Este artigo foi publicado em O Jornal (Maceió), no mês de fevereiro de 2008
Faz
pouco tempo e ouvi o que disse uma senhora de uma de nossas favelas: entrevista na
televisão. Ouvi e vi um senhor policial que havia participado de missão na área
e fiquei espantado com os dois. Foi impressionante como o Sururu de Capote
poderia ser uma favela do Rio, e uma favela de lá estar na lagoa, mudando o que
deve ser mudado, cautela que anteponho para não cair no exagero. Alguma coisa
havia acontecido e fez com que se perdesse o senso do local, como se a especificidade
tivesse sido anulada. Fiquei sem entender como uma pessoa daqui poderia falar como
alguma do Rio falaria. Pelo menos, duas constantes estavam na mesa: polícia,
favela, partes de um intrincado labirinto onde segurança e violência se
entrelaçam.
Se
o lugar não estava ali, que mágica havia sido realizada capaz de tornar um espaço
em algo encantado? Algum procedimento teria anulado as diferenças, de tal modo
que a fala de um seria a do outro. Foi
quando comecei a lembrar de uma leitura, faz é tempo, lá pelos idos dos meus
vinte anos. Li com má vontade, pelo namoro com Marx e tratava-se de russo
branco, teórico de nomeada ocidental. Era Sorokin na sua monumental pesquisa
sobre mobilidade social. Um treco que
ele ensaiou, jamais saiu da minha cabeça, qualquer coisa como se eu pudesse considerar
que os pobres de um país fossem mais parecidos com os pobres de outro país, do
que com os ricos do seu. Barbaridade.
Talvez
isto refrescasse um pouco a fala da pobreza, mas como refrescar a da polícia
que é a fala do mando dito legitimado?
Era exatamente igual a outras ouvidas várias vezes e ligadas ao Rio. E aquele
cidadão fardado não existia enquanto pessoa, pois era, na realidade, o estado real falando como se existisse um
outro virtual representado na chamada Constituição. Não estou dizendo que algum atropelo tivesse
sido cometido; não é isso. É a lógica. É
preciso ter claro, que o estado tem muitas faces, são muitos atores que o
representam no andar da carruagem política.
Agora,
talvez eu esteja habilitado a discutir um pouco melhor a questão. Vai parecer frase de efeito, mas não é. A ausência de significado do estado para a
baixa renda tornou possível que de especificidades diferenciadas saísse a mesma
fala. O lugar não sumiu, havia, simplesmente, perdido visibilidade na escala do
problema. O estado estava em realce, isto sim, na sua presença policial. E não é ela que é a presença da segurança, embora
seja necessária.
Na
verdade, tarefas de repressão – embora necessárias – são partes e não a
definição do processo. Se não for visto assim, a idéia de polícia fica prejudicada
e atribuída a ela condições que a tornarão
cotidianamente ineficaz, especialmente quando tende a existir a desigualdade. É
neste ponto que volta a tese: um estado não pode ir bem, quando a segurança vai
mal. E este argumento estende-se à
polícia. Na estrutura do estado os fatores sociais de harmonização devem dar
lastro à polícia. Não se pode esconder o estado e vilanizar a polícia, embora ela
deva passar por total reestruturação. Isto é outra coisa. São outros quinhentos. O estado tem que
reverter sua forma de estar junto à sociedade, e, inclusive, lançar-se à baixa renda e, jamais, utilizar-se
de uma farsa: querer uma polícia que ele não ajuda a existir. Será um grito no
vácuo. Pode ser, contudo, que o estado precise não ter esta polícia e, aí,
infelizmente ele é o vilão e o chamado pacto constitucional viraria matéria
cabalística.
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