domingo, 27 de maio de 2012

[Religião: Protestantismo] Luiz Sávio de Almeida. Batistas, espíritas e anarquistas: política e complô nas alagoas








________________________________________
ALMEIDA, Luiz Sávio de. Batistas, espíritas e anarquistas: política  e complô nas alagoas. Tribuna Independente. Maceió, 13 Mai. 2012. Contexto.
________________________________________________________________________________






Um pequeno bilhete sobre protestantismo e a  necessidade da discussão de sua historia em Alagoas

Faz tempo que ando interessado no conhecido texto do missionário Kidder sobre sua passagem em Maceió. Não que o livro seja obra prima: é sofrível e apressado.  Na verdade, eu me rendi à sua fala sobre nosso porto e, por curiosidade, fui entrando na vida do autor,  aumentando meu  contato com  sua obra.  Não me tornei expert, mas um amigo – como diriam os antigos escribas –  bio-bibliográfico. 

Sempre anotei, despreocupadamente,  o que lia sobre protestantes mas tudo foi ficando à espera de tempo para um tratamento sistemático. Tentei incentivar a realização de  estudos de história  na área da Igreja Batista, Assembléia de Deus e Adventista.  Publiquei artigos sobre a necessidade dos evangélicos produzirem sobre a história de suas igrejas e sobre a necessidade de outras pessoas se debruçarem sobre o processo histórico do grupo em Alagoas.

Sempre fiz uma anotação aqui e outra ali e hoje trago algumas delas, sobretudo construídas em função do livro de Kidder.  É uma espécie de viagem em torno de um missionário e também em torno de minhas lembranças. É como se o texto fosse mistura entre diário e pesquisa. Parte dele estava anotada em diversos cadernos.
Espero que estas observações sejam úteis para fomentar a produção de uma história sobre protestantes que deve  ser discutida e desenvolvida em Alagoas.

Sávio de Almeida




Batistas, espíritas e anarquistas: política  e 
complô nas alagoas

A entrada do protestantismo – basicamente na segunda metade do século XIX – é uma situação complexa do ponto de vista político pelo afrontamento ao mando católico, por conta da intrincada relação do catolicismo com o Estado e modo de construção da sociedade nacional. Lidar com o estado e com a estrutura de valores correntes  não deve ter sido fácil para os que se pretendiam iluminados numa área considerada por bom tempo  como,  missionariamente,  em segundo plano, em face da prioridade que era dada à África e Ásia. 

Este seria um confronto com fórmulas associadas diretamente ao formal do poder  – o catolicismo oficial – e as assumidas no dia a dia do ser católico, inserido nas formas cotidianas da prática associada à sociedade desde os inícios da colonização, formando um corpo de comportamentos que seria, em parte,  o que vem sendo chamado de catolicismo popular ou modos  de concepção e litúrgicos elaborados pela não oficialidade católica.

Então era um confronto de tríplice área de tensão: por cima,  onde estava o nível de autoridade formal, por baixo, onde estavam as práticas cotidianas e, finalmente, na relação que se fazia entre ambas. Em Alagoas –  como de resto no pais – , tinha-se o complexo do clero associado ao poder e às práticas religiosas de formulação não oficial,  além da grande integração que se procedia  através das pregações dos missionários católicos, onde o poder da palavra, da relação com as obras e a pregação fundada no temor ao inferno davam corpo à mentalidade religiosa que se desenvolvia. As chamadas santas missões e a pregação sistemática pela legião de vigários colados ou encomendados faziam um obscuro catolicismo: o de trevas permanente.

REDE DE PACTOS E CONVENÇÕES

O rompimento desta cerca não seria fácil, especialmente pela rede de pactos, convenções e enlaçamentos do agrarismo com a religião. Ela era parte direta do modo como terra e poder atingiam a esfera religiosa e, daí, a particularização do modo de ser do re-ligare alagoano ou a união das duas cidades que Agostinho havia teimado em separar. O  protestantismo seria levado a compor em longo prazo, e isto foi determinando as resultantes políticas de sua atuação, tendendo do conservador à direita, em um caminho que passa a ficar muito claro, sobretudo na década de sessenta do século XX. Isto se dá, inclusive, quando diminui a força do agrarismo em razão dos processos da urbanização que atingiu Alagoas.

Um dos instrumentos mais contundentes para plasmar a consciência religiosa foi  a verdadeira instituição que eram as Santa Missões,  basicamente harmonizadas  com as desobrigas. Mello Morais Filho consegue em um texto simples, assumir a densidade do que as missões acarretavam pelos sertões, pelo adentrado das terras, mas elas também arrastavam nos centros urbanos, criando inclusive Igrejas e Cemitérios, dois pólos da mesma e singela questão da morte.

A desobriga estava entranhada na tradição, o cumprimento do preceito quaresmal e fazia parte das barreiras essenciais ao protestantismo que se enunciava timidamente no Brasil pelos tempos de Kidder. Era um sistema de razões teológicas que se apresentavam – por exemplo – em um livro  de grande circulação chamado de A Missão Abreviada e tida por Cascudo como dos mais populares no Brasil, mesmo nível de Carlos Magno e os Doze Pares de França e do Lunário Perpétuo. Apareceu em Portugal por volta dos fins da década de 50 do século XIX,  escrito por um Padre chamado Manoel José Gonçalves Couto. Conservo um exemplar comigo, depois de uma procura intensa e por um longo período.

Estamos diante de controles sociais  montados para a garantia do mando no complexo do agrarismo, com o catolicismo sendo um dos mais importantes elementos inerentes ao quadro desta configuração do poder e da composição do local. Este caráter de controle foi estudado por Silva (1988) quanto aos sertões. Santana trata de uma possível ambigüidade das Santas Missões; elas não negavam a condição das tradições populares, mas afirmavam a romanização. Talvez fosse melhor dizer, que eram braços oficiais perto da construção não-oficial, uma forma de articulação que o protestantismo jamais poderia dispor à época. Elas decorriam do rumo tridentino conforme Maia (1991) e fortaleciam a destinação religiosa na sagração de um complexo de fé significado na cultura.

A IMPRENSA EM ANDAMENTO

Toda uma ordem de negociação deveria ser estabelecida pelos protestantes, da mesma forma que vai  ser dada com o espiritismo, que também ingressa como fator de mudança e a cada passo vai procurando, mantendo suas características,  assemelhar-se, perder o estigma do absolutamente diferente,  demonstrar-se dentro da vida normal da sociedade e portanto fazendo parte dela no que se implica a ordem do poder. O espiritismo aparecia nos mesmos contornos políticos do protestantismo. Em 1896 circulava em Penedo,  o União Espírita: Orgam da Delegacia da União Espírita de Propaganda no Brazil, demonstrando que já havia uma distribuição territorial de grupos espíritas em Alagoas e não era algo territorialmente ainda enquistado.

Em  1897 dava-se a  presença possivelmente do mesmo União, mas com outro título:  União: Orgam consagrado ao espiritismo e às questões sociais. Conheço  dois números (1900 e 1901) do órgão de uma entidade espírita em Maceió chamada Grupo São Vicente. O jornal era O Espírita Alagoano: Orgam do Grupo S. Vicente de Paula e que antes era intitulado O Spirita Alagoano; possivelmente, havia um grupo de posição teórica diferente do que foi mencionado frente ao kardecismo; ele tinha um jornal em 1901, em Maceió, intitulado A Sciência. Um pouco mais adiante, no ano de 1908 tem-se o Lumem e mostra uma presença espírita mais avançada, desde que era órgão da Federação Espírita Alagoana, na realidade, segundo Joaquim Diégues, uma revista de circulação mensal, impressa  na Typographia Trigueiros. A maçonaria era bem mais antiga, mas não há embate público como o dado com o protestantismo e o espiritismo. Aliás, será publicado pela Lithographia Thrigueiros em 1901, e dedicado a D. Antônio Manoel de Castilho Brandão, um livro do Cônego Domingos Fulgino da Silva Lessa (1901), contendo artigos por ele publicados em o Apóstolo no Rio de Janeiro e retomando suas discussões com os livres pensadores. Os artigos foram escritos à época da questão religiosa e a republicação em Maceió em 1901 significava que ainda tinha sentido o embate, apesar da aparente paz que foi celebrada.

Já em 1874 circulava Labarum: Órgão da Maçonaria, editado em Maceió e que foi até, pelo menos 1876; no mínimo entre 1899 e 1901 circulou O Malhete: Orgam de Propaganda e Defesa Maçonica (Maceió) e em Penedo tínhamos A Luz: Liberdade, Igualdade e Fraternidade, órgão da Loja Maçonica Luz do São Francisco. A existência de uma imprensa engajada nos leva a pensar que havia uma inteligência organizada, não importando a representatividade quantitativa e mais: a leitura tanto foi uma estratégia de penetração do kardecismo quanto foi do protestantismo. Na listagem de Jayme de Altavilla aparece A Luz (1919) e que contava com a participação de um intelectual da época e ativista espírita: Hugo Jobim, filho de Nicodemus Jobim. Seguramente, as atividades espíritas em Alagoas estarão avançadas nos finais do século XIX, onde já existia o Centro Melo Maia e se consolida de tal forma, que nos meados do século XX, Leopoldo Machado (2010) nos relatos sobre a Caravana da Fraternidade a considera como Meca do espiritismo no Brasil. Aliás, a Caravana era associada à consolidação da Federação Espírita Brasileira, pelos fins dos anos quarenta do século passado.

Sabe-se através de Joaquim Diégues da existência em Maceió de O Christão Brasileiro (1901) que  era mensal, distribuído, com escritório situado na Rua Nova, n 13 e circulava sob a responsabilidade de J. E. Hamilton. O mesmo pastor foi responsável por  O Evangelista que circulou em 1902. Penso ser Jephthah Erastas Hamilton, nascido em Loisiana, casado com Laura Black e postulou a China como local de missão, mas foi designado para o Brazil em setembro de 1889, seguindo depois para o Para onde, em 1904 morreu de febre amarela. Eram jornais batista. Em 1908 e circulando até 1909  teve-se O Domingo. Pelo menos entre maio de 1885 a fevereiro de 1886 circulou O Evangelista: Orgam da propaganda evangélica nesta cidade, publicado em Maceió; em 1902 tem-se O Evangelista: orgam dedicado aos interesses do evangelho.

O famoso complô maximalista

 A trama de confrontação com o espiritismo e o protestantismo aparece no fantástico e extraordinário acontecimento passado na Maceió do século XX e no ano de 1919, um quase nada após os trâmites políticos do Quebra de 1914 que, dentre outros fatores, demonstra a geração dos cultos afro-brasileiros na cidade, bem como a força do que era chamado de baixo-espiritismo. Se existia um baixo-espiritismo e isso já aparecia em  Pedro Nolasco Maciel, existia, digo,  também um alto-espiritismo a demonstrar-se nas entidades que iam sendo criadas. É como se a identidade resultasse em  necessidade radical de negociação para ser aceito e ter folga de operacionalização, como se deu com os próprios cultos afro-brasileiros que começaram sua validação política no governo de Muniz Falcão.

É a teia política alagoana tradicional que vai receber afronta dos novos atores políticos e sociais: espíritas e protestantes especialmente e, nisto, fica bem demarcada a presença batista  em torno de oitenta anos após a  tímida passagem de Kidder por Alagoas, na sua tarefa de inteligência de penetração e de distribuição de um elemento subversivo: a Bíblia. Por volta de 1919, dá-se um complô contra as instituições alagoanas, formado por uma frente maximalista, espírita e batista. A imaginação católica congrega seus grandes inimigos em uma frente contra as instituições, como se estivesse diante da possibilidade de destruição do que era o cerne do afrontamento que recebia: os pequenos grupos de anarquistas, espíritas  e batistas.

Quem sabe, procurava-se um novo Quebra: o achatamento político de uma “esquerda”  e de enunciados de natureza doutrinária, ambos radicais em contradição à sustentação do agrarismo. Evidentemente, jamais existiu tal complô, mas nas finalizações da belle epoque alagoana,  ele era oficialmente decretado pela Diocese e pelo Poder Executivo e vai ter plena vigência nas páginas dos jornais.

Na particularidade de nossa esticada belle époque tropical, o nosso ajustamento demandava um acerto de contas com o batuque africano, com as ressonâncias kardecistas do alto-espiritismo, com a presença batista sendo uma  acentuação protestante em nosso universos político. Intolerância é nada menos e nada mais, do que uma sofisticada prática política. Oitenta anos (±) após Kidder percorrer as ruas de Maceió,  uma cidade diferente assistiria ao espetáculo criado pela Diocese de Maceió e pela segurança pública, louca por livrar-se dos anarquistas, dentre eles Otávio Brandão.

O CORONEL DO EXÉRCITO E SUA PREGAÇÃO KARDECISTA

Tudo se deve à vinda de um Coronel do Exército (segundo consta em informações verbais, em grande parte, à época, o espiritismo estava presente entre os militares do 20BC), com a finalidade de fazer a divulgação da doutrina espírita. Ele tenta um auditório e a Igreja Católica chega a ameaçar de excomunhão à diretoria de qualquer entidade  que o abrigasse. Ele então exige a possibilidade de falar em prédio público, argumentando que o estado é laico e, com isso, consegue pauta no Teatro Deodoro.  Há de se ver que a arrogância da cúpula católica fez a grande propaganda do evento. As sessões enchem e os anarquistas dos lados da Rua Santa Maria  aproveitam para a panfletagem, tirando partido da situação.

 Foi suficiente para que se tivesse o famoso complô, forças desestruturantes da sociedade unidas para corromperem Alagoas. O Coronel fez suas conferências e, nesse compasso,  a Igreja Católica colocou adversários diferentes em um mesmo saco, em um ato de absoluta histeria. É de se notar  como os batistas incomodavam tanto quanto espíritas e o punhado de anarquistas, uma demonstração de que o perigo não residia na quantidade, mas na capacidade que os grupos dispunham para confrontar a estrutura do agrarismo alagoano.

Maceió vive em torno de duas semanas de exacerbada discussão. A cúpula da Igreja Católica chegou a ameaçar de excomunhão a quem quer que  desse espaço para as conferências do Coronel, terminando por render-se ao irrecusável argumento de que os próprios do Estado eram laicos e, portanto, todos teriam acesso. A tentativa católica tinha sido de um golpe fulminante e sem temor de correr riscos, embora não tivesse a ideia do poder de enfrentamento que o coronel jogaria em cena; era como se a oficialidade católica não tivesse entendido que algo poderia mudar, que nada poderia permanecer imutável, se bem que a marcha de anarquismo, espiritismo e batistas estaria estreitamente vinculada às modificações dos padrões de urbanização de Maceió.

O confronto ganhará  múltiplas dimensões e a República não o amenizará; a letra constitucional anunciando a liberdade religiosa, jamais implicaria em que o poder a desejasse; equivaleria a abrir mão de processo secular de dominação, nesta intermediação com o futuro e mercado de salvação das almas. E isso se refletiria no cotidiano, na sequência da normalidade de vida, diferente do inusitado do complô maximalista. O incremento da urbanização dará ênfase à integração, mas de Kidder a este fenômeno, vai para mais de século.

A NATUREZA DA REPRESSÃO

A natureza da repressão ao protestantismo assumiria os mais diversos aspectos, desde a mobilização direta de instrumentos de estado até à hostilização pessoal, sobretudo montando a marca do estigma e isto vai ser levado  para a linguagem, onde aparecem ou se reforçam  alguns termos como nova-seita, crente,  Frei Bode, capa verde, anti-cristo, a maioria delas levando à ideia do demoníaco, do absoluto mal encravado no arsenal das criações fantasiosas derivadas das pregações em púlpito ou no comício religiosos das desobrigas cujo último representante está na figura de Frei Damião espécie de vice Padrinho Cícero. Dos termos que levantei anteriormente, só a palavra crente não tinha o senso diabólico imediatamente conferido, e nem era associada diretamente ao quinto do inferno.

A tática da exclusão consistia em inúmeros caminhos e o primeiro deles era não reconhecer denominações: tudo estava sendo nivelado numa mesma categoria de inimigo. Não era a denominação que interessava, mas o conjunto. Então o protestantismo era uma totalidade. Não havia uma identidade batista ou presbiteriana em jogo, mas um conjunto que seria levado ao modo da nova-seita. Este termo estava pressupondo pelo menos duas condições:  remeter a uma antiga indicação e continuar dando à palavra seita uma carga semântica negativa. A palavra seita negava o trato de uma religião, tudo sendo originário de posturas falsas e portanto não era o erro que se antepunha, mas a noção de fraude.

O bode – Frei Bode no começo – antepunha um Frei Santo a um Frei Satânico, no que se estava insinuando a existência de balidos e não de cânticos. Os cânticos religiosos  estavam de muito consagrados como o a nós descei Divina Luz, como o ave, ave Maria.  E tudo fazia o ritual das Filhas de Maria, do Apostolado da Oração coadjuvantes essências do paroquialismo católico, o modo do agrarismo expressar-se no particular da religião,  enfaticamente situados no conjunto religioso até a década de 60 do século XX, espécie de laços entre a romanização e o lugar. A Pia União  das Filhas de Maria consagrava localmente as virtudes da mulher cristã. Era natural que o protestante jamais estivesse mergulhado nas cores e sabores do local: a salvação precisava de outro mundo, um novo modo de ser e as raízes estariam nos Estados Unidos da América do Norte, com uma mensagem, também, sobre o sistema capitalista, como diversos estudos destacaram.

O agrarismo está implicado neste andar dos protestantes que vão precisar da urbanização para que haja suporte para a expansão cujos resultados apresentam-se nas estatísticas atuais. Na verdade, fica pendendo a pergunta: a que nível político e de poder chegaram as relações do protestantismo, capazes anteriormente de levantarem um complô maximalista e hoje estar, em sua grande maioria, associado ao sistema? Este e outro aspectos merecem a preocupação acadêmica.

Nenhum comentário:

Postar um comentário