segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

[HISTÓRIA E MEMÓRIA] Rua da Penha: vedetes, política e costumes



A rua da Penha: vedetes, política e costumes

Luiz Sávio de Almeida



A VEDETE E O PRESIDENTE


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A música rival de A Balzaquiana aparece com Francisco Carlos, El Broto e foi muito cantada na Penha. Curiosamente, os autores eram Luiz Gonzaga e Humberto Texeira. A palavra brotinho, segundo Ziraldo – com o significado que assumiu – vem de A Normalista de David Nasser. Chama atenção o espírito carnavalesco que o Seu Lula e Humberto Texeira conseguiram produzir. O brotinho aparece em outra marchinha: Sassaricando, cantada pela Virgínia Lane, as mais belas pernas do Brasil e bem conhecidas por Getúlio Vargas. A própria Virgínia contou seus 15 anos de amor com Gêgê e garantiu que estava no Catete no dia da morte dele, afirmando que ele jamais se matou. Durma-se com um tiro desse! Ela não era bonita, mas sem dúvida suas pernas eram um vestígio da primitiva Eva, embora que, na minha cabeça, Eva devia ser automodável, ora ficando belíssima ou dragão. Adão deve ter escolhido na hora certa e a Serpente foi a primeira cafetina do mundo. Se Adão tivesse mexido em Eva sem a interferência da Serpente, haveria pecado original?
 
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 Um dos grandes sucessos da vedete foi Sassaricando. Para mim, Sassaricando e a Chiquita Bacana são ícones de folia. A primeira faz surgir um verbo maravilhoso e sabe que todo mundo leva a vida no arame; a segunda, cria um poderoso ser a vestir-se com a casca de uma banana nanica e somente fazia o que o coração mandava. Resultado: para sassasaricar mesmo, somente uma Chiquita Bacana dita existencialista,palavra que nos versos é pessimamente utilizada, mas que ficou com formoso hit carnavalesco.Dessas revistas famosas, nada vi, mas sim as suas versões cinematográficas, conforme entendo que tenham sido as chanchadas. No entanto, cheguei a ver o grande Mesquitinha e acho que foi no Recreio no Rio, levado pelo meu pai que adorava o que vou chamar de burlesco, para não me referir a uma safadeza inteligente. Pois foi quando conheci o Mesquitinha e acho que eu já estava morando em Bicas, Minas Gerais, cidade perto do Rio de Janeiro.
 

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O interessante é que não me lembro de ter visto as chanchadas em Penedo. Na certa vi,  pois nomes como Grande Otelo e Oscarito não eram desconhecidos por mim: eram os dois maiores comediantes do Brasil. Mas eu forço e forço e o cinema nacional não aparece na cabeça. Não sou especialista, mas acho que na linguagem do cinema repete-se a concepção das revistas, especialmente no que era chamado de filme deCarnaval. Repito que não me lembro dele em Penedo, aliás, eu suponho recordar que filme nacional não era tão bem visto assim pela molecada, pois o negócio efetivamente era o cowboy e os seriados, passando  pelos piratas.

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De Getúlio, lembro de sua ida à Rua da Penha, entrando numa casa verde que ficava em frente a do pai da Dona América. Era muita gente. Fiquei vendo da porta lá de casa; não me deixaram ir. Também me lembro da ida do Brigadeiro; esse, papai nos levou e tiramos até uma fotografia. Era o Brigadeiro Eduardo Campos. Foi no aeroporto em Penedo; não recordo do que fez na cidade. A fotografia ainda existe. Getúlio e Brigadeiro ficaram na minha cabeça, com suas candidaturas em 1950.



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Existia uma marchinha de Carnaval que falava no pirata da perna de pau. É uma gravação de 1947 com Nulo Roland e o compositor era o famoso João de Barro, o Briguinha. Lembro que se cantava contra o Gêgê uma paródia dessa música. Ouvi muito também o seguinte, mas pela rádio:

Borombombom, estourou o foguete
Borombombom,  o  Gêge tá no Catete!



As vedetes que me restaram
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Luz del Fuego

 






As vedetes ficaram famosas no teatro de revista e durante anos representaram padrões de desejos. Uma ultra famosa foi Luz del Fuego e ela realmente era merecedora e se fez presente no imaginário penedense da época. Foi em 1944 que começou a bailar com suas serpentes em um circo no Rio de Janeiro e é aí que começa a vedete. Belíssima, dominava a cena comseu tipo nacional. Irmã de um senador da República devia ser um calo no sapato político dele, especialmente depois que publica seudiário, deixando inúmeros inconvenientes expostos, escancarados. Ela tinha cabeça e enfrentava com suas propostas públicas; não era apenas uma vedete, mas uma vedete que atanazava. É uma figura que merece um belo estudo, mas sua vida era absolutamente podada pelas senhoras que viam o pudico ser levado no deboche. Ela terminou tragicamente morta na década de sessenta, já sem a riqueza, o prestígio e a beleza.

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Elvira Pagã


















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Mara Rúbia




 
Outra mulher de cuja existência se sabia, mas que não poderia por vias oficias tornar-se penedense, era a Elvira Pagã, dita a primeira mulher a usar biquíni no Rio de Janeiro, em Copacabana, 1950; Rainha do Carnaval no Rio de Janeiro, morreu meio caduca. Era uma turma de primeira linha, como Mara Rúbia e tantas outras, consideradas assim como o diabo em pessoa. Mas elas existiam como prova de que a luxúria se fazia nas fraldas de Penedo.

 



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Não chegavam ainda a me atentar. A Companhia Walter Pinto me atentou pelos anos finais dos cinqüenta e começo dos 60, com as vedetes maravilhosas em espetáculos, por exemplo, na Festa da Mocidade do Recife. Títulos como Tem Bububu no Bobobo, É Xiquexique no Pixoxó não podem sair da lembrança. Walter Pinto alterou o teatro de revista que se esboça nos finais do século XIX, teatro que em grande parte e junto com as emissoras, será responsável na montagem de um cenário de profissionalização do músico brasileiro.




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O elenco do tem Xiquexique no Pixoxó


E voltando ao sebite

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Acho este termo sebite de propriedade espantosa. Quem já viu um sebite, sabe da propriedade de aplicá-lo à mulher amostrada, exibida. O sebite é frenético, jamais para; baixa e levanta, olha e desolha... Eu particularmente acho que é um belo pássaro, estando desaparecido como a garrincha, aquela espécie de casaca de couro pequena.

     Não se escuta mais o pitiguari. É a casaca de couro que, como fala a genial música de Rui de Moraes e Silva, cantada pelo Jackson do Pandeiro vive de combinação: Cantando as duas na telha. Mas a parte da saudade de pássaros será em outro lugar. Eu gosto de mexer com música. Entendo perfeitamente as recordações que faziam o
Lincoln Cavalcante publicar uma coletânea. Minha irmã tinha uma coleção de cadernos cheios de letras e mais letras.

    Aliás, a primeira letra de música que ficou na minha cabeça – não que eu me recordasse, mas pela história repetidamente contada por minha mãe – é dá influência da II Guerra Mundial, ela levando a uma fala particular sobre o amor. Foi cantada pelo Gilberto Alves pela Odeon. A letra era de Roberto Martins. Eu não estava em Penedo, mas em Pirapora (1944), Minas Gerais e esse era tempo mesmo de guerra:

Pra mostrar que braço é braço,
Eu conquistei Cecília
Enfrentei balas de aço,
Mas conquistei Sicília.

A guerra e meu nascimento

      Madrugada e tudo escuro, com o medo dos submarinos alemães atacarem; era o famoso blackout. Rua Mato Grosso, a casa ainda está em pé. Lá dentro, minha irmã, minha tia Nini, meu pai. Tio Lauro saiu no meio do escuro para buscar o médico: João
Azevedo. Tia Nini estava ali para ajudar a minha mãe: solidariedade de irmã. Chega o médico; situação feia. Sou arrancado a fórceps e ainda conservo a marca do ferro na testa. Já estava numa situação precária, quase roxo, e como se diz, a tripa enrolada no pescoço. O médico pega e não choro; é um custo e berro, ainda obstinado para viver. Entrei no mundo à custa de um fórceps. Olhei a vida durante um blackout.

     Quase que imediatamente fui colocado em um trem para Capela, assim que o resguardo da minha mãe permitiu. Passei um tempo sob os cuidados da Tia Nini e fui batizado na Matriz da Capela, tendo ela como madrinha, Tio Isaís como Padrinho, José Edson (filho da Nini) como padrinho e a Leda (filha), madrinha. Da forma como minha família pensava, eu fui entregue à responsabilidade da Tia Nini que passou a ser a Dindinha, modo como fui acostumado a tratá-la. Da Capela, voltei para Maceió e peguei um Ita com direção ao Rio de Janeiro e de lá para Pirapora foi de trem. Em suas memórias, meu pai conta sobre a viagem. Na volta, o navio era afundado. Guerra. Eu estive perto ao nascer no blackout, ao comer no mais absoluto escuro, ao andar no que foi afundado.
A doença do cai-cai

                                                                                  jinaldo.bloguepessoal.com
  
   Contava um amigo e sisudo cidadão, algo que deve ficar registrado e que faz parte da história miúda, daquele picado do dia-a-dia. E é sobre a guerra. Dizia ele que na área de Jaraguá aconteceu uma violenta transformação, com as tropas aliadas  acampando por lá. Segundo ele, a maioria de “americanos” era feita de filipinos e a tropa invadiu a região de Jaraguá, a tal ponto que até posto médico aliado havia na região.
                                                                                                        
   Com isso, aconteceu uma pesada interferência no mercado. A cotação de um programa em Jaraguá antes da minvasão era de vamos supor, Cr$ 10,000. A conquista faz aumentar desesperadamente o preço, colocando a população


nativa fora do páreo: o negócio agora era dollar e a vinte paus. Pronto; havia
Maceió sido atingida duramente em sua vida. Quem podia? Preço duplo e ainda
mais em dollar? Havia sido um golpe fatal na luxuria urbana. Então, houve
uma brilhante e inteligentíssima reação.



     Correu como um raio a notícia de que filipino transmitia uma doença chamada de cai-cai; era fatal, pior do que gonorréia, cancro duro, cancro mole e outros azares


do desregramento, artes do cão. E foi assim que a cai-cai interferiu e quem
fizesse programa com filipino estava marcada, que ninguém era tolo de se
arriscar. O nacional voltou ao mercado com o preço adequado ao seu tamanho
de renda.


     Não sei na realidade, como chamar a essa coisa que é a molecagem coletiva.


Alguém deveria tratá-la. Maceió é cheia disso. Aquilo surge e de uma hora para
a outra está em pleno uso, cutucando aqui, mexendo ali. A grande maioria é
feita por situações engraçadas, como, por exemplo, as histórias do Celite; elas
beliscavam o machismo alagoano, dando até confusão pesada, segundo se
dizia, na Rua do Comércio. Ela é fantástica e a meu ver contraria o repouso no
padrão, e mostra como tudo é possível nos limites de ser efetivamente provável,
por mais extraordinária que seja. Não seria possível caso inexistisse Maceió e
caso inexistisse um tempo de Maceió. Será que eu poderia dar a Maceió o nome
de espaço amostral, onde tudo seria possível e, então, liquidar com a ideia do
absurdo? Mas o que seria Maceió sem aquilo que não era ele e que permite que
ele seja? O que fica liquidado, em qualquer dos casos, é Maceió ou o absurdo?
Vamos cair fora da confusão, mas vou dizer uma coisa: eu jamais apostaria,
mesmo com todas as possíveis vantagens, que aconteceria o caso Celite em
Maceió.


Celite foi o pavor de muita reputação de macho em Maceió. Eram diversas as


abordagens, mas a coisa acontecia mais ou menos assim. O espírito de porco
chegava e dizia: “Olha, eu sou seu amigo e sou obrigado a contar um negócio que
vai deixar você ficar bravo!”. Em seguida perguntava: “Você conhece o Celite?”. A
resposta era não e o espírito de porco dizia: “Aquilo não vale nada; tava dizendo
que você sentava nas pernas dele!”.


Daí vinha o fio dessa, o fio daquela outra... O espírito de porco dizia: “Pois a


Rua do Comércio tá cheia, não sei quantas pessoas vieram me falar. Eu tinha
que te dizer!”. Lá vinha: “E onde esse cara tá, para eu dar-lhe um tiro nos
cornos!”. “Diz!”. E diziam que gente foi bater na casa São Luiz atrás de um
empregado chamado Celite e quase morre de raiva ao saber que Celite era a
marca de um vaso sanitário.


Termina a guerra; papai consegue transferência para Penedo. Como voltar? Havia um dono de teco-teco que vinha para estes lados. Chamava-se Euclides Paletó. Viemos praticamente por cima do rio. Chovia, teto encoberto; sem ver a terra, Euclides Paletó estava perdido. Decide descer, precisava ver onde se


encontrava, o combustível estava acabando.


Desce, olha, estávamos em cima da Paulo Afonso. Não sei como ele pousa. Dormimos por ali. No outro dia, levantamos vôo, chegamos a Penedo à tarde e de nada me lembro. Da viagem restam fotos, mas eu não lembro Fomos para o Hotel Brasil e logo subimos para uma casa no Cajueiro Grande, bem em frente ao Hospital. Somente quando vou para a Rua da Penha é que surge a real percepção de uma


rua.


Não deve ter sido fácil para minha mãe; o desacerto com papai deveria ser quase imediato. Ela vivia de se adaptar e sair. Foi levada para os sertões de Minas Gerais; mal arrumou, mal viajava, se bem que era para perto da família. Talvez pelo estilo de vida, os filhos da Dondon se uniam, procuravam estarem juntos. A tragédia da vida do meu pai, não deu tanta aproximação assim com sua família. Parte estava na baixada fluminense em Duque de Caxias, o pessoal da Donana, tinha gente em


Neves no Rio de Janeiro, tio Joel perdido pelo meio do mundo, tio Arlindo bem de vida no Recife, Tia Eluzanira casada com o Júlio Calixto na Igreja Nova, na região da Palmeira, acho que chegada para Quebrangulo.


Da parte da mamãe, Tia Lurdes, Tio Lourenço e a mãe deles se encontravam em


Arapiraca, depois de terem passado por Limoeiro de Anadia. Fim de ano, arranjava-se
uma forma de ir para a Capela, casa da minha avó, onde moravam Dindinha Nini e Dindinho Isaías. Acasa enchia; primo para todo lado. Tio Isaís era administrador de um engenho, parece que o Pitimiju e todos os dias montava em um cavalo, saía pela manha, depois voltava à tardinha. Sentava, tomava café, conversava bem pouco e se preparava para a jornada do dia seguinte. Tempos depois, ele larga a cana e vai plantar fumo na Lagoa do Peleve, depois de uma experiência que não deu muito certo: o sisal.

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