquadra no universo das transformações que estão sendo articuladas.

As interferências no que é chamado – grosso modo - de sertão (categoria elástica sobre as terras no oeste profundo do estado) e mas especificamente sobre uma área conhecida como bacia leiteira, vem estabelecendo novos padrões de relacionamento na estrutura da produção leiteira, fazendo coexistir uma mescla de circunstâncias que passa pelo empreendimento de natureza capitalista até mesmo articulado à cadeia internacional, pelo empreendimento que se refere ao sistema cooperativo e pela pequena produção rural. O dito progresso não perdoa a produção tradicional e, obrigatoriamente, a desloca sob argumentos que se delineiam dentro do escopo de mercado, onde aparecem um guisado de lucratividade, competitividade e por aí segue o rosário desenvolvimentista centrado nas atualizações das estruturas produtivas.

Tudo isto termina por interferir no cotidiano queijeiro da região do semi-árido alagoano, gerando modificações que terminam, obrigatoriamente, incidindo sobre o espaço construído e sua forma tradicional de ocupação, matéria da preocupação direta de Ariadne cujo trabalho passa por esta discussão e leva-nos a uma indagação mais profunda: o que está acontecendo no sertão? Como a pecuária leiteira vai vivendo sob novos aportes do capital? Como o estado chega ou não chega lá? Quais as formas de mercado que começam a afetar o universo da produção Este seu artigo foi desenvolvido para uma disciplina que ministro no mestrado da FAU e ela tem como título A Formação do Espaço Alagoano. Esta matéria publicada foi vista pelo orientador de sua dissertação, Professor Dr. Alexandre Márcio Toledo. Os nomes de  informantes e estabelecimentos são fictícios.


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O que faz Ariadne!

Arquiteta e urbanista, professora da Escola Agrotécnica de Satuba, mestranda DEHA-UFAL cuja pesquisa desenvolve-se em torno da caracterização das tipologias das queijarias no município de Major Izidoro-AL.
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Depois de séculos de ocupação com a atividade pecuária, a região do semi-árido de Alagoas transforma-se de forma lenta e fragmentada, sobretudo a partir das imposições do mercado de laticínios, feitas através dos órgãos governamentais de regulamentação. As formas características das queijarias vão se deslocando gradualmente para espaços anexos às casas, ao mesmo tempo que surgem novas formas e modos de divisão do trabalho. É possível identificar o processo de alterações nestes espaços, que revelam a dinâmica do processo social e podem ser entendidas como expressões de mudança no local. Essas transformações foram analisadas em 12 das 57 unidades de produção queijeira existentes no município de Major Izidoro, que detém a maior quantidade deste tipo de estabelecimento rural no estado.

As queijarias surgem como estratégia de aproveitamento do leite, que é caracterizado como produto perecível. Dadas as condições de acesso aos centros consumidores dificultadas pela distância e condições de transporte, o leite torna-se inviável se vendido in natura. Segundo Andrade (1986, p.165), "o leite no sertão só tem valor comercial in natura nas proximidades das grandes cidades, sendo transformado em requeijão e em queijo ncoalho nas fazendas mais distantes". Ainda segundo o mesmo autor (1986, p.165), ao vaqueiro cabia a administração da fazenda, e também as atividades relativas à criação, conduzindo o gado para as pastagens, recolhendo-o no final da tarde; cabia-lhe, inclusive, a ordenha das vacas, enquanto a "sua família se encarrega da fabricação, por processos rotineiros, do queijo e da coalhada".

Essa atividade era desenvolvida especialmente pelas mulheres e tinha a função de abastecimento familiar, conforme se pode entender a partir de texto de Barroso (1930, p.180), em seu livro "Terra de Sol", datado do início do século XX, quando realça a posição feminina no contexto da produção doméstica, assinalando as tarefas que eram executadas: "a mulher do sertão cuida da casa, faz o queijo, ajuda na colheita e no plantio dos roçados.

Como seria de esperar, as construções das habitações dos trabalhadores das fazendas eram simples, em face, inclusive, da insegurança quanto à fixação no local. Até mesmo as sedes das fazendas não possuíam os investimentos em materiais, acabamentos e mobiliário, por exemplo, que ocorriam nas sedes das fazendas das zonas canavieiras, se bem que deve pesar, neste contexto, a desigualdade de renda presente nos dois locais de produção. Os proprietários sertanejos, via de regra, não residiam nelas, deixando ao vaqueiro  a administração.






Era nas cozinhas dessas habitações, principalmente na do vaqueiro, que se produziam os derivados do leite, como o queijo tipo manteiga, a conhecida "manteiga do sertão" e o queijo tipo coalho, que faziam parte do cardápio regional. De início, o queijo surge com o objetivo de consumo familiar, transformando-se com o tempo em atividade também comercial: “A cozinha acumula as funções de queijaria. Junto às trempes toscas ou aos grandes fogões de alvenaria, rente às prateleiras pejadas de louça grossa, encostada à parede de tacaniça, a gasta prensa de fazer queijo repousa numa aluvião de moscas que a cobrem, sussurrando (BARROSO, 1930, p.193).

Passado em torno de um século pode-se observar em algumas destas fazendas elementos que ainda permanecem presentes, como é o caso do uso da prensa de madeira e a grande quantidade de moscas, apesar das mudanças que ocorreram nos sistemas produtivos e nos padrões de consumo. Tais mudanças são significativas tanto nas construções das habitações quanto na forma de exploração dos derivados do leite como produto comercial, permitindo que as pessoas diversificassem as suas atividades, surgindo novas funções.

Do ponto de vista restrito da arquitetura, ocorreu uma adaptação da forma à função; do ponto de vista econômico a mudança aconteceu, sobretudo, ao se conferir valor de mercado aos derivados do leite. Este binômio forma-função é ressaltado por Hertzberger (1999, p.103) ao afirmar que "a forma é capaz de adaptar-se a uma variedade de funções e de assumir numerosas aparências, ao mesmo tempo que permanece fundamentalmente a mesma". Isso nos ajuda a discutir a natureza das mudanças ocorridas no fabrico do queijo; elas não  conseguiram alterar por completo o complexo da produção, apesar da mudança do espaço e das interferências na estrutura.

Em toda a região existe uma variedade de pequenas propriedades que possuem praticamente a mesma  estrutura, constando da habitação cercada de pequenas construções que dão suporte à criação de galinhas, porcos e gado, além da queijaria. A queijaria, por sua vez, pode ser classificada em uma espécie de escala que possui em um dos extremos a dependência da planta em relação à casa do queijeiro, e no outro extremo, o alcance da total independência, com um programa de necessidades previamente definido e planejado com suporte técnico, permitindo que todas as etapas da produção tenham um ambiente próprio a sua execução, como também apoio aos empregados. Esta variação se dá em relação ao tamanho das construções, à quantidade de ambientes e à quantidade e à qualidade dos produtos fabricados, enquanto a uniformidade da estrutura existe como repetição na utilização de arranjos espaciais relativos aos tipos de produção complementares da fazenda ou propriedade rural. Essas atividades estão presentes tanto nas mais simples propriedades, quanto naquelas que possuem um grau maior de organização e de investimentos, o que indica que esse tipo de estrutura faz parte de uma experiência vivida no cotidiano, com hábitos e costumes característicos do sertão nordestino.

Hoje a fabricação é realizada também por pessoas que não fazem parte da fazenda de gado, existindo várias atividades correlatas, como a compra,  a revenda e o transporte do leite, a posterior fabricação dos derivados, com  o ingresso da complexa figura do atravessador.Isso é percebido, por exemplo, observando-se a intrincada rede  de relações que tende a gerar novas divisões de trabalho, à medida que a produção aumenta e alcança mercados que atravessam as fronteiras na condição de produto tradicional do sertão nordestino, com valor regional consolidado ao longo do tempo.

Na prática, as relações não seguem um mesmo modo de lidar com a produção; embora façam parte de uma mesma categoria, existem situações particulares. O Sr. Manuel Silva junto com sua esposa Josefa e seus filhos ainda criança vivem em uma pequena propriedade rural a 13km da cidade de Major Izidoro, constando de uma casa que está conectada com as atividades produtivas, como a criação de galinha, de porcos, de algumas vacas e uma fabriqueta de queijo. Por causa do tamanho reduzido do espaço de fabricação   (aproximadamente  6m²), utiliza as dependências da casa para complementar o programa de necessidades da fabriqueta, tanto na cozinha para armazenamento dos  queijos na  geladeira e freezer, quanto  no banheiro e no terraço onde recebe as pessoas, que também é ocupado em parte por um tanque de refrigeração. Na sala de jantar, senta para organizar suas contas.

A  fabriqueta funciona com o leite  fornecido por algumas dezenas de pequenos produtores vizinhos. Manuel possui poucas cabeças de gado leiteiro, mas há alguns anos ele não as possuía, e começou neste ramo já enraizado na cultura local como revendedor de leite. O controle da produção de leite é feito com anotações diárias em uma caderneta, em que consta o nome ou apelido do produtor, o dia e o volume de leite recebido. Ele recebe 2.000 litros/dia, de 90 fornecedores; o leite fica armazenado no tanque de refrigeração cedido por uma cooperativa, localizado no terraço da sua residência. A maior parte do produto destina-se à venda para a cooperativa. Ele utiliza 800 litros/dia de leite para a sua fabriqueta de queijo. Sua fabriqueta não possui nome, nem registro dos órgãos fiscalizadores.

Um dos vizinhos que utiliza o tanque de resfriamento para vender o leite à cooperativa é o Sr. José Santana, que exerce em sua propriedade as mesmas atividades desenvolvidas na do Sr. Manuel. Sua fabriqueta tem dimensões semelhantes e localiza-se ao lado da sua casa. Ele recebe o leite de outros 20 pequenos proprietários. Apesar das semelhanças na configuração do espaço e nas atividades, eles não possuem os mesmos ideais em relação a projetos futuros: enquanto o Sr. Manuel começou a investir junto com outra pessoa na compra de um terreno para montar um laticínio nos moldes da legislação estadual, apesar das parcas condições financeiras, o Sr. José Santana, que possui um mercadinho na cidade, avalia que será melhor ampliar suas atividades no comércio, acreditando em prejuízos se continuar a fabricar queijo de forma clandestina, sujeitando-se aos riscos decorrentes tanto da baixa lucratividade da venda do leite e do queijo em relação aos custos de produção, quanto de ter seus produtos apreendidos nas barreiras fiscais durante o transporte para os locais de consumo.

Seguindo a escala de classificação  das queijarias, há aqueles que se encontram num nível intermediário, graças às melhorias empreendidas no espaço, em pessoal, em equipamentos e, conseqüentemente, na qualidade higiênica de seus produtos. Normalmente esses investimentos  são realizados sem a utilização de financiamentos bancários, com a venda de boa parte do plantel dos animais de criação da propriedade. O risco parece ser necessário diante das constantes ameaças dos órgãos controladores da atividade, embora se sintam prejudicados pela concorrência.

Um outro proprietário de fábrica  de queijo, o Sr. Aparecido Santos, diz que a exigência dos bancos de hipotecar  a propriedade, que não é só sua, para conseguir um financiamento, torna inviável qualquer empréstimo,  pois a ameaça de perder a terra representa um risco à sobrevivência de toda a família. As características simples das habitações e dos espaços de produção são preciosas enquanto valor sóciocultural. Aexistência dessas relações se dá de forma dinâmica, revelando possibilidades de desenvolvimento sustentável para a região, embora contrariem as regras atuais do capitalismo, com tendência às grandes corporações e à concentração produtiva.

Torna-se imprescindível, em qualquer tipo de intervenção local, o olhar individualizado sobre essas relações que de início parecem fazer parte de uma mesma categoria, mas que possuem nos seus fragmentos, ritmos e formas variadas de vida. É importante salientar que as fabriquetas surgem como uma possibilidade real de produção, fazendo parte de uma tradição em um meio natural que se mostra inadequado para a prática da agricultura tradicional, por causa das condições edafo-climatológicas. Há, portanto, necessidade de se ponderar as imposições que parecem intransponíveis sem um apoio governamental, ante o valor sócioeconômico e cultural dos pequenos estabelecimentos rurais.  O forte apelo à higiene e à qualidade dos produtos lácteos parece esconder razões que estão além da preocupação com a saúde do consumidor e que têm relação com a necessidade de expansão do consumo, querendo a todo custo abocanhar mercados tradicionais como a produção artesanal de queijo.


REFERÊNCIAS:
ANDRADE, Manuel Correia de. A terra e o homem no Nordeste: contribuição ao estudo da questão agrária no Nordeste. 5ª
ed. Ed. Atlas, São Paulo, 1986.
BARROSO, Gustavo. Terra de sol: natureza e costumes do Norte. 3ª ed. Livraria Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1930.
HERTZBERGER, Herman. Lições de arquitetura. Trad. Carlos 






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